Djalma Pinto é advogado e autor de diversos livros, entre os quais Ética na Política e Distorções do Poder. Foto ALECE.

Esses dois temas exigem maior reflexão da sociedade contemporânea. Qual o conceito de um profissional, de qualquer área do mercado,  que ainda utiliza um telefone celular fabricado em 2002? Provocaria ou não espanto por não haver acompanhado a evolução permanente da tecnologia?

Em 2002, os representantes do povo aprovaram a Lei nº 10.408, determinando que a urna eletrônica dispusesse de mecanismo que permitisse a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, em local previamente lacrado, após conferência do eleitor. Essa providência, porém, não foi adotada.

Em 2009, o Congresso aprovou a Lei nº 12.034, exigindo para as eleições de 2014: “voto impresso conferido pelo eleitor, garantindo o total sigilo”. Essa norma, entretanto, foi declarada inconstitucional pelo STF. Em seu voto, a Relatora da ADI nº 4543, Ministra Carmen Lúcia, escreveu: “8. No direito constitucional brasileiro o voto é secreto (art. 14 da Constituição). E o segredo do voto constitui conquista destinada a garantir a inviolabilidade do querer democrático do eleitor e a intangibilidade do seu direito por qualquer forma de pressão.”

Os representantes do povo, em 2015, voltaram, com ênfase, a exigir a visualização do voto por cada eleitor. Dessa vez, foram até mais longe. Na condição de delegados do titular da soberania popular, chegaram, inclusive, a derrubar o veto da Presidente Dilma Rouseff e promulgar a Lei nº 13.165/2015. Em 06/06/2018, o STF, por maioria, deferiu liminar na ADI nº 6.889, suspendendo a vigência dessa lei. Em setembro de 2020, essa liminar foi ratificada por unanimidade, sob o fundamento de que a impressão do voto violaria o seu segredo.

Como reação legislativa à resistência do STF, passou a tramitar na Câmara a Emenda Constitucional nº 135, reafirmando a obrigatoriedade da impressão do voto. A bem da verdade, não havia necessidade de emenda constitucional. Afinal, se houvesse quebra de sigilo com a impressão do voto, sequer a Constituição poderia ser modificada para a sua implantação. No dia 10 de agosto de 2021, o Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou a referida PEC por 229 votos favoráveis e 218 contrários. A matéria foi arquivada por não alcançar o mínimo de 308 votos, ou seja, aprovação por 3/5 dos deputados, como exige o texto constitucional. Um fato incontroverso resultou dessa votação: a maioria dos representantes do povo, mais uma vez, na Câmara Federal, reafirmou a exigência da impressão do voto para maior transparência no certame eletivo. Dito de outra forma, como não era o caso de necessidade de emenda constitucional, a matéria teria sido aprovada caso tivesse a correta natureza de lei ordinária.

O ponto central da questão é que a impressão do voto ou, na prática, a sua simples visualização pelo próprio eleitor no ato de votação, não compromete o sigilo, que é direito fundamental inexpugnável. Não passa de fake news a afirmação de que o eleitor sairia com o seu voto da cabine de votação. Sequer haveria o contato físico com a cédula. Se houvesse comprometimento do sigilo, reitere-se, a sua impressão não poderia sequer ser objeto de emenda constitucional por expressa vedação imposta pelo art. 60, § 4º, II da Constituição, que considera cláusula pétrea o segredo do voto. Assim como as novas tecnologias aperfeiçoam o processo de produção, nos diversos segmentos da sociedade, impactados pela constante transformação digital, não se justifica deixar o processo eleitoral fora dessa evolução.

Noutro enfoque, em relação às pesquisas eleitorais, o STF, na ADI nº 3-741-2, considerou inconstitucional a proibição de sua divulgação prevista no art. 35-A, da Lei nº 9504/97, por violar a liberdade de expressão. Nesse mesmo julgado, porém, ressalvou a Suprema Corte o direito à indenização aos prejudicados que sofrerem dano moral ou material, em decorrência do exercício do direito à livre informação.

Nesse passo, não é possível proibir a divulgação de pesquisa, na véspera ou no dia do pleito, como cogita o projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados. Aos prejudicados com a divulgação de pesquisas erradas, cabe, porém, o direito à indenização, independentemente de culpa do pesquisador, com respaldo no art. 927 do Código Civil. É que não existe direito absoluto. Por isso quem, no exercício de sua atividade profissional, causa dano a terceiro tem o dever de repará-lo. Logo, pesquisas erradas, fora da sua margem de erro, sem explicação efetivamente convincente sobre as causas da inexatidão, acarretam para os seus realizadores o dever de reparar os danos aos candidatos prejudicados.

A justificativa de que o eleitor muda de voto, até na hora da votação, é inconsistente porque, sabendo dessa imprevisibilidade, a ciência instituiu a margem de erro em cuja oscilação, para mais ou para menos, a pesquisa é tida como correta. A normalidade do processo eleitoral tem sido contaminada por pesquisas, registradas na Justiça Eleitoral, mas flagrantemente erradas, divulgadas na véspera do pleito, que interferem no resultado da disputa. A obrigação de indenizar, nesses casos, tem como consequência imediata a utilização de maior empenho e rigor científico pelos institutos de pesquisa, na sua realização, garantindo-se com isso a preservação da lisura, seriedade e transparência na disputa pelo poder político.

*O autor é advogado e autor de diversos livros, entre os quais Ética na Política e Distorções do Poder.