Durante audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, nesta terça-feira (14),  debatedores e senadores divergiram sobre a aprovação do projeto que flexibiliza registro, posse e comercialização de armas de fogo (PL 3.723/2019) aos caçadores, atiradores e colecionadores (grupo conhecido como CACs).

Enquanto os defensores da proposta argumentam que o texto traz segurança jurídica ao setor, aqueles contrários veem com preocupação as mudanças ao apontar que o texto permite o “porte de arma indireto”.

O PL 3.723/19, de autoria do Poder Executivo e em tramitação na CCJ do Senado, já foi aprovado pelos deputados e, entre outras medidas, muda penas de crimes com armas de fogo e estabelece que o atirador esportivo, maior de 25 anos, terá direito ao porte de armas depois de cinco anos da primeira emissão do certificado de registro.

O relator da matéria, senador Marcos do Val (Podemos-ES), esclareceu que o texto não procura conceder mais direito de acesso às armas, pelo contrário, “restringe” se comparado aos decretos vigentes. Segundo ele, o PL oferece segurança jurídica à categoria já que os decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro e que mudaram regras de acesso a armas e munições estão em questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF).

— Como já pediram, por meio de liminares, para que derrubassem os decretos hoje vigentes e esses decretos realmente abrem um leque muito grande para os caçadores e atiradores, dos que gostariam de ter a posse e o porte, se em pleno recesso o Supremo Tribunal Federal desse uma decisão monocrática derrubando os decretos nós não teríamos nenhum projeto para que pudesse assegurar sua legitimidade e o Brasil entraria num colapso jurídico muito grande — argumentou.

A justificativa foi reforçada pelos senadores Angelo Coronel (PSD-BA), Lucas Barreto (PSD-AP) e Soraya Thronicke (PSL-MS).

— Esse projeto proíbe a importação por pessoa física, aumenta o controle de calibres restritos, aumenta significativamente as penas na ocorrência de qualquer crime e o torna inafiançável. Nós CACs, não temos medo da lei — disse Lucas Barreto.

Thyago Almeida Pignataro, que é empresário, instrutor de tiro e atleta do esporte que está em prática desde o final da década de 1980 no país, informou que hoje existem mais de 13 mil atiradores filiados à Confederação Brasileira de Tiro Prático (CBTP). Ele disse que o esporte é um dos mais seguros do mundo e que a regulamentação em lei vai proporcionar mais investimento no setor, trazer inovações e intercâmbio de práticas eficientes com os órgãos de segurança pública  e garantir as condições legais para que o esporte continue atraindo competidores.

— O projeto vai impedir ameaças aos investimentos privados no setor, incertezas quanto ao futuro de dezenas de milhares de armas adquiridas legalmente e terá impacto imediato em mais de três mil lojas e clubes de tiro. Estima-se que cerca de 200 mil armas estão em estoque nas lojas aguardando documentação — salientou.

Porte de armas

Já na opinião do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), o projeto permite o que ele chamou de porte de arma indireto ao conceder essa autorização ao atirador esportivo após cinco anos da primeira emissão do certificado de registro. Ele considera que o texto traz liberações excessivas e que é preciso buscar eliminá-las do texto.

— É interesse que a gente aprove uma medida para regulamentar essa atividade, mas é preciso retirar os excessos. Precisamos encontrar um ponto de equilíbrio em relação a esse assunto — avaliou.

Veja a fala do senador Girão:

A senadora Zenaide Maia (Pros-AL) considerou que este “não é o momento” para se votar essa matéria. Para ela, a flexibilização das regras e ampliação da circulação de armas entre a população não corresponde à política de segurança pública que o país necessita e defendeu que a proposta passe por mais debates na Casa. Já a senadora Daniela Ribeiro (PP-PB) manifestou preocupação em relação ao dispositivo que permite autorização para a compra de insumos, como a pólvora, e de a medida levar ao descontrole da produção de munição. Para ela, a discussão de uma política pública de segurança eficiente precisa focar em educação.

— Enquanto a gente está nessa questão, a gente não lembra de discutir a educação. R$ 3,6 bilhões foi o corte na educação no nosso país e onde está o nosso gargalo, é na educação e na falta de oportunidade — ressaltou.

Os senadores ainda manifestaram preocupação com dispositivos do texto que, segundo eles, eliminam a marcação de embalagem de munições, deixa em aberto a quantidade máxima de armas a ser adquirida, fragiliza a rastreabilidade e autorização acesso a armas mais potentes pelos CACs.

Fiscalização

Para os debatedores e especialistas contrários à proposta, o texto não traz procedimentos de fiscalização para acompanhar o aumento do número de CACs e de armas nas mãos desse grupo, como verificado nos últimos anos. De acordo com a Assessora Especial do Instituto Igarapé, Michele Gonçalves dos Ramos, no caso específico dos CACs, o número de pessoas físicas com certificado de registro ativo saltou de 255 mil, em 2018, para mais de 465 mil, em 2021. Com relação especificamente aos atiradores desportivos, saltou de 133 mil, em 2019, para 449 mil certificados ativos em 2021.

— Diante desses aumentos, quais são as capacidades de fiscalização estatal desses arsenais, exatamente para evitar que desvios aconteçam? O Igarapé realizou um levantamento recentemente, com base em informações obtidas junto ao Exército, via Lei de Acesso à Informação, que nos mostrou que, em 2020, apenas 2,3% dos arsenais privados, que incluem os acervos de caçadores, atiradores, colecionadores, lojas, clubes e entidades de tiro, foram fiscalizados — alertou.

Para advogada e conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Isabel Figueiredo, e o para gerente de advocacia do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, autorizar mais armas em circulação vai representar mais ameaça à população, principalmente a mais vulnerável.

— A gente vai ter estudos nacionais que vão mostrar – um deles, do Ipea, por exemplo – que 1% a mais de armas em circulação na sociedade resulta em 2% a mais na taxa de homicídios; que a presença – aí, já um estudo do IBCCrim – de uma arma de fogo em casa amplia em cinco vezes a chance de ocorrência de homicídio ou suicídio; que a vítima portar arma aumenta em 55% a chance de que um simples roubo – e roubo nunca é simples, sempre é ruim, mas é um crime contra o patrimônio – se transforme em um latrocínio — argumentou Isabel.

Por outro lado, o representante do Movimento PROARMAS, Marcos Sborowski Pollon, criticou a polarização política e ideológica que tem tomado os debates. Ele criticou o Estatuto do Desarmamento e pediu apoio dos senadores para aprovação do PL.

— A questão é o clamor social. Mais de 60% dos brasileiros hoje votaram contra essa lei genocida (Estatuto do Desarmamento) e eu acreditava que falaríamos exclusivamente do esporte, porque é isso que está sendo ameaçado aqui. O projeto de lei trata só do esporte e não do acesso às armas — revidou.

Fonte: Agência Senado.