A ministra Carmen Lúcia vê desvio de finalidade na ação do governo federal. Foto: STF.

A conduta estatal de perseguir ou investigar, com recursos públicos, as manifestações individuais com o objetivo de adotar comportamentos de cerceamento ou constrangimento às liberdades não é lícita, por contrariar os mais fundamentais preceitos democráticos que presidem o sistema constitucional vigente.

Por isso, é inconstitucional todo e qualquer ato da Secretaria Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações de produção de relatórios de monitoramento de atividades de parlamentares e jornalistas em suas redes sociais.

Esse foi o entendimento da ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de ação iniciado na sexta-feira (4/2), no Plenário Virtual da Corte.

No caso, está em exame Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pelo Partido Verde contra o monitoramento de redes sociais de 116 parlamentares, levado a efeito pela Secretária de Governo da Presidência da República e denunciado no ano passado.

Na ADPF, o partido informa que o acompanhamento diário de atividades parlamentares e jornalísticas foi noticiado pela revista Época. Segundo a publicação, estima-se que os parlamentares (105 deputados federais, nove senadores, uma deputada estadual e um vereador) tiveram suas redes sociais monitoradas a pedido da Segov.

Ainda de acordo com a reportagem, o ministro-chefe da Segov, general Luiz Eduardo Ramos, considerou absurda a iniciativa e disse que ela não partiu de ordem sua, embora não tenha negado a existência dos relatórios.

Em seu voto, a ministra Carmen Lúcia afirmou que, de acordo com informações prestadas pelo Secretário Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações, os relatórios de monitoramento de redes sociais foram elaborados por empresas contratadas. A alegação do governo é de que “tais relatórios de monitoramento de redes sociais auxiliam nas tomadas de decisão e servem de subsídios para atuação nas áreas de comunicação do Governo Federal e podem se materializar em produções de conteúdo para os canais Governamentais, realização de campanhas de comunicação, definições de agendas ou outros”.

Para a ministra, houve desvio de finalidade dos órgãos governamentais. “Não está entre atribuições da Secretaria Especial de Comunicação — nem seria lícito — a função de monitorar redes sociais de pessoas, físicas ou jurídicas, até porque objetivo dessa natureza descumpre o caráter educativo, informativo e de orientação social que legitimam a publicidade dos atos estatais, conforme disposto no § 1º do art. 37 da Constituição da República”, escreveu ela em seu voto.

E completou: “Para além do desvio de finalidade no procedimento de monitorar redes sociais, atitude sem relação de pertinência com os deveres constitucionais e legais fixados à Secretaria de Comunicação e sem respaldo jurídico, está também caracterizada afronta ao princípio da impessoalidade. Esclarecido está no processo que o acompanhamento de redes sociais está direcionado a pessoas — parlamentares e jornalistas — para apurar a sua condição de apoiar ou opor-se ao governo”.

Na opinião da relatora, a produção de relatórios de monitoramento de parlamentares e jornalistas afronta também o princípio da moralidade. “Com recursos públicos, ao invés de se dar cumprimento ao comando republicano obrigatório de se promoverem políticas públicas no interesse de toda a sociedade, o Poder Executivo federal valeu-se da contratação de empresa para pesquisar redes sociais sobre a base de apoio — ou oposição — ao governo em posicionamento ilícito e, pior, em afronta direta a direitos fundamentais de algumas pessoas”, criticou ela.

Outros argumentos
Na inicial, o Partido Verde também argumentou que o monitoramento causa grave lesão ao preceito da liberdade de expressão, da manifestação do pensamento e do livre exercício profissional e relatou que, diante de indícios de desvio de finalidade na contratação de empresa privada, com verba pública, o Ministério Público solicitou que o Tribunal de Contas da União (TCU) apure se a medida atende ao interesse público.

Outro argumento é o de que o STF, no julgamento da ADPF 722, concedeu medida cautelar para suspender qualquer ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública que tenha por objetivo investigar a vida de 579 servidores públicos e elaborar relatórios sobre os chamados “antifascistas”. Assim, o PV pede também a concessão de liminar para suspender qualquer ato de monitoramento de parlamentares e jornalistas pela Presidência da República.

Fonte: site ConJur.