Presidente Bolsonaro corre atrás de uma ema nos jardins do Palácio do Planalto com uma caixa de cloroquina na mão. Foto: Divulgação.

O depoimento da última terça-feira (11) do presidente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barra Torres, à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid ou da Pandemia, como queiram, com respeito a qualquer outro entendimento diferente, foi deveras contundente. E não apenas por ele expor suas posições divergentes com as do presidente Jair Bolsonaro quanto ao enfrentamento ao vírus, cujas consequências já mataram mais de 425 mil brasileiros, mas, lamentavelmente, por confirmar o conluio, dentro do Palácio do Planalto, da perpetração de um crime que deveria, mesmo sem a devida tipificação, ser considerado hediondo: mudar a bula de um medicamento.

A afirmação de Barra Torres, confirmando declaração anterior, na mesma CPI, do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, de tentativa de alterar a bula do remédio Cloroquina, para ter o seu uso, como insistem o presidente da República e seus seguidores, no tratamento precoce dos infectados com o coronavírus, é de uma gravidade imensurável. Mesmo que o crime tentado não tenha se consumado, até por conta da reação forte do próprio Barra Torres, como afirmou, a pretensão criminosa precisa ser objeto de uma investigação percuciente para gerar a consequente ação penal.

Alterar a bula de qualquer medicação não pode e nem deve ser considerada uma falsificação qualquer. É muito grave. E mais gravosa é a tentativa criminosa ter acontecido dentro do prédio público de maior significação para o País, o Palácio do Planalto, sede de despachos do presidente da República, e de alguns ministros. O fato, não estivéssemos todos anestesiados pelos impactos das mazelas conhecidas cotidianamente, a audácia criminosa, mesmo só tentada, mereceria uma veemente repulsa coletiva, obrigando os agentes tentadores, de imediato, a um pedido de desculpas à Nação, sem prejuízo de uma condenação criminal.

No curso dessa CPI no Senado da República, mesmo que ela não apresenta as conclusões esperadas por adversários e aliados do Governo Bolsonaro, ainda haverão de surgir situações vexatórias para o Executivo Federal. Foi assim em quase todas as investigações parlamentares já ocorridas no Congresso Nacional, e em assembleias legislativas. Na atual CPI, pela diferenciação do objeto investigado, se as ações ou a inação governamental foram as responsáveis pela grande quantidade de mortes de brasileiros atingidos pelo coronavírus, os fatos desidiosos ou não que venham a ser revelados devem ter significados mais agudos.

Todas as outras CPIs trataram de desvios de recursos públicos, de corrupção. Fato novo, no curso delas, era a descoberta de mais e mais roubalheira. Na atual, não é sua premissa a busca de desvio de recursos públicos, embora os defensores do Governo Bolsonaro, a partir do senador cearense Eduardo Girão, tenham conseguido incluir na investigação casos em estados e municípios que possam representar ações delituosas com recursos destinados à Saúde. Agora, a investigação é para saber se o Governo Federal, de alguma forma, contribuiu para que morressem tantos brasileiros vítimas do coronavírus.

E é por isso que a tentativa de mudar a bula do remédio Cloroquina, uma obsessão do presidente Bolsonaro, é o primeiro grande crime descoberto pela CPI, apontado por dois responsáveis homens públicos do País, testemunhas da persecução do delito: Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde e Barra Torres, presidente da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). E só a tentativa dessa prática delituosa é muito grave, exatamente pelo fato de as consequências de alguém tomar uma medicação errada, por sua bula ter sido criminosamente alterada e morrer por conta dos efeitos colaterais produzidos.

Jornalista Edison Silva analisa os trabalhos da CPI da Covid do Senado Federal e a repercussão no Governo Bolsonaro: