Para a Ordem, a PEC viola a separação dos Poderes, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Arte: Divulgação/OAB.

Ao propor a sexta tentativa de não pagamento nos precatórios em 32 anos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/2021, aprovada pela Câmara dos Deputados em primeiro turno, insiste em inconstitucionalidades já reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, em prejuízo de milhões de credores.

Esse alerta foi feito pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que emitiu nota técnica neste sábado (6) em que aponta os flagrantes problemas encontrados no texto substitutivo aprovado a toque de caixa pelos deputados na madrugada de quinta-feira (04).

Em suma, a proposta limita as despesas anuais com precatórios, corrige seus valores exclusivamente pela Taxa Selic e muda a forma de calcular o teto de gastos.

Precatórios são dívidas do governo com sentença judicial definitiva, referentes a questões tributárias, salariais ou qualquer outra causa em que o poder público seja o derrotado.

Pelas regras atuais, dados do governo indicam despesa com precatórios de R$ 89 bilhões em 2022. Aplicando o texto da PEC 23/2021, esse valor seria limitado em quase R$ 40 bilhões. De acordo com a proposta, essas limitações seguirão enquanto durar o regime de teto de gastos, até 2036.

Para a OAB, a proposta mostra-se flagrantemente inconstitucional por violar a separação dos Poderes, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, além de se mostrar contrária à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A PEC 23/2021 ainda precisa ser votada e aprovada em segundo turno na Câmara dos Deputados. A previsão é de que seja analisada novamente na terça-feira (9). Depois, vai para o Senado, onde também será apreciada em dois turnos.

Correção pela taxa Selic

De acordo com a PEC, os precatórios que não forem expedidos em razão do teto de gastos terão prioridade para pagamento nos anos seguintes, com reajuste pela Taxa Selic. Segundo a OAB, reside nesse ponto a primeira inconstitucionalidade. Atualmente, a correção ocorre por meio do cálculo da inflação medida pelo IPCA, mais 6% ao ano.

O tema foi tratado na ADI 4.357, proposta pelo Conselho Federal da Ordem e no qual o Supremo declarou como inconstitucional a Emenda Constitucional 62/2009, conhecida como “emenda do calote”.

Na ocasião, o voto do ministro Luiz Fux apontou que a Selic não é referencial idôneo para mensurar a variação do poder aquisitivo da moeda brasileira, já que a remuneração da caderneta de poupança é fixada a partir de critérios técnicos em nada relacionados com a inflação. Já os índices que capturam o fenômeno inflacionário são definidos em momento posterior ao período analisado, como o IPCA.

Segundo a OAB, usar a Selic ensejará a ineficiência e a imoralidade administrativas, por estimular a protelação das discussões judiciais envolvendo condenações da Fazenda, uma vez que a demora será benéfica ao poder público.

Violação da coisa julgada

A segunda inconstitucionalidade apontada refere-se à violação da coisa julgada. Segundo a OAB, isso ocorre ao se frustrar a expectativa do credor de receber os créditos a partir do que foi decidido na sentença judicial. A certeza e a exigibilidade são baseadas na sentença, mas perdem efetividade.

Outro efeito apontado é a violação da separação dos poderes, desta vez em desfavor do Judiciário, que tem seu campo de atuação cerceado. Isso porque, independentemente do critério adotado na sentença para correção da dívida, fluirá o índice fixado no texto da Constituição. Esses pontos também foram abordados e reconhecidos pelo STF na ADI 4.357.

Parcelamento de precatórios

A PEC 23/2021 também é inconstitucional, conforme apontado pela OAB, por permitir parcelamento de precatórios.

O Supremo assim entendeu ao julgar a ADI 2.356, quando suspendeu dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que permitia o pagamento de precatórios pendentes na data da promulgação da Emenda Constitucional 30/2000, de forma parcelada, em até dez anos.

Rito de votação

Por fim, a OAB ainda cita outra potencial inconstitucionalidade, esta ainda não reconhecida pelo Supremo, mas que já é alvo de ação ajuizada por parlamentares.

Ela consiste na violação do devido processo legislativo na aprovação do projeto em primeiro turno pela Câmara na última quarta-feira (3), pois foi aprovada emenda aglutinativa (que resulta da fusão de outras emendas) apresentada apenas no Plenário e antes da emenda de redação que a justificou.

A PEC 23/2021, seja em seu texto original, seja no substitutivo aprovado pela Câmara dos Deputados em votação de primeiro turno, mostra-se flagrantemente inconstitucional por violar a separação dos poderes, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, bem como por se mostrar contrária à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, em diferentes ocasiões, declarou a inconstitucionalidade do parcelamento de precatórios e a sua correção monetária por meio da taxa Selic“, conclui a OAB.

Com informações do site ConJur.