No encerramento da audiência pública que discutiu a figura do juiz das garantias, o acordo de não persecução penal e os procedimentos de arquivamento de investigações criminais previstos no Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, destacou que, em dois dias de debates, as instituições participantes apresentaram argumentos que contemplam ambos os lados da questão, com base científica e muita profundidade.

Os temas são objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6298, 6299, 6300 e 6305, todas de sua relatoria.

Ele ressaltou o fato de que, antes de decidir a questão, o STF se dispôs a ouvir vários segmentos da sociedade e da Academia, o que propiciará a melhor solução. “Esse é o exemplo de um processo democrático participativo. Essa audiência pública revelou o verdadeiro Estado Democrático de Direito que nós queremos”, afirmou.

O desembargador cearense, Teodoro Silva Santos, coincidentemente com a discussão no Supremo Tribunal Federal sobre juiz das garantias, tem o seu livro “O Juiz das Garantias Sob a Óptica do Estado Democrático de Direito: A Adequação ao Ordenamento Jurídico Brasileiro” pela Editora jusPodivm, sendo publicado nesta data, virtualmente, devendo proximamente ele ser lançado presencialmente. O trabalho do desembargador Teodoro é bem anterior às discussões que são travadas agora sobre o tema.

A obra está dividida em cinco capítulos. O primeiro apresenta a discussão em torno dos sistemas processuais penais e suas influências no processo penal pátrio. Para subsidiar esse estudo, louvar-se-á, de início, nos ensinamentos acerca da divisão histórica dos sistemas processuais penais reconhecidos pelos estudiosos do Direito, desde a Era Antiga, adentrando a Idade Média, até se alcançar o estádio contemporâneo.

Em seguida, o segundo capítulo adentra o debate mais minucioso acerca das garantias fundamentais, com enfoque expressivo no princípio da imparcialidade. Encara-se a imparcialidade como proveniente da garantia ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, no momento da atuação do magistrado brasileiro dentro do sistema processual penal.

Ampliando o debate, o terceiro capítulo reporta-se à contribuição da Teoria da Dissonância Cognitiva para analisar o processo penal brasileiro e a importância de se preconizar a garantia da imparcialidade. Ao final, destacará a regra de prevenção disposta no Ordenamento Jurídico, com a sua influência na efetivação da imparcialidade do magistrado.

O quarto capítulo analisa a atividade judicante especificamente sobre o processo penal democrático, traçando paralelo entre o Juiz das Garantias e a garantia da imparcialidade judicial. Voltando-se ao contexto prático, iniciar-se-á o importante debate quanto à presença do Juiz das Garantias nos tribunais pátrios e nas varas e seções judiciárias pertencentes ao denominado primeiro grau ou, ainda, primeira instância.

Por fim, o quinto e último capítulo dedicar-se-á a uma análise, sob os holofotes do Texto e princípios constitucionais, dos princípios processuais, da doutrina e da jurisprudência pátrias.

Confira abaixo os expositores da última parte do debate no STF:

Desconformidade

A representante da Frente Estadual pelo Desencarceramento RJ (Frente-RJ), Eliene Maria Vieira, afirmou que a figura do juiz das garantias é um mecanismo que contribuirá para uma justiça verdadeira e justa, que sustenta a democracia. Para ela, o atual sistema penal funciona em desconformidade com a legislação brasileira e com parâmetros internacionais e normas de direitos humanos, sendo necessária a atuação do Poder Judiciário.

Refundação do processo penal

Para o advogado Alberto Zacharias Toron, que falou em nome do partido Solidariedade, a implantação do juiz das garantias pode melhorar a Justiça e representa a refundação do processo penal brasileiro. Toron destacou que o partido participou ativamente dos debates legislativos que culminaram na aprovação do Pacote Anticrime pelas duas Casas Legislativas.

Neurociência

O psiquiatra Hewdy Lobo, do Instituto Anjos da Liberdade, observou que, do ponto de vista da neurociência, mesmo após o surgimento de novas provas, depoimentos e dados, o magistrado pode tomar decisões baseadas nas primeiras informações com que teve contato, de forma inconsciente e involuntária. Dessa forma, concluiu que o instituto tende a oferecer maior segurança jurídica em prol dos direitos individuais.

Modelo da Constituição

A Pastoral Carcerária Nacional, representada por Petra Silvia Pfaller, defendeu que o juiz das garantias aproxima o processo penal ao modelo acusatório previsto na Constituição Federal. No entanto, ao fazer algumas críticas ao instituto, ela avaliou que a sua implantação não é suficiente para garantir a diminuição do encarceramento no país.

