Professor Filomeno Moraes é Cientista Político. Doutor em Direito (USP). Livre-Docente em Ciência Política (UECE). Pós-Doutor pela Universidade de Valência (Espanha). Foto: Ares Soares.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal promulgaram, ontem, a Emenda Constitucional nº 111, que altera a Constituição Federal para disciplinar a realização de consultas populares concomitantes às eleições municipais, dispor sobre o instituto da fidelidade partidária, alterar a data da posse de governadores e do presidente da República e estabelecer regras transitórias para a distribuição entre os partidos políticos dos recursos dos fundos partidário e eleitoral e para o funcionamento dos partidos políticos.
Embora encerre aspectos que podem ser importantes para a evolução do sistema político, a EC nº 111/2021 talvez até diga mais pelo que evitou do que pelo estatuiu. É que, no Senado Federal, foi crestada a alopração – aprovada na Câmara dos Deputados – da volta das coligações em eleições proporcionais, mecanismo que tanto prejuízo acarretou à vida política nacional, ao contribuir para que o país tenha o sistema partidário mais fragmentado do mundo. De fato, a minirreforma política de 2017 extinguiu a possibilidade de coligações partidárias em eleições proporcionais, fazendo com que as eleições para vereadores do ano passado já se realizassem sem coligações. Todavia, a experimentação no que diz respeito às eleições de deputados federais correu o risco do abortamento, com o furor mudancista da presidência do deputado Arthur Lira, no que diz respeito ao sistema eleitoral.
Como bem argumentou no seu parecer a relatora da matéria no Senado Federal, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a volta das coligações nas eleições provocaria ou agravaria: 1. a distorção do sistema proporcional, pois a coligação distorce “sistematicamente” a proporcionalidade dos representantes no Poder Legislativo, “uma vez que partidos menores, coligados, podem, mediante concentração de votos, eleger deputados com auxílio dos votos conferidos aos partidos maiores”; 2. a fragmentação partidária, ao permitir a eleição de parlamentares que não seriam eleitos sem a coligação, ocasionando a proliferação dos partidos; 3. a deturpação da intenção do eleitor, pois a coligação permite que votos dados a um partido de uma posição no espectro político-ideológico sejam aproveitados por outro partido, a ele coligado, posto em posição antagônica no mesmo espectro político-ideológico.
Do que foi aprovado, dois aspectos parecem de muita relevância. De uma parte, o que atribui “peso dois” aos votos dados a mulheres e negros nas eleições para a Câmara dos Deputados, a ser utilizado para o cálculo de distribuição dos fundos partidário e eleitoral, no horizonte que vai de 2022 até 2030; de outra, o que trata dos plebiscitos no nível dos municípios.
Pelas regras atuais, servem como base, para a divisão de recursos dos fundos partidário e eleitoral, os votos recebidos pelos partidos nas eleições para a Câmara dos Deputados, possibilitando, assim, que legendas com melhor desempenho eleitoral recebem mais verbas. Pelo contido na EC nº 111/2021, entre 2022 e 2030, a ação afirmativa da computação em dobro dos votos em mulheres e negros com certeza permitirá – o que não dispensa cuidados e cautelas – que se diminua o déficit gritante de representação na Câmara dos Deputados dessas mesmas mulheres e dessas mesmas pessoas negras.
O outro aspecto a ser ressaltado é o que diz respeito aos plebiscitos municipais. Pela nova normatividade, com as eleições municipais, serão realizadas também consultas populares sobre questões locais, aprovadas pelas Câmaras de Vereadores e encaminhadas à Justiça Eleitoral até noventa dias antes da data das eleições.
A promulgação da EC nº 111/2021 dá algum alívio no ímpeto destruidor que, ciclicamente, ameaça as instituições medulares da vida republicana brasileira, entre as quais o proporcionalismo. Consagrado pelo Código Eleitoral da Revolução de 30, que não por acaso tinha entre as suas utopias a da “justiça e representação”, o sistema proporcional tem acompanhado, nas suas marchas e contramarcas, o desenrolar da poliarquia brasileira, dele conhecendo-se bem as virtudes e as misérias e, por conseguinte, o que deve ser mudado e o que deve ser mantido. O certo é que se evitou pela segunda vez, em cinco anos, o tal “distritão” e evitaram-se as coligações em eleições proporcionais.
A EC nº 111/2021 também poderá contribuir para que se efetive em alguma medida a proclamação constitucional originária, segundo a qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Como complementaridade à representação política, a participação direta do eleitorado nas questões locais é potencialmente oxigenadora na tão distante e problemática relação entre os representantes e os representados na poliarquia brasileira.
O resto é colocar em prática as novidades constitucionais.

Filomeno Moraes
Cientista Político. Doutor em Direito (USP). Livre-Docente em Ciência Política (UECE). Pós-Doutor pela Universidade de Valência (Espanha).