A votação foi polêmica, com diversos deputados manifestando-se contrariamente, mas governo teve maioria. Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da chamada PEC dos Precatórios.

Foram 32 votos favoráveis e 26 contrários ao texto do Poder Executivo que muda o pagamento de precatórios, que são dívidas do governo com credores que ganharam causas na Justiça, inclusive cidadãos.

O único deputado cearense membro na Comissão, José Guimarães (PT), votou contra.

Pela proposta, até 2029, os precatórios com valor acima de 60 mil salários mínimos, ou R$ 66 milhões, poderão ser quitados com entrada de 15% e nove parcelas anuais.

A análise na CCJ ficou restrita aos aspectos constitucionais, jurídicos e de técnica legislativa da matéria.

Agora, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), poderá constituir uma Comissão Especial para analisar o mérito da medida.

Para a aprovação definitiva de uma PEC, são necessários pelo menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos.

A votação na CCJ foi polêmica, com diversos deputados manifestando-se contrariamente à proposta, a qual chamam de “PEC do calote”. Houve também tentativas, rejeitadas, de retirar o item da pauta do colegiado ou mesmo de adiar a votação.

“É uma matéria complexa e eivada da má intenção do governo, que mais uma vez quebra a Constituição e agora ataca a coisa julgada. Porque precatório é coisa julgada, é decisão tomada. O Poder Judiciário toma a decisão de que há uma dívida e o Legislativo vai autorizar que o governo não cumpra aquilo que foi determinado. O governo vai legalizar um calote”, afirmou a deputada Maria do Rosário (PT/RS).

Ela acrescentou que muitos precatórios se referem a dívidas do governo para com a educação pública no Brasil, inclusive salários de professores.

Já o deputado Alessandro Molon (PSB/RJ) disse que a PEC permite ao governo decidir unilateralmente sem consultar o credor. Segundo ele, o que o governo quer é uma autorização do Congresso Nacional para descumprir obrigações e colocar o dinheiro em outras despesas que contam em época eleitoral.

“O problema com esse calote não é apenas a injustiça com quem tem direito a receber o dinheiro. É também a péssima imagem que o governo passa, a de que o Brasil não cumpre seus compromissos, que é um mau pagador”, avaliou Molon.

Defesa

O relator da PEC dos Precatórios, deputado Darci de Matos (PSD/SC), voltou a defender a constitucionalidade da proposta, que não ofenderia a forma federativa de Estado nem a separação de Poderes ou os direitos e garantias individuais.

Ainda segundo Matos, a narrativa de que o parcelamento é um calote não procede. Ele lembrou novamente que o parcelamento proposto já é previsto na Constituição de 1988 e destacou que pequenos precatórios não serão parcelados.

“Não estamos criando mecanismo novo. Estamos calibrando o que já existe na Constituição. O artigo 100, parágrafo 20, diz que precatórios com valor acima de 15% do montante total de precatórios podem ser parcelados”, explicou.

O relator também repetiu o argumento do governo de que a PEC é necessária porque, em 2022, o montante em precatórios deverá alcançar R$ 89,1 bilhões – um acréscimo de R$ 34,4 bilhões em relação a 2021. Esse valor, conforme a argumentação, poderá comprometer os demais gastos do Executivo. O Ministério da Economia avaliou que, se a PEC for aprovada ainda neste ano, poderão ser parcelados 47 precatórios, gerando economia de R$ 22,7 bilhões no próximo ano.

Judicialização

O deputado Rui Falcão (PT/SP) disse que a PEC dos Precatórios violaria princípios constitucionais, como a separação dos Poderes e o direito de propriedade. “É de prever que haverá judicialização em massa. Não só pelos prejudicados, mas por entidades da sociedade. A OAB imagino que não vá se contentar com a aprovação da PEC nestes termos.”

Na opinião do deputado Kim Kataguiri (DEM/SP), o governo vai, sim, dar calote e deixar a decisão para o Supremo Tribunal Federal (STF), que “já julgou duas vezes e determinou duas vezes a inconstitucionalidade do parcelamento de precatórios”.

Gestão

Por outro lado, o deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos/AM) disse que é preciso responsabilidade para administrar os recursos que pertencem ao contribuinte. “Aqui a gente não está querendo dar calote, é apenas parcelamento para uma boa gestão.”

O deputado Lucas Redecker (PSDB/RS) disse que o precatório sai do mesmo bolo que saem os recursos para saúde, educação e infraestrutura. Em sua avaliação, se não houver parcelamento, haverá dificuldades para outros gastos importantes. “Temos que rever as circunstâncias dos precatórios para voltar a ter investimentos, principalmente após a pandemia.”

Votação na quinta-feira

Os parlamentares contrários à PEC criticaram ainda a marcação da reunião para uma tarde de uma quinta-feira, quando a prática na CCJ às quintas é de realizar reuniões pela manhã para votar itens de consenso. “Com esta definição, a gente acaba aqui desfazendo uma regra”, criticou a deputada Maria do Rosário.

A presidente da CCJ, deputada Bia Kicis (PSL/DF), respondeu que, por acordo, a pauta de quinta é preferencialmente consensual, mas a critério da presidência do colegiado pode-se votar uma matéria entendida como importante. “O nosso presidente Arthur Lira tem me cobrado pautar, levar a cabo essa PEC. Ele quer montar a comissão especial, ele entende que é necessário”, explicou.

Fonte: site ConJur.