Djalma Pinto – Advogado especialista em Direito Eleitoral e autor de diversos livros, entre os quais, Ética na Política e Distorções no Poder. Foto: Blog do Edison Silva.

O Brasil, há muito tempo, sonha com uma reforma política milagrosa que transforme os representantes do povo em intransigentes defensores do bem comum. É necessário, porém, esclarecer que a lei não tem esse poder miraculoso de transformar agentes políticos, com DNA impregnado de fisiologismo, em intrépidos defensores da supremacia do interesse público, no exercício das respectivas funções. Somos um país pobre, desigual, violento e injusto porque não conseguimos concretizar, até este momento, o grande objetivo da educação, expressamente destacado no art. 205 da Constituição, de garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Preparar para o exercício da cidadania não é apenas qualificar o indivíduo para reivindicar direitos, é igualmente capacitá-lo para compreender que exercer o poder, em nome do povo, significa proibição de atuar na defesa dos próprios interesses. Consiste em  compreender que, entre os objetivos fundamentais da República, está a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, propósitos estes enfatizados no art. 3º, III, da Carta Magna. Significa, enfim, impregnar, na alma de cada pessoa que ocupa cargo público, o respeito inflexível aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.

A reforma eleitoral aprovada não se preocupou em aprimorar a governança na esfera estatal, nem em garantir mais lisura, igualdade e transparência à disputa por mandato eletivo. A recentíssima Emenda Constitucional nº 111/2021 trouxe, é certo, como inovação, a possibilidade de consultas populares sobre questões locais nas eleições municipais. Os temas dessas consultas, porém, precisam ter a aprovação da respectiva Câmara Municipal para, só então, serem encaminhados à Justiça Eleitoral, até 90 dias antes das eleições.

Além das hipóteses autorizativas, previstas na Lei nº 9096/95 para a saída do partido, a saber, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal e  saída do partido efetuada durante o período de trinta dias, que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição ao término do mandato vigente, permitiu-se, via emenda constitucional, o abandono da legenda no caso de anuência da agremiação pela qual foi o parlamentar eleito.

Também como inovação, ao ensejo de estimular a participação de candidatos negros e de mulheres, os votos dados a essas candidaturas eleitas para a Câmara dos Deputados, nas eleições de 2022 a 2030, serão contados em dobro para fins de distribuição do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Essa contagem em dobro de votos é aplicada uma única vez.

A redução, de um milhão para cem mil, no número de assinaturas necessárias para a tramitação de projeto de lei de iniciativa popular não se tornou realidade, mantendo-se, assim, a dificuldade para o soberano do poder, o povo, interferir, efetivamente, na formulação das normas que regulam a vida em sociedade.

Por outro lado, a Lei nº 14.208/2021 trouxe inovação no cenário político ao permitir a criação da “federação de partidos”, com registro do programa e do estatuto no TSE. Essa união pode ser formada por duas ou mais agremiações para atuar nas eleições como se fosse um único partido. Os partidos integrantes da federação devem nela se manter pelo período mínimo de 4 anos. No caso de desligamento antes desse período, a agremiação fica proibida de ingressar em federação nas duas eleições seguintes. A federação deve ter abrangência nacional, podendo ser constituída até a data limite para a realização das convenções partidária. Trata-se, na verdade, de uma coligação mais abrangente, com prazo mínimo de duração, e verticalizada em virtude do seu caráter nacional. Nas eleições proporcionais, porém, a celebração de coligação é proibida pela Constituição (art. 17, § 1º).

Como se vê, em nada mudará a atuação e a imagem da  representação política na sociedade. O grande desafio a ser superado no Brasil reside mesmo na falta de educação para o exercício do poder. Afinal, a educação, com ênfase nos valores, é a única forma para impedir que o Estado seja visto apenas como fonte de extração de benesses pessoais por grande parte daqueles que atuam em seu nome.

Advogado e autor de diversos livros, entre os quais, Ética na Política e Distorções no Poder.