Augusto Aras defende constitucionalidade de artigos do Código Civil questionados. Foto: Leonardo Prado/Secom/MPF.

A liberdade de expressão é um valor especialmente protegido pela Constituição, em razão da sua importância, mas não é absoluto, podendo ser restringida para proteção de outros valores e garantias constitucionais, como o direito à privacidade.

Com esse entendimento o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer contrário à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.792/DF, proposta pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

O objetivo da ação é dar nova interpretação aos arts. 186 e 927, caput e parágrafo único, e aos artigos 53, 79 a 81; 835, caput e § 1º, do Código de Processo Civil, para que, em caso de processos por danos a terceiros, jornalistas ou órgãos de imprensa sejam punidos apenas se ficar comprovado dolo grave, além de garantir a eles indenização por danos morais e materiais em casos de ajuizamento múltiplo de ações ou “assédio judicial”, entre outros pedidos.

Para o PGR, a Constituição e as leis vigentes – que asseguram a liberdade de expressão, vedada a censura prévia e o anonimato, com responsabilização em caso de abuso – já protegem a sociedade como um todo, inclusive os jornalistas, com dispositivos prevendo a lealdade e a boa-fé processuais e punindo a litigância de má-fé.

Segundo Augusto Aras, a interpretação pretendida pela ABI não tem amparo constitucional e, se deferida, pode gerar situação de insegurança jurídica.

No parecer, Aras fala sobre a importância da liberdade de expressão e de informação para uma sociedade democrática e para a garantia de liberdades coletivas e individuais. “Meios de comunicação social exercem, na sociedade contemporânea, relevantes atribuições, relacionadas seja ao controle social sobre a atuação de governantes e de outros agentes munidos de poder social, viabilizando o devido combate aos abusos, por meio da exposição à crítica pública, seja à divulgação de informações e de diversificadas perspectivas a respeitos dos fatos, formadoras da chamada opinião pública, essenciais a que os indivíduos adotem decisões mais conscientes sobre temas públicos ou privados”, afirma.

Para o PGR, a restrição de que jornalistas e veículos sejam responsabilizados somente se ficar comprovado dolo ou culpa grave não se justifica. “Expurgar do ordenamento jurídico interpretação segundo a qual a caracterização de culpa leve não justifique condenação de jornalistas e órgãos de imprensa por responsabilidade civil tem o potencial de gerar situações de insegurança jurídica, devido ao constante estado de ameaça à intimidade e dignidade das pessoas”, afirma. Aras lembra que, no cenário atual, “em que se proliferam os danos causados por fake news, não se pode abrir mão de formas de controle constitucionalmente legítimas, em garantia de que a atuação dos meios de comunicação se paute pela prudente diligência e sobretudo pela boa-fé”.

Augusto Aras também afirma que não há ilegitimidade no bloqueio de contas correntes ou na penhora de dinheiro de pessoas alvo de processos, sejam eles jornalistas, órgãos de imprensa ou qualquer outro cidadão. Ele lembra que a lei exige que o bloqueio respeite o princípio constitucional do devido processo legal, a função social da empresa, a dignidade humana e os princípios informadores da execução, entre eles, a proporcionalidade, a razoabilidade e a menor onerosidade, que devem ser analisados caso a caso.

Assédio judicial

Para o PGR, a verificação da existência de um padrão de ajuizamento de repetidos processos sem embasamento sólido e com potencialidade de sucesso é forte indicador de abuso do direito de ação. No entanto, esse tipo de situação já é passível de punição, conforme previsto nos arts. 79 a 81 do Código de Processo Civil, que tratam da litigância de má-fé, e também pelos mecanismos ordinários de responsabilização individual ou coletiva disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro.

Para Augusto Aras, a prática de assédio judicial com o objetivo de cercear a imprensa ou intimidar jornalistas deve ser apurada e combatida, mas dentro do ordenamento já existente, com a apreciação dos fatos e das provas pelo Juízo competente, “em observância ao devido processo legal e à ampla defesa, procedimento que não pode ser suprido pela simples fixação de teses em sede de jurisdição constitucional”.

ADPF 826

Em outra manifestação enviada ao STF, o procurador-geral manifestou-se pelo não conhecimento da ação por descumprimento de preceito fundamental proposta pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) por falta de legitimidade da entidade. Nesse caso, a ABI questiona artigos dos códigos Penal, Eleitoral e Militar no que dizem respeito à responsabilização de jornalistas pela prática de crimes contra a honra.

De acordo com o PGR, embora a requerente tenha defendido que as práticas questionadas causem prejuízos aos meios de comunicação, “a jurisprudência do STF firmou-se pela ilegitimidade ativa ad causam da entidade de classe de âmbito nacional, que, congregando apenas parcela da categoria econômica ou funcional, extrapole o seu campo de representação para impugnar, em controle concentrado, ato normativo que diga respeito a categorias mais amplas”.

No documento, Aras lembra ainda que a circunstância de jornalistas poderem ser injustamente investigados ou processados com fundamento nos referidos dispositivos é insuficiente para legitimar a atuação da ABI no polo ativo dessa ADPF. Frisa ainda que “eventual julgamento de procedência dos pedidos atingiria não somente a categoria por ela representada, mas qualquer pessoa física, que pode figurar como sujeito ativo ou passivo dos mencionados tipos penais”.

Fonte: site do MPF.