Deputado e médico Heitor Férrer. Foto: Ascom/ALECE.

Era comum, até recentemente, deputados estaduais licenciarem-se para tratamento de saúde, embora nenhuma moléstia o incomodasse. Bastava um atestado médico para garantir sua ausência do Legislativo, sem qualquer restrição pecuniária. O deputado estadual Heitor Férrer, irresignado, decidiu questionar as licenças dos colegas e lutar para acabar com aquele mal feito. Conseguiu. Hoje, seis deputados estão licenciados da Assembleia Legislativa do Ceará, mas nenhum é por falsa enfermidade.

E como foi só o deputado e médico Heitor Férrer, naquela época, quem resolveu por um fim no mal feito que diminuía não apenas os agentes envolvidos – o licenciado, o suplente e o médico responsável pelo atestado -, mas sobretudo o Poder Legislativo, fica comprovado que as impurezas existentes na política e na administração pública não são difíceis de serem eliminadas. Basta a determinação de fazer, de não abusar do corporativismo e não ser conivente com a corrupção, de não temer ser acusado de perseguidor, e, principalmente, ter compromisso com a moralidade.

Heitor foi forte. Os registros que fizemos à época, em razão da cobertura dos trabalhos legislativos, são testemunhos da luta dele. Os deputados, mesmo aqueles que não concordavam com o comportamento dos colegas que buscavam as licenças graciosas, faziam restrições à luta do Heitor, deixando prevalecer o corporativismo. Fora da Assembleia, especialmente na sua categoria profissional, as restrições ao seu comportamento também foram grandes. O Conselho Regional de Medicina chegou a ser chamado a manifestar-se sobre atestado supostamente gracioso para garantir licença a deputado.

Atualmente, exceção do deputado José Albuquerque, licenciado para ocupar o cargo de Secretário das Cidades do Governo do Estado, todos os demais (Acrísio Sena, Danniel Oliveira, Carlos Felipe, Leonardo Araújo e Marcos Sobreira) estão licenciados por conveniência política. Eles deixam de receber os subsídios, aproximadamente R$ 25 mil por mês, mas continuam com as outras vantagens. Em contrapartida, eles têm a perspectiva de, nas próximas eleições, receberem as votações trabalhadas pelos suplentes ou, no caso de alguns deles decidirem ser novamente seus concorrentes na disputa, gozarem da atenção do líder político estadual para conseguir novos colégios eleitorais.

É provável que a luta pela moralidade na questão das licenças de parlamentares na Assembleia Legislativa tenha influenciado na mudança de comportamento de vereadores da Capital cearense, e, também, na Câmara Federal, pelo menos em relação à bancada do Ceará. Vários deputados federais já saíram de licença, na atual legislatura, mas nenhum para tratamento de saúde. A farra com o dinheiro público, nesse campo, está de fato reduzida. E igualmente importante, um crime de malversação de recursos públicos está extirpado e menos pessoas, fora do ambiente político, coadjuvantes desse delito, deixaram de ser tentadas à violarem seus compromissos éticos.

Valeu a luta do Heitor. Qualquer um outro, seja vereador, deputado federal ou estadual, senador ou chefe de Executivo das três esferas de Poder, pode contribuir para afastar as tantas mazelas ainda existentes nos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Mas não bastam os discursos, quase sempre demagógicos. É preciso ação, firmeza, e sobretudo espírito público para agir em defesa dos bons princípios no trato com a coisa pública. A sociedade, apesar da alienação de parte dela, apoia, senão propriamente com votos, todos quantos contribuem para combater os defeitos arraigados e perniciosos em agentes públicos que atrasam o próprio desenvolvimento dela. E isso é constatado quando, volvendo-se a um passado não muito distante, só pouquíssimos nomes de parlamentares e governantes são realmente respeitados pelos seus feitos.

Jornalista Edison Silva faz um histórico do modo como eram engendradas as licenças parlamentares na Assembleia Legislativa: