Deputada Tia Eron e ministro Benedito Gonçalves, do STJ, durante Comissão Geral na Câmara dos Deputados. Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados.

A Câmara dos Deputados realizou uma comissão geral nesta terça-feira (30) para discutir a desigualdade e a violência contra a mulher negra no Brasil. O secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Paulo Roberto, destacou que, das 1.350 mortes por feminicídio em 2020, a maioria foi de mulheres negras.

“Ninguém nasce racista, isso é uma construção social. E, se foi construído, nós podemos destruir. É isso que nos alenta. Nós podemos destruir com atitudes para afastar essa questão cultural. Investir nas novas gerações para que seja risível em pouco tempo falar em racismo”, disse Paulo Roberto.

A secretária de Segurança Pública da Bahia, Denice Santiago, afirmou que, durante a pandemia, a cada oito minutos uma mulher sofre violência e mais da metade é negra. Anielle Franco – irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018 – destacou a morte por balas perdidas de mais de 15 gestantes durante a pandemia no Rio de Janeiro.

Aborto inseguro
Para a jurista Soraya Mendes, muitas grávidas negras também morrem por causa de abortamentos inseguros. Ela destacou, além disso, o caso de Luciana Barbosa, lésbica negra que foi assassinada em 2016 por policiais militares. E explicou que o caso foi considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um exemplo de racismo estrutural.

A deputada Vivi Reis (Psol-PA) apontou a desigualdade de condições das mulheres negras no país: “Nós precisamos analisar hoje o quanto as mulheres negras ainda estão trabalhando nas casas das pessoas brancas. Ainda estão nos trabalhos de baixa remuneração, ainda estão fora dos espaços da universidade.”

A ativista cultural Beth de Oxum criticou o conteúdo de programas da TV aberta que, segundo ela, tratam as religiões de origem africana de maneira discriminatória.

A deputada Tia Eron (Republicanos-BA), que presidiu a sessão, disse que o importante é fazer o combate ao racismo todos os dias.

Consciência Negra

Ainda na Câmara dos Deputados foi realizada no início da tarde desta terça-feira (30) sessão solene realizada no Plenário Ulysses Guimarães marcou a entrega do relatório final da comissão de juristas criada pela Câmara dos Deputados para propor o aperfeiçoamento da legislação de combate ao racismo estrutural e institucional no País.

O relator da comissão é o advogado Silvio Almeida, que apresentou pontos do texto durante discurso no Plenário.

Segundo Almeida, o relatório propõe um conjunto de propostas concretas e viáveis que visam alterar o arcabouço jurídico do País para a criação de uma nação antirracista. Algumas já tramitam na Câmara ou no Senado. Outras foram apresentadas na forma de anteprojetos.

“Nós temos que pensar cada política pública a partir da perspectiva do racismo estrutural e institucional. O Brasil jamais será um país decente se não enfrentar a questão racial”, afirmou Almeida.

Entre as políticas propostas estão a renovação do período de validade das cotas nas universidades, cuja vigência se encerra em 2022, a implementação de mecanismos de avaliação perene das políticas de combate ao racismo, a criação de um protocolo de promoção da igualdade a ser cumprido por todos os órgãos da administração pública brasileira e o aumento dos recursos orçamentários para a política de combate ao racismo institucional.

O presidente da comissão de juristas, ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmou que as medidas propostas no relatório final sintetizam as questões centrais a serem combatidas em “lutas atuais e futuras”.

“Além de consistentes reflexões sobre as mais variadas formas de preconceito racial, o documento propõe instrumentos legais para o seu enfrentamento”, disse Gonçalves.

Criação
A comissão formada por 20 juristas, todos negros, foi instalada em janeiro, a partir de sugestão do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Silva integrou a comissão externa que acompanhou a investigação da morte de João Alberto Silveira Freitas, assassinado por seguranças em uma loja do supermercado Carrefour, em Porto Alegre, no ano passado. Este colegiado foi coordenado pelo deputado Damião Feliciano, que presidiu a sessão solene.

Feliciano afirmou que o relatório final divulgado hoje vai agora tramitar na Câmara. “Vamos nos debruçar sobre o relatório. Com certeza, vamos produzir frutos para o povo brasileiro”, disse. A deputada Erika Kokay (PT-DF) também afirmou o mesmo. Segundo ela, “há um compromisso dos parlamentares que aqui estão de que as sugestões possam ter a celeridade [na Câmara] que a nossa cidadania exige”.

Kokay e Feliciano propuseram a realização da sessão solene, junto com os deputados Bira do Pindaré (PSB-MA) e Vicentinho (PT-SP). O primeiro defendeu o efetivo ensino da história da África nas escolas, medida corroborada pelo relatório final. “Um povo que não conhece sua história é um povo sem identidade. E, infelizmente, isso foi tirado da gente”, disse Bira do Pindaré.

Já o deputado Vicentinho lembrou que a origem da comissão de juristas é uma tragédia contra um cidadão negro. “Ter uma comissão negra, para fazer um relatório como esse, depois desse dia sofrido, é muito simbólico. Mostra que somos todos capazes, independente da cor da pele”, disse.

Também falaram na sessão solene a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e a 2ª vice-presidente da comissão de juristas, desembargadora Maria Ivatônia Barbosa dos Santos, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Fonte: Agência Câmara de Notícias.