Desde 2014, a ONU considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Foto: Senado Federal.

A pobreza menstrual, como a situação ficou conhecida, chegou ao Senado por iniciativa popular. Vindas de mulheres. Duas sugestões legislativas tramitam na Casa depois de conseguirem na internet os 20 mil apoios necessários para serem analisadas pela Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa (CDH).

Ambas propõem a distribuição gratuita de absorventes para quem não tem condição de comprá-los.

As propostas coincidem com a Recomendação 21, de 2020, aprovada em dezembro pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão ligado ao Governo Federal. O ato recomenda ao presidente da República e ao Congresso Nacional a criação de uma política nacional de superação da pobreza menstrual.

Desde 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à higiene menstrual um direito que precisa ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Fundamentada nesses posicionamentos, a senadora Zenaide Maia (Pros/RN), relatora da SUG 43/2019, apresentada pela cidadã pernambucana Emilly Silva, deu parecer favorável à proposição.

Pelo texto, calcinhas absorventes, absorventes externos e internos e coletores menstruais, descartáveis ou não, devem ser distribuídos gratuitamente em postos de saúde e nas unidades prisionais. Zenaide Maia estima um gasto de R$ 30 por ciclo menstrual. Ela destacou que, como quase 13% da população vive com menos de R$ 246 reais por mês, “menstruar pode ser caro”.

“Quando você não tem dinheiro nem mesmo para comprar comida, itens de higiene como absorventes são itens de luxo. Imagine essa realidade no Brasil da pandemia, que tem 19 milhões de pessoas passando fome”, afirmou.

O mesmo alertou havia sido feito pela estudante Hillary Gomes, do Distrito Federal, autora da segunda sugestão legislativa sobre o tema (SUG 7/2021): “Menstruação é algo normal para a maioria das pessoas com útero, mas, infelizmente, algumas delas não possuem condição financeira suficiente para comprar todo mês um pacote de absorvente. Hillary acrescenta que o Sistema Único de Saúde distribui preservativos para evitar as doenças sexualmente transmissíveis, mas não faz o mesmo com os absorventes.

Menstruar na escola

Diante do pouco dinheiro para produtos básicos de sobrevivência, são adolescentes o alvo mais vulnerável à precariedade menstrual. Sofrem com dois fatores: o desconhecimento da importância da higiene menstrual para sua saúde e a dependência dos pais ou familiares para a compra do absorvente, que acaba entrando na lista de artigos supérfluos da casa.

A falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar dessas estudantes e, como consequência, restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, do IBGE, revelaram que, das meninas entre 10 e 19 anos que deixaram de fazer alguma atividade (estudar, realizar afazeres domésticos, trabalhar ou até mesmo brincar) por problemas de saúde nos 14 dias anteriores à data da pesquisa, 2,88% delas deixaram de fazê-la por problemas menstruais. Para efeitos de comparação, o índice de meninas que relataram não ter conseguido realizar alguma de suas atividades por gravidez e parto foi menor: 2,55%.

Dados da ONU apontam que, no mundo, uma em cada dez meninas falta às aulas durante o período menstrual. No Brasil, esse número é ainda maior: uma entre quatro estudantes já deixou de ir à escola por não ter absorventes. Segundo a PNS 2013, a média de idade da primeira menstruação nas mulheres brasileiras é de 13 anos, sendo que quase 90% delas têm essa primeira experiência entre 11 e 15 anos de idade. Assim, a maioria absoluta das meninas passará boa parte de sua vida escolar menstruando.

Com isso, perdem, em média, até 45 dias de aula, por ano letivo, como revelou o levantamento “Impacto da Pobreza Menstrual no Brasil“, encomendado por uma marca de absorvente e feito pela consultoria Toluna. O ato biológico de menstruar acaba por virar mais um fator de desigualdade de oportunidades entre os gêneros.

A opção por ficar em casa é justificada ao se ver quão hostil pode ser o ambiente escolar para estudantes que menstruam. Como ainda estão em fase de crescimento, os ciclos costumam ser irregulares, o que pode provocar um fluxo de sangue inesperado, manchando a roupa e as tornando alvo de brincadeiras de mau gosto e preconceito. Além disso, não há, em boa parte das escolas, infraestrutura de higiene suficiente para atender suas necessidades básicas.

De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Unicef e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) em 28 de maio, Dia Internacional da Dignidade Menstrual, mais de 4 milhões de estudantes frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar.

A situação é ainda pior quando se leva em conta que 713 mil meninas não têm acesso a nenhum banheiro (com chuveiro e sanitário) em suas casas. E outras 632 mil meninas vivem sem sequer um banheiro de uso comum no terreno ou propriedade.

“Muitas meninas começam a menstruar entre os 10 e 13 anos e esse é um período que a socialização importa bastante, para formar laços e ajudá-las a conhecer o mundo. Além disso, as meninas faltarem as aulas por conta da menstruação prejudica o processo de aprendizado e gera impactos em sua vida adulta”, reforça Dandara Santos, integrante do Girl Up, movimento fundado pela ONU em 2010, que luta pela igualdade de gênero em 125 países.

Dandara é do Ceará, onde as jovens criaram o movimento Cadê o Modes, de informação sobre a dignidade menstrual. Um dos principais trabalhos do grupo é atuar junto ao Poder Legislativo para aprovação de leis e políticas públicas que distribuam absorventes gratuitamente. No Ceará, foi sancionada o projeto que vai instituir a “Atenção à Higiene Íntima Menstrual de Estudantes”, e busca combater o impacto da pobreza menstrual no acesso escolar garantindo o acesso a absorventes íntimos nas unidades escolares.

Na Câmara dos Deputados tramitam hoje pelo menos dez propostas que tratam do assunto. O Projeto de Lei 61/2021, que propõe a distribuição de absorventes higiênicos pelo SUS; e o PL 4.968/2019, que cria um programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para todas as alunas das escolas públicas, são exemplos.

Já os PLs 128/2021, 1.702/2021 e 3.085/2019 tratam da isenção de impostos para produtos de higiene menstrual. A intenção é zerar alíquotas da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da contribuição para o PIS/Pasep incidentes sobre os absorventes e tampões higiênicos. O Brasil possui tributação elevada sobre absorventes. Apesar de terem alíquota zero do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ainda incidem sobre o produto PIS, Cofins (ambos federais) e ICMS (estadual).

A isenção de tributos em produtos de higiene menstrual já é prática em países como Alemanha, Canadá, Quênia e Índia. França, Inglaterra e Luxemburgo optaram por apenas reduzir o encargo. A Escócia, em novembro do ano passado, tornou-se a primeira nação a tornar gratuito e universal o acesso a esse tipo de produto. A lei determinou que os governos locais devem garantir que absorventes externos, internos, de pano e produtos como coletores menstruais estejam disponíveis em escolas, faculdades, banheiros públicos, centros comunitários e farmácias, sem a exigência de cobrança.

Fonte: Agência Senado.