Erasmo Carlos e Roberto Carlos autores da música ”O Portão”. Foto: Arquivo Nacional.

Um pedido de vista do ministro cearense Raul Araújo interrompeu o julgamento de embargos de divergência no qual a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisa se a alteração de trecho de música, para utilização em propaganda político-eleitoral, caracteriza ou não paródia, para a qual é desnecessária a autorização do autor da obra original (artigo 47 da Lei 9.610/1998).

Os embargos foram apostos pela gravadora detentora dos direitos autorais da música “O Portão“, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, na tentativa de reformar acórdão da 3ª Turma do STJ que negou o seu pedido de indenização contra o deputado federal Tiririca, pelo uso não autorizado da canção na campanha eleitoral de 2014.

A gravadora ajuizou ação reparatória de danos materiais alegando que o deputado alterou a letra original da música para criar o refrão “eu votei, de novo vou votar / Tiririca, Brasília é seu lugar“, e cantá-la com trajes que imitavam a aparência de Roberto Carlos.

A detentora dos direitos autorais apontou como paradigma o REsp 1.131.498, no qual a 4ª Turma condenou um supermercado pelo uso não autorizado e com alterações da música “Roda, Roda, Roda“, em propaganda de televisão. Nesse julgamento, os ministros entenderam que o uso da canção serviu para atender aos interesses comerciais da empresa e afastaram a configuração de paródia.

Limitações

Segundo o relator dos embargos, ministro Luis Felipe Salomão, a Lei 9.610/1998 estabelece que os direitos morais do autor incluem o de modificar a obra literária, artística ou científica, assim como o de assegurar a sua integridade, “opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra” (artigo 24, incisos IV e V).

No entanto, o magistrado lembrou que a Lei 9.610/1998 enumerou várias limitações ao direito patrimonial do autor, afastando a exigência da autorização prévia para a utilização da criação intelectual em casos específicos, como as paráfrases e paródias, que não sejam verdadeiras reproduções da obra originária e que não impliquem o seu descrédito.

Mencionando doutrina sobre o assunto, o ministro afirmou que “a paródia é imitação cômica de uma composição literária, filme, música, uma obra qualquer conhecida do público. Quase sempre dotada de comicidade, a paródia utiliza-se do deboche e/ou da ironia para entreter ou para promover a crítica ou a reflexão sobre a obra original (paródia-alvo) ou qualquer outro tema (paródia-arma)”.

Na sua avaliação, a proteção legal desse tipo de criação intelectual tem por escopo resguardar a liberdade de expressão, “condição essencial ao pluralismo de ideias, que, por sua vez, constitui um valor estruturante do regime democrático”. O relator ponderou, no entanto, que a liberdade para a criação de paródia não pode servir de pretexto para a apropriação indevida de obras alheias.

Salomão verificou que, após o julgamento do acórdão paradigma pela 4ª Turma, no qual o supermercado foi condenado, houve dois outros julgados das turmas de direito privado do STJ em que se concluiu que a falta de conotação comercial não é condição obrigatória para o reconhecimento da licitude da manifestação do pensamento pela paródia, nos termos do artigo 47 da Lei 9.610/1998.

Requisitos

Para o ministro, é possível que um jingle político caracterize uma paródia de livre elaboração e exploração pelo titular do direito autoral da obra derivada, nos termos do artigo 47 da lei, mas devem ser observados alguns requisitos objetivos.

Ainda que o propósito eleitoral, comercial ou publicitário não impeça a configuração da paródia, o relator concluiu que a licitude de sua elaboração e utilização dependerá do preenchimento de alguns requisitos: existência de certo grau de criatividade (ou seja, a obra derivada não poderá ser verdadeira reprodução da obra parodiada); ausência de efeito desabonador da obra originária; respeito à honra, à intimidade, à imagem e à privacidade de terceiros; observância do direito moral de ineditismo do autor da criação original.

Além disso, Salomão afirmou que, à luz das normas internacionais, como a Convenção de Berna, a reprodução não autorizada de obras de terceiros deve respeitar a “regra do teste dos três passos” (three-step-test), ou seja, ela é possível em casos excepcionais, que não conflitem com a exploração normal da obra nem prejudiquem, injustificadamente, os interesses legítimos do titular do direito autoral.

Na hipótese dos autos, o magistrado observou que a utilização de trecho da música (com a letra alterada) na propaganda eleitoral do então candidato a deputado satisfez todos esses requisitos, não tendo sido apontado nenhum constrangimento, de índole moral, psicológica, política, cultural ou social.

“Percebe-se nitidamente que houve criatividade e ineditismo do autor da paródia, sem efeito desabonador, observada a regra dos três passos, de modo que a demanda indenizatória não procede”, declarou. Por enquanto, apenas o relator votou. Não há data prevista para a continuação do julgamento.

Fonte: ConJur.