Em 1993, os brasileiros, em plebiscito, optaram pelo presidencialismo em vez do parlamentarismo como sistema de governo. Foto: Reprodução.

A implementação do semipresidencialismo no Brasil ajudaria a reduzir crises políticas, aumentaria a eficácia da condução governamental e reduziria a concentração de poderes no presidente da República. Essa é a opinião dos constitucionalistas Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ex-senador e ex-vice-governador de São Paulo; e José Levi Mello do Amaral Júnior, ex-advogado-geral da União.

Os três participaram do primeiro evento do ciclo de debates com o tema “Reforma Política e Democracia: um olhar para o futuro”, promovido pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Gilmar Mendes, que também é professor do IDP e da Universidade de Brasília, afirmou que a frequência com que se debate e promove o impeachment de presidentes no Brasil (desde a Constituição Federal de 1988, dois dos cinco presidentes eleitos foram destituídos por essa via – Fernando Collor e Dilma Rousseff) faz com que alguns estudiosos apontem que há uma “parlamentarização” do presidencialismo.

Em 1993, os brasileiros, em plebiscito, optaram pelo presidencialismo em vez do parlamentarismo como sistema de governo. Porém, Gilmar defende que o semipresidencialismo poderia ser implementado no país sem a necessidade de consulta popular, via emenda constitucional.

Em tal sistema, o presidente da República, eleito por voto direto, seria o chefe de Estado, das Forças Armadas e responsável por sancionar projetos de lei, entre outras competências. Já o chefe do governo seria o primeiro-ministro, eleito pelo Congresso, e cuidaria do dia a dia da administração do país.

A substituição do sistema presidencialista definido pela Constituição Federal de 1988 é alvo de três propostas de emenda à Constituição em tramitação do Congresso. Gilmar é entusiasta do modelo semipresidencialista e, quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em 2017, enviou ofício ao Senado com ideia para a composição de uma PEC sobre o tema.

Para o ministro, algumas das reformas políticas já feitas, como a imposição de uma cláusula de barreira, podem enxugar o quadro partidário e dar maior racionalização ao sistema, facilitando a composição de maiorias para dar sustentação ao governo em um regime semipresidencialista.

Crise do presidencialismo

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, professor emérito da Universidade de São Paulo, afirmou que o Brasil vive em constantes crises políticas. “Não seria exagero dizer que a normalidade no Brasil são tais crises. A história do passado o registra, a recente o confirma.”

De acordo com o jurista, o sistema presidencialista brasileiro tem alguns méritos. O maior deles está no fato de o presidente ser eleito pela maioria do povo, o que lhe confere legitimidade. Porém, esse mérito pode ser reduzido quando o sistema eleitoral obriga a população a escolher um entre dois candidatos no segundo turno.

Outro mérito consiste na estabilidade na governança, que dá condições e tempo (do mandato) para a implementação de uma política do governo. Contudo, essa estabilidade pode se tornar um fator negativo quando a governança não atender àquilo de que o povo dela espera. Assim, um governante impopular pode permanecer no cargo até a próxima eleição.

Quando surgiu o sistema presidencial, o presidente da República tinha bem menos atribuições do que atualmente, destacou o constitucionalista. Na época, cabia a ele manter a segurança do país, a ordem pública, e executar as leis.

No entanto, ressaltou Ferreira Filho, o Executivo não tinha, como tem hoje, as obrigações de regular a economia, de proteger os desvalidos (cuidando da educação, da saúde, da cultura, da proteção do meio ambiente), de promover a felicidade do povo. Foi só com o surgimento do Estado social e a democratização da participação eleitoral que o presidente passou a receber tais atribuições.

“Ora, como é o Executivo o agente ativo da governança, ele, em decorrência dessa miríade de tarefas, sofre uma sobrecarga. E mais. Sua atuação torna-se complexa e delicada, pois, sua operação, em face de todas essas tarefas, exigidas como direitos, tem um limite inafastável, qual seja o volume de recursos financeiros. Obriga-o, para fazer possível a governança, uma arbitragem entre interesses, do que uns se alegram e outros se irritam. Não é de estranhar que sua atuação descontente a muitos, por ser insatisfatória ou pelas prioridades que seleciona, provoque crises de descontentamento ou decepção por parte dos governados. Nem que ela incida em erros e omissões, em políticas mal-sucedidas, ou sofra distorções e malfeitos”, disse o professor.

