Transexual masculino alistou-se para ingressar em Carapicuíba/SP e foi direcionado para o Comando Militar do Sudeste. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.

A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), por unanimidade, aceitou o recurso de apelação da Defensoria Pública da União (DPU) e anulou o ato de dispensa de um assistido, promovendo sua incorporação ao serviço militar e condenando a União ao pagamento de danos morais.

O assistido é transexual masculino, tendo passado por processo transexualizador, como também alterado seu prenome e sexo em sua certidão de nascimento, também por meio de ação judicial.

Em 2014, o homem alistou-se para ingressar no serviço militar em Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo, sendo informado de que deveria se apresentar para a seleção no Comando Militar Sudeste.

Ele se apresentou e, no final dos exames de avaliação médica, foi diagnosticado como “incapaz B-2”, classificação do Exército para pessoa temporariamente incapaz, que pode se recuperar de seu problema de saúde em longo prazo. Na sua avaliação também constava o CID 10 Q978: “outras anomalias especificadas dos cromossomos sexuais, fenótipo feminino”, depois constando em seu certificado de dispensa a indicação “excesso de contingente”.

O assistido, então, buscou o atendimento da DPU para buscar a anulação do ato administrativo de dispensa do serviço militar, permitindo sua incorporação em definitivo. Alegou no atendimento que tinha sido alvo de preconceito e discriminação por ser homem trans, dado que antes do exame médico, quando revelou quem era, tinha sido considerado apto em avaliações anteriores, como também haviam sido tiradas suas medidas para o fardamento.

“O que se observa é que a tendência mundial atual é pela despatologização das identidades trans e, no presente caso, fica claro que o parecer médico que concluiu pela incapacidade do Recorrente para o serviço militar, justificado pelo fato de ser transexual, vista como uma doença pelo Exército, está desatualizada, arreigada de preconceitos e caminha no sentido oposto ao que tem sido empregado no trato das identidades de gênero atualmente”, afirmou a defensora pública federal Luciana Tiemi Koga, autora da ação.

A União, em sua defesa, afirmou que a dispensa por excesso de contingente é discricionária e que independe da pessoa ser considerada incapaz. O governo também afirmou que a avaliação da Junta Médica Militar é discricionariedade técnica, o que significa que não há nenhum vício na dispensa do assistido ou qualquer dano que deveria ser indenizado.

O desembargador federal Valdeci dos Santos, relator do recurso, afirmou que, não obstante seja o ato de dispensa discricionário, deve ainda assim ter seus motivos explicitados, afirmando ser claro que a dispensa foi realizada por ter sido julgado como incapaz B-2 pela junta médica. Em seu voto, o relator ainda frisa que atos discricionários como estes, que consideram a transexualidade como uma doença, abrem espaço para discriminação e preconceito, concordando com a DPU, que afirmou que o Exército “utiliza justificativas genéricas, como o excesso de contingente, para dissimular seu real intuito de não ter nas suas fileiras pessoas transexuais”.

“Desta feita, por todos os ângulos analisados, restou demonstrado que a dispensa do apelante se deu em razão de sua identidade de gênero, em evidente violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, razão pela qual deve ser acolhido o pleito recursal, a fim de que seja anulado o referido ato de dispensa e determinada sua incorporação ao serviço militar”, afirmou o desembargador em seu voto, também afirmando que cabem danos morais, dado que a afirmação de incapacidade para o serviço militar por ser pessoa trans constitui ofensa aos seus direitos de personalidade.

Acompanhou a ação na turma recursal o defensor público federal Marcus Vinícius Rodrigues Lima.

Fonte: site DPU.