Sede do TST em Brasília. Foto: Divulgação.

Após a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, em novembro de 2017, vem caindo o número de novas ações judiciais que mencionam a ocorrência de assédio sexual no ambiente de trabalho. Em 2015, foram propostas 7.648 reclamações relatando o assunto. Em 2016 e 2017, 5.465 e 5.161, respectivamente. Em 2018, o número caiu cerca de 68,9% em relação a 2015, chegando a 2.379 casos. Em 2019 e 2020, foram 2.805 e 2.455 novas menções a assédio sexual, respectivamente.

Os dados são da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do Tribunal Superior do Trabalho e incluem os seis primeiros meses de 2021, período em que as novas ações contendo o assunto chegam a 1.477, um aumento de 21,5% em relação ao mesmo período de 2020 (1.215 casos); de 7,7% em comparação ao primeiro semestre de 2019 (1.371 ocorrências); e de 28% ante os seis primeiros meses de 2018 (1.151 casos). Segundo especialistas, a principal hipótese para a alta semestral é o retorno gradativo ao trabalho presencial.

Apesar desse aumento no primeiro semestre de 2021, o número ainda está bastante abaixo dos detectados nos primeiros seis meses dos anos pré-reforma trabalhista: 3.780 em 2015, 2.947 em 2016 e 2.694 em 2017.

Para a advogada trabalhista e especialista em direito das mulheres. Tainã Goes, a reforma de 2017 é um dos elementos que contribuíram para a queda na série histórica.

“A reforma criou um problema muito grande para o debate do assédio sexual nas ações trabalhistas. Esse tipo de demanda é de direito extrapatrimonial, que demanda produção de provas no decorrer do processo. Em geral, é uma prova oral e às vezes documental, mas que são subjetivas e dependem da avaliação do juiz. É um tipo de processo difícil”, explica.

Segundo ela, a redução da possibilidade de justiça gratuita e a chance de o reclamante, se sucumbente, ter de pagar os honorários advocatícios — duas das alterações processuais promovidas pela reforma — são fatores que explicam o refluxo

Apesar disso, Tainã acredita que as mulheres têm denunciado mais a partir da percepção de que a culpa do assédio não é delas, mas do assediador. “Tivemos recentemente uma redução trabalho presencial em 2020 que resultou no boom de violência doméstica. A violência que acontecia no trabalho transitou para casa. Com o retorno gradativo do trabalho presencial, podemos ver o aumento dos processos”, explica.

Tainã cita um estudo da Organização Internacional do Trabalho segundo o qual 52% das mulheres alegam já ter sofrido algum tipo de assédio no ambiente de trabalho. “A falta de um dispositivo específico na CLT sobre assédio sexual é muito mais um reflexo de um problema muito maior. Desde 1917, uma das demandas principais das trabalhadoras era a questão do respeito no ambiente do trabalho. Hoje em dia, a jurisprudência se utiliza do artigo 216-A e o reconhece como violência patrimonial. Mas a falta de um dispositivo na CLT é um sintoma e já que estão reformando tanto não custava colocar expressamente o assédio como um problema estrutural”, argumenta.

Materialidade
A especialista discorda da corrente que afirma que existe uma indústria do dano moral no país e que os trabalhadores entram na Justiça imbuídos da chamada estratégia “vai que cola”. “A realidade é que muitos trabalhadores têm medo, sobretudo mulheres que atuam em funções mais precárias. Isso gera medo no trabalhador e diminui o interesse da advocacia de ingressar com processos que podem não ganhar e arcar com o ônus do processo”, diz.

Provar uma denúncia de assédio ainda é um tema complexo. O assédio, na maioria dos casos, ocorre de maneira privada ou em locais onde estão apenas vítima e agressor. Muitas vezes sem testemunha e sem prova documental. “Isso gera uma dificuldade muito grande para um Judiciário que não está preparado para lidar com o tema. Não se trata apenas da Justiça do Trabalho, mas do Poder Judiciário como um todo”. Se por um lado a reforma trabalhista desestimula que acusações infundadas contra empregadores — sobre quaisquer violações à CLT — sejam levadas a juízo, também gera o efeito de que fatos graves e de difícil comprovação não venham à tona. A questão probatória, então, torna-se ainda mais relevante.

Atualmente, o entendimento consolidado na Justiça penal é que a palavra da vítima de assédio sexual tem grande valor como prova, o que tem sido aplicado paulatinamente na Justiça do Trabalho. Em decisão de fevereiro deste ano, a 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve dispensa por justa causa de um homem acusado de assediar sua colega no ambiente de trabalho.

Na decisão, o relator, juiz convocado Marcos Neves Fava, afirmou ainda que há uma cultura machista que causa a prática reiterada do assédio contra a mulher e ainda põe a culpa na vítima. Esse, segundo juiz, era o caso do processo analisado. Além disso, considerou que a sindicância interna comprovou que a vítima noticiou os fatos assim que ocorreram e abandonou seu turno no meio do expediente.

