Ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Foto: Divulgação.

Ainda que não possam ser caracterizados como atos administrativos em sentido estrito, os atos negociais da administração praticados no âmbito de procedimento de mediação (Lei 13.140/2015), dos acordos de leniência previstos na lei anticorrupção, assim como nos TACs, quando envolvem transação de bens e recursos públicos, estão sujeitos à jurisdição do Tribunal de Contas da União.

Esse foi um dos muitos esclarecimentos que o ministro Bruno Dantas, do TCU, fez ao proferir a decisão que determinou o envio do inquérito que investiga a relação entre o ex-juiz e pré-candidato a presidente Sergio Moro à PGR, Receita e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI).

A decisão foi provocada por pedido de Lucas Rocha Furtado, subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, para que a corte determinasse o bloqueio cautelar de bens do lavajatista.

Lucas Furtado aponta questionamentos importantes e inconsistência dos documentos comprobatórios apresentados pelo ex-ministro de Jair Bolsonaro. Também defende a necessidade de apuração sobre uma suposta ocorrência de “pejotização” que teria reduzido a tributação incidente sobre o trabalho assalariado.

Ao analisar o pedido, Dantas, além de reafirmar a competência do TCU no caso, também defendeu o prosseguimento das investigações.

“Se por um lado, a documentação já constante dos autos ainda não caracteriza as irregularidades apontadas na inicial, ela é mais do que suficiente para justificar a continuidade das investigações, considerando a fase preliminar em se encontra o processo, sem prejuízo de representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados no curso das investigações, conforme imperativo constitucional (artigo 71, inciso XI)”, escreveu.

O ministro lembrou que o processo ainda está em fase de apuração e refutou alegações que de que o princípio do promotor natural não vem sendo respeitado.

“É do conhecimento de qualquer estudante de direito que as fases processuais se classificam em postulação, instrução e julgamento. Na etapa preliminar que nos encontramos, é absolutamente natural que o procurador que formulou a postulação complemente-a. Na etapa de instrução, que é preparatória do julgamento, se houver interesse público que justifique a intervenção de um segundo membro do Ministério Público, isso deverá ser apreciado pelo relator”, ensinou.

Em janeiro deste ano, o procurador do Ministério Público de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, que atua no Tribunal de Contas da União (TCU), entrou com uma representação na Corte para reivindicar sua participação no processo que apura a relação de Moro com a consultoria Alvarez & Marsal. No pedido que foi negado, o procurador questionava a atuação de Lucas Furtado.

Júlio Marcelo de Oliveira é um notório fã de Sergio Moro. No Twitter, chamou o candidato de “exemplo de magistrado e homem público” e disse que o ex-juiz “merece todas as homenagens”. Quando da saída de Moro do Ministério da Justiça, afirmou na mesma rede social que o já oficialmente político é “um gigante que sempre se colocou a serviço do Brasil”.

Na decisão desta terça (22/2), Bruno Dantas registra o estranhamento que a atuação de Júlio Marcelo tem provocado. O ministro afirma que chegou a pesquisar nos sistemas do TCU se algum dia a Corte já havia enfrentado situações tão inusitadas como a desse caso.

“É notório o papel do Ministério Público como aquele que requer medidas investigativas, normalmente se antagonizando à defesa dos responsáveis. Neste caso, ao contrário, encontramos posicionamentos reiterados e veementes de defesa do investigado por parte do procurador, mais enfáticos do que as peças apresentadas pelos próprios advogados constituídos nos autos”, pondera.

Interesse público
Didaticamente, Dantas também afastou a alegação de que a natureza contrato de Moro com a consultoria Alvarez & Marsal seria um impeditivo para a jurisdição do TCU. Ele lembra que muitas vezes contratos privados de consultoria, advocacia, locação de equipamento, subcontratação se prestavam apenas a acobertar condutas ilícitas como determinado no Acórdão 1.822/2020-TCU, de relatoria do ministro Benjamin Zymler.

“O fato é que as informações prestadas pela Alvarez & Marsal, que até então se opõe a apresentar a documentação completa do vínculo com ex-juiz, em vez de elucidar de uma vez por todas as irregularidades em apuração nestes autos, sugere a necessidade de adotar outras linhas de investigação”, simplificou o ministro.

Diante disso, Dantas determinou a remessa de cópia integral destes autos ao procurador-geral da República para que examine a matéria e, ser o caso, determinar as providências para a sua apuração e eventual bloqueio de bens do ex-juiz.

Fonte: site ConJur.