O aumento de complexidade exige uma articulação permanente entre Executivo e Legislativo. Mas essa negociação é dificultada pelo excesso de partidos políticos que há no Brasil, avaliou Ferreira Filho. “E partidos, salvo exceções, de programas vazios, amoldados por marqueteiros, não para a defesa de uma doutrina ou pensamento mas para ganhar votos e servir a interesses.”

“Por isso, o presidencialismo brasileiro, pela necessidade da cooperação parlamentar é, numa versão nobre, um presidencialismo de coalizão; numa mais realista, um presidencialismo de interesses; numa pejorativa, um presidencialismo de corrupção”, declarou o jurista.

Em sua visão, o polipartidarismo inviabiliza o parlamentarismo no Brasil. Afinal, este sistema depende da cooperação entre Executivo e Legislativo, e, quando há um número excessivo de legendas, pode haver uma contínua substituição de governos. E a instabilidade acaba tornando-os ineficientes.

A solução, conforme Ferreira Filho, está na combinação do que há de positivo no presidencialismo e no parlamentarismo e na rejeição dos aspectos negativos dos dois sistemas. Ou seja, a instituição do semipresidencialismo.

“A fórmula mista visa, em síntese, combinar a flexibilidade e a concertação na governança, que propicia naturalmente o sistema parlamentar, corrigindo a sua instabilidade pelo elemento de estabilidade presente no sistema presidencial, com um plus que é dar maior peso na governança dado às questões de Estado.”

No semipresidencialismo, afirmou o professor, o presidente da República atuaria para assegurar a “continuidade do Estado”, protegendo a “independência nacional” e a “integridade do território”, e “o funcionamento regular dos poderes públicos” – funções atribuídas ao imperador na Constituição de 1824.

Já o dia a dia da governança, segundo o constitucionalista, seria desenvolvido de acordo com o modelo parlamentarista. Dessa maneira, o governo seria confiado a um primeiro-ministro escolhido pelo presidente, que nomearia ministros para lhe ajudar no trabalho. “Esse conselho de ministros é que governa, conduzindo os negócios públicos, tendo em mãos a administração pública e as Forças Armadas”, explicou

Entretanto, se o conselho de ministros perdesse a maioria parlamentar, seria obrigado a se exonerar. Não haveria, porém, vácuo de poder, pois o presidente poderia logo nomear um novo primeiro-ministro. Ou a Câmara dos Deputados poderia convocar novas eleições.

“Desaparece assim o problema da instabilidade na governança e sua decorrência inexorável, a impotência. Igualmente desaparece a dificuldade que há no presidencialismo para a mudança de políticas de governo malsucedidas, ou malconduzidas. Não é necessário um ‘cataclismo’ para fazê-lo”, opinou Ferreira Filho.

E ao Parlamento caberia acompanhar e aprovar as políticas colocadas em prática pelo governo, além de discutir as questões de interesse geral.

Modelos europeus

José Levi Mello do Amaral Júnior, professor da USP, afirmou que o semipresidencialismo no Brasil poderia se inspirar nos modelos de Portugal e França. Em ambos os países, o presidente é eleito por voto direto. Mas o francês têm mais atribuições do que o português.

Para o ex-AGU, a eleição direta do presidente da República faz parte da cultura e do conceito de democracia brasileiros. “Parece que, muito acertadamente, quando discutimos uma reforma no sistema de governo, nós partimos do pressuposto da preservação da eleição direta do presidente da República. A novidade seria ter um chefe de governo dependente da vontade do presidente da República eleito e de uma maioria parlamentar, também eleita.”

Para José Levi, se o país tiver uma melhor distribuição de poderes, a reeleição do presidente pode ser relativizada. A seu ver, a reeleição em si não é um problema. Porém, ela pode ter dificuldades potencializadas por um sistema que fomenta a concentração de poderes, como o atual.

O professor também elogiou a Constituição de 1988, avaliando que ela tem chance de durar mais do que a do Império – que ficou em vigor de 1824 a 1891. “Não é qualquer constituição que dura tanto tempo quanto a atual já durou (32 anos), que permitiu dois processos de impeachment, que permite a alternância de grupos no poder, o que aconteceu em 2002, em 2016, em 2018.”

Fonte: site ConJur.