O presidente Jair Bolsonaro e o procurador-geral da República, Augusto Aras, no Palácio do Planalto. Foto: José Cruz/Agência Brasil.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é inadmissível quando existir outro meio eficaz para neutralizar uma situação de violação a preceitos fundamentais. Com base nessa conclusão, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou, nesta quinta-feira (01/7), parecer à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), opinando pelo não conhecimento da ADPF 852.

A ministra é relatora na Corte do processo ajuizado por quatro partidos – PT, PCdoB, PSOL e PDT – questionando ato do Exército Brasileiro que impôs sigilo de 1oo anos ao procedimento administrativo disciplinar instaurado contra o general da ativa e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Conforme os autores da ação, o militar participou, sem o aval do Comando do Exército, de ato público de caráter político ao lado do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), no Rio de Janeiro, em 23 de maio deste ano, o que configuraria infração ao Regulamento Disciplinar do Exército e ao Estatuto das Forças Armadas. Após instauração de Formulário de Apuração de Transgressão Militar (FATD), o Exército concluiu pelo arquivamento do caso, sem a aplicação de sanção, por não vislumbrar transgressão disciplinar.

Os partidos políticos, por sua vez, requerem ainda concessão de medida cautelar para suspender o sigilo decretado, de modo a se tornar documento de acesso a qualquer cidadão em razão de seu interesse social e, no mérito, a declaração de nulidade do ato.

Ao enfrentar a questão, o PGR levanta quatro pontos determinantes para que o STF não conheça a ADPF. Em primeiro lugar, destaca que, pelo princípio da subsidiariedade, previsto no artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei 9.882/1999, para efeitos de recebimento de ADPF, é preciso inexistência de outro meio eficaz para sanar a situação de lesividade. Embora ainda não haja jurisprudência pacífica no Supremo a respeito do tema, Aras ressalta que esse tipo de ação tem natureza objetiva, ou seja, volta-se à proteção de direito objetivo de maneira ampla, geral e abstrata, não sendo permitida sua utilização para a tutela de controvérsias subjetivas.

Augusto Aras enfatiza que o instrumento não pode ser empregado em substituição de recursos próprios, ação ordinária ou processos de natureza subjetiva. “Verifica-se serem ainda pertinentes, no caso, as vias do mandado de segurança e da ação popular, por meio das quais mostra-se plenamente cabível levar ao Poder Judiciário a apreciação da ocorrência das lesões aqui narradas e no bojo das quais se poderia obter provimentos jurisdicionais dotados de idêntica eficácia ao que ora se pleiteia”, observa.

O segundo aspecto suscitado pelo PGR é que o questionamento acerca do sigilo imposto ao procedimento disciplinar diz respeito a atos de natureza singular e concreta, a indicar ofensa meramente indireta à Constituição. Portanto, no caso em questão, a avaliação da legitimidade da decisão demandaria análise de legislação infraconstitucional, o que afasta a jurisdição por meio da ADPF. “Considerando-se que a fundamentação da inicial cinge-se a sustentar a inadequação da decisão administrativa de negativa de pedido de acesso a informação aos requisitos previstos na Lei 12.527/2011 [Lei de Acesso à Informação] para imposição de sigilo a documento produzido pelo Poder Público, o princípio da constitucionalidade está incólume”, constata.

O terceiro ponto está relacionado ao direito à informação e ao princípio da publicidade. Sobre esse assunto, Aras lembra que não se trata de princípios absolutos e que podem ser flexibilizados em prol da segurança da sociedade e do Estado, bem como do direito à intimidade, à privacidade, à imagem e à honra. No seu entendimento, a avaliação quanto à presença ou não de dados pessoais e de risco à imagem ou à honra da pessoa envolvida, bem como quanto à relevância do interesse demonstrado no acesso à informação, cabe às autoridades indicadas na Lei de Acesso à Informação.

“Portanto, a postura adotada pelo Comando do Exército em negar acesso público a documentos potencialmente veiculadores de dados pessoais e de elementos relativos à imagem e a honra das pessoas, considerada a relevância do interesse alegado pelo requerente está amparada pela lei”, atesta.

Por fim, o procurador-geral alerta que a apuração do caso visa examinar peculiaridades fáticas que também envolvem a preservação do ambiente disciplinar do alto comando e do juízo interna corporis das Forças Armadas. Consoante esclarece, “além de implicar em exame de legalidade, pela correta ou não aplicação da legislação infraconstitucional, a aplicação da lei não se faz sem exame das peculiaridades fáticas, que, no caso em apreço, envolvem não só os direitos à intimidade, à privacidade, à imagem e à honra do indivíduo, mas, ante o alto cargo ocupado, qual seja, de General do Exército Brasileiro, também a preservação do ambiente disciplinar do alto comando e do juízo interna corporis das Forças Armadas”.

Por entender que as alegações apresentadas na petição inicial ou dizem respeito a matérias passíveis de controle de legalidade, ou constituem hipótese de ofensa indireta à ordem constitucional, que demandariam o exame de peculiaridades fáticas, o procurador-geral se manifesta pelo não conhecimento da ADPF.

Fonte: site do MPF.