Em caso mais recente, a 2ª Vara do Trabalho de Toledo (PR) confirmou a condenação de uma empresa ao pagamento de R$ 30 mil por danos morais a ex-funcionária assediada sexualmente por um gerente.

A autora da ação narrou que sofreu assédio sexual no ambiente de trabalho. O gerente a teria abraçado e beijado, além de passar a mão no rosto, no cabelo e nas costas da trabalhadora, sem o consentimento dela. Ela então pleiteou a indenização por danos morais.

A juíza Gabriela Macedo Outeiro, diante da análise de precedentes do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, observou que é difícil encontrar em casos de assédio sexual provas cabais e oculares. A julgadora entendeu que a palavra da vítima merece credibilidade, especialmente porque os elementos que a circundam reforçam a conclusão de que houve assédio sexual no ambiente de trabalho. Ela citou depoimento de outra funcionária confirmando que o gerente acusado de assédio costumava fazer comentários desagradáveis e, no dia dos fatos, o viu passando a mão no cabelo e na perna da autora, sem sua autorização.

“Assim, como o comportamento do funcionário caracteriza a hipótese de assédio sexual por intimidação, o que configura ilícito civil, o empregador é responsável pela reparação, de acordo com os artigos 932, III, e 933 do Código Civil e Súmula 341 do STF”, pontuou a magistrada.

Responsabilidade objetiva
A responsabilidade do empregador em promover um ambiente de trabalho livre de assédio tem sido mitigada pela criação de canais de denúncia nas empresas. Entretanto, nem sempre esses meios têm funcionado de maneira adequada.

Recentemente uma vendedora de uma filial de uma empresa de telecomunicações foi demitida por justa causa após denunciar o assédio sexual que sofreu do próprio gerente. O caso teria ocorrido em abril deste ano, mas foi relatado pela trabalhadora apenas neste mês e vem sendo investigado pela polícia.

“Entrei na cozinha como de costume, subi para beber água e fui pega de surpresa pelo meu colega de trabalho, um consultor igual a mim, e meu gerente-geral. Apagaram a luz e fui empurrada para o gerente. Minha mente paralisou na hora, não conseguia assimilar por que estavam fazendo aquilo. Foram minutos angustiantes. Ele passou a mão no meu corpo, pressionava tão forte seu corpo contra o meu e beijava meu pescoço de forma rígida e rápida, enquanto continuava passando a mão pelo meu corpo e eu pedia para parar”, relatou a trabalhadora por meio de suas redes sociais.

Ela sustenta que havia denunciado o gerente e um colega de trabalho no canal interno da empresa, mas que nada foi feito. Em nota, a empresa declarou que “repudia qualquer situação de assédio e que o caso se encontra sob apuração sigilosa por parte das autoridades competentes, motivo pelo qual tem se mantido respeitosamente silente”. Disse também que a demissão se deu por “causas anteriores e totalmente alheias aos fatos relatados”.

Segundo André Costa, entrevistador forense e advogado especialista em assédio moral e sexual, apesar do resultado equivocado e desastroso da denúncia, a trabalhadora agiu certo. “Além de fazer um boletim de ocorrência, a vítima precisa fazer uma denúncia formal, guardar o protocolo, reunir provas, passar a informação de uma maneira estruturada e pelo canal correto da empresa, porque se for demitida pode recorrer à Justiça do Trabalho para exigir que seus direitos sejam respeitados”, orienta.

O especialista afirma que as empresas precisam ter um departamento exclusivo para garantir a proteção dos funcionários e, por consequência, da sua imagem. “Grandes corporações precisam de uma equipe exclusiva para analisar as denúncias de forma isenta e correta. O que aconteceu com o caso divulgado recentemente pela imprensa é totalmente ilegal e, além de trazer prejuízos incalculáveis para a vítima, vai arranhar a imagem da empresa”, argumenta.

Gabriela Japiassú, advogada trabalhista e sócia de Martorelli Advogados, concorda e explica que não importa o tamanho da empresa. “Pode ser desde um canal na intranet ou até uma caixinha de denúncia. Sistema bom é aquele que funciona. É preciso preservar a identidade da vítima e a inviolabilidade do canal”, sustenta.

Ela também aconselha que a pessoa responsável por receber as denúncias deve ter autonomia na empresa para que as vítimas possam se sentir seguras e defende a necessidade de treinamentos sobre o tema. “É preciso que se conscientizem todos na empresa que assédio sexual é crime. As empregadoras precisam treinar todo o operacional e não apenas os gestores”, explica.

A especialista argumenta que o treinamento é bom para que o empregador se posicione perante a sociedade e para conscientização dos possíveis assediadores e também da vítima. “É preciso também apurar e, sendo procedente o assédio, punir o assediador. A simples existência de um canal de denúncia não é suficiente. É preciso que isso seja trabalhado para que ocorra uma mudança de cultura”, sintetiza.

Fonte: site ConJur.