Princípio da imparcialidade

Para a Federação Nacional dos Advogados (Fenadv), o instituto vai aprimorar e dar concretude a um princípio caro à magistratura, o da imparcialidade de julgamento. Segundo Antonio Fernandes Ruiz Filho, que falou pela entidade, a mudança é necessária para que o juiz e o processo fiquem protegidos da parcialidade do julgador.
Tendência universal

O advogado Cristiano Zanin Martins afirmou, em nome do Lawfare Institute, que o juiz das garantias não afronta qualquer dispositivo da Constituição Federal. Ao contrário, reforça uma tendência universal de separar a investigação da fase do julgamento da ação penal, de forma a prestigiar a garantia fundamental do juiz imparcial. Para ele, o Brasil precisa aderir a essa cultura jurídica mundial.

Modelo racional

O Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG) considera o juiz das garantias um avanço inquestionável na busca da isenção do julgador. Em nome da entidade, Felipe Martins Pinto afirmou que é preciso construir um modelo racional de processo penal que assegure e promova a imparcialidade de maneira efetiva, buscando assegurar a ausência de vínculos do juiz com as partes e com o objeto da ação.

Custos baixos

Segundo o Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP), representado por Vinícius de Souza Assumpção, os custos para a implementação do juiz das garantias são baixos, porque há uma repartição de atribuições, e não acréscimo. Em sua exposição, Vinícius observou que a mudança está mais relacionada à adaptação do que à inovação na carga de trabalho.

TJ-RJ pronto

O representante do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), juiz Marcelo Oliveira da Silva, afirmou que o processo penal inquisitório já não deveria existir no Brasil desde a promulgação da Constituição de 1988. Segundo ele, todo juiz deve ser garantidor de direitos, mas a imparcialidade só será alcançada se o julgador estiver afastado do processo de produção de provas. Ele afirmou que o TJ-RJ está pronto para implementar a modificação, aguardando apenas a decisão do STF nas ADIs sobre o tema.

Supervalorização

O promotor de Justiça Rogério Sanches Cunha, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), considera que o Brasil não precisa do juiz das garantias, mas do estrito respeito ao sistema acusatório. Segundo ele, o sistema instituído pelo Pacote Anticrime supervaloriza o juiz que atua na fase instrutória e desvaloriza o responsável pela condução da ação penal.

Divisão da atuação

Para Mauro Fonseca Andrade, representante da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), o instituto é inconstitucional. Ele sustentou que os critérios para a configuração da imparcialidade no processo penal, no civil e no trabalhista são iguais, mas a divisão da atuação ocorre apenas na área criminal.

Mistura de funções

A subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, que falou pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), considera que o modelo instituído pelo Pacote Anticrime é inconstitucional porque mistura as funções do juiz das garantias com as do juiz de instrução, que não existe no sistema processual penal do Brasil. Em relação aos acordos de não persecução, ela os considera imprescindíveis, porque liberam recursos materiais e financeiros para investigações mais importantes. Pondera, no entanto, que os recursos contra as decisões sobre a celebração devem ocorrer apenas no âmbito do MP.

Proteção deficiente

Pelo Departamento de Polícia Federal, o delegado Márcio Alberto Gomes Silva afirmou que o acordo de não persecução penal é inconstitucional e, entre outros pontos, mitiga o direito da não autoincriminação. Ele considera que a medida pode se traduzir em proteção deficiente para a sociedade, porque um participante do baixo escalão de uma grande organização criminosa pode fazer acordo e impedir a incriminação dos líderes.

Duração do processo

O promotor de Justiça Breno Rangel Nunes da Costa, que falou pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), defendeu a necessidade de estudar melhor os impactos do juiz das garantias sobre o sistema processual criminal. Segundo ele, os juízes terão a carga de trabalho aumentada, o que, ao menos no Ceará, aumentará, também, a duração do processo.

Avanço da democracia

Para Fábio Simantob Tofic, do Grupo Prerrogativas, o instituto é um avanço civilizatório em um sistema penal com bases no século XIX, que quer punição e prisão a qualquer custo. Representando a mesma entidade, Priscila Pamela afirmou que o processo criminal garantidor é um avanço da democracia.

Diminuição de recursos

O representante do Instituto de Proteção das Garantias Individuais, Marcos Vidigal de Freitas Crissiuma, afirmou que o juiz das garantias trará maior eficácia ao processo penal brasileiro e pode diminuir o número de recursos aos tribunais superiores. Ele é contrário à possibilidade de arquivamento interno de procedimentos investigatórios pelo Ministério Público, pois considera necessário o controle judicial.

Confissão obrigatória

Pela Associação Nacional dos Prefeitos e Vice-Prefeitos da República Federativa do Brasil (ANPV), Alessandra Martins Gonçalves Jirardi, afirmou que a confissão obrigatória, exigida para firmar um acordo de não persecução penal, representa a renúncia a um direito inalienável e equivale a uma coação.

Cargos vagos

Alberto Pavie Ribeiro, que falou em nome da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), sustentou que a implementação do modelo de juiz das garantias não é factível no cenário atual do judiciário brasileiro. Ele destacou que há quatro mil cargos de juiz vagos, o que inviabiliza a instituição do sistema em todo o país.

Com informações do site do STF.