Ministro da Economia, Paulo Guedes, em sessão de debates temáticos no Senado. Foto: Reprodução.

Todos os anos, a União desembolsa bilhões de reais no pagamento de precatórios – dívidas de condenações judiciais que transitaram em julgado. O governo alegou que o volume de precatórios cresceu muito além da expectativa – R$ 89,1 bilhões, ante R$ 54,4 bilhões este ano.

Como a despesa com precatórios faz parte do Orçamento, está dentro do teto de gastos (a Emenda Constitucional 95, de 2016) e é obrigatória, ela pressiona o teto, podendo levar a cortes em outras áreas.

Atualmente, a Constituição permite parcelar o pagamento de precatórios apenas quando o valor é maior que 15% do total anual a ser pago. Ao ampliar a possibilidade de parcelamento para outros precatórios (acima de R$ 66 milhões), em dez anos, com a criação de um fundo, a chamada PEC dos Precatórios (PEC 23/2021) busca aliviar a pressão sobre o teto.

Isso liberaria “espaço fiscal” para bancar o Auxílio Brasil, programa social que pretende ser uma versão ampliada do Bolsa Família. Foi o que explicou o ministro da Economia, Paulo Guedes, em sessão de debates temáticos no Senado, na sexta-feira (20), sobre a Reforma Tributária:

“Eu tinha que escolher: ou propunha uma PEC do Precatório, ou proponho acabar com o teto. Entre a responsabilidade fiscal de um lado e parcelar o precatório de outro lado, eu prefiro reafirmar o nosso compromisso com as futuras gerações. Nós temos que fazer a nossa parte”, disse.

Os críticos da proposta, porém, enxergam nela “pedalada fiscal” ou “contabilidade criativa” – expressões nascidas no governo Dilma Rousseff, que sofreu impeachment em 2016, em razão de manobras fiscais, consideradas na época crime de responsabilidade.

Solução negociada

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), disse acreditar que, apesar das reações negativas à proposta, é possível encontrar uma solução negociada com o Legislativo: “Esse debate será aprofundado nos próximos dias. O que precisamos é avançar com a PEC dos Precatórios o mais rápido possível e encontrar um denominador comum num prazo de trinta dias”, escreveu o senador no Twitter.

A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal publicou, no início de agosto, dois comentários com críticas à proposta. Para Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, o governo não tinha como ser pego de surpresa, pois a Advocacia-Geral da União (AGU) monitora o tempo todo as ações contra a administração, indicando com antecedência os riscos de geração de precatórios. Ao mexer na regra no meio do jogo, o governo estaria jogando por terra a credibilidade do teto de gastos, levando o mercado a reagir negativamente e piorando, em vez de melhorar, a situação das contas públicas:

“O governo deixou a situação chegar a um quadro em que usa isso como pressão – ‘o meteoro cai na cabeça’, como diz o ministro Guedes – quando na verdade poderia ter feito uma gestão melhor desses precatórios. Está mudando o teto de gastos na iminência de rompê-lo. É por isso que os juros futuros já estão subindo, e a Selic (taxa de juros básica fixada pelo Banco Central) também. Então essa contabilidade criativa, ainda que constitucionalizada, caso o Congresso aprove desta forma, vai afetar o custo da dívida, e o espaço fiscal a ser gerado vai ser comido pela despesa com juros e pela alta da dívida pública”, explicou Salto.

A IFI também estima que o espaço fiscal criado será bem menor que o previsto pelo governo – cerca de R$ 17,4 bilhões, contra R$ 33,5 bilhões anunciados pelo governo na exposição de motivos da PEC.

Para Henrique Pinto, consultor legislativo do Senado Federal, a proposta pode gerar risco de judicialização (credores prejudicados podem entrar com ações questionando o parcelamento), mas é uma tentativa de evitar uma crise que poderia ser ainda maior:

“O custo fiscal dessas decisões, previsto para 2022, apresenta potencial para colapsar a máquina pública, diante do esvaziamento quase que completo dos recursos discricionários. Com essas medidas, o governo visa a compatibilizar as referidas despesas com o teto de gastos.

Em audiência pública da Comissão Mista de Orçamento (CMO),  na última quarta-feira (18), Bruno Funchal, Secretário Especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, reconheceu a importância da credibilidade do Brasil junto ao mercado financeiro e às agências internacionais de classificação do chamado “risco-país”. Mas disse acreditar que compatibilizar o crescimento dos precatórios com o teto de gastos, a longo prazo, é melhor para a imagem da economia brasileira:

“A insegurança faz aumentar juros, e aumentar juros faz diminuir o investimento e impacta na Selic. Se não lidarmos bem com esse problema, vai ser muito pior. Aumenta-se o prêmio de risco, a economia vai sofrer e vai haver piora na projeção: o PIB vai ser revisado para baixo”, afirmou Funchal.

O que são precatórios

“Precatório” é o nome dado ao reconhecimento de dividas da União, de Estados e Municípios, frutos de condenação judicial definitiva. Em outras palavras, quando a administração pública é obrigada pela Justiça a fazer um pagamento a uma pessoa física ou jurídica, é expedida uma requisição de pagamento, chamada de precatório.

Os precatórios apresentados até o dia 1º de julho de um ano são incluídos na Proposta de Lei Orçamentária (PLO) do ano seguinte. Eles são organizados em listas por ordem cronológica (o credor mais antigo recebe primeiro), mas a lei prevê algumas prioridades – por exemplo, idosos, pessoas com doenças graves ou deficiência. Também têm precedência os precatórios ditos “de natureza alimentar”, oriundos de ações judiciais relacionadas a salários, pensões, aposentadorias ou indenizações (devido ao entendimento de que o credor desse tipo de precatório terá maior necessidade do depósito).

Quando o valor previsto na sentença é de 60 salários mínimos ou menos, a dívida não é considerada um precatório, e sim uma Requisição de Pequeno Valor (RPV), e o depósito judicial deve ser efetuado até o dia 15 do mês seguinte à autuação pela Justiça Federal. As RPVs não são afetadas pela PEC, pois seriam parcelados apenas os precatórios superiores a mil RPVs.

Fonte: Agência Senado.