Julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão. Foto: Divulgação.

A condenação por improbidade administrativa pela prática da rachadinha, em que o parlamentar obriga funcionários do gabinete a devolver parte de seus salários sob ameaça de exoneração, tem como consequência automática o reconhecimento do prejuízo ao erário. Por isso, é geradora de inelegibilidade.

Essa foi a tese proposta pelo ministro Alexandre de Moraes ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta quinta-feira (08). É a primeira vez que a Corte enfrenta o tema. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luís Felipe Salomão.

O caso concreto tratou de Maria Helena Pereira Fontes (PSL), que concorreu ao cargo de vereador por São Paulo em 2020, apesar de condenada pela prática da “rachadinha”. A pena aplicada foi de devolução de R$ 146,3 mil ao município, pela improbidade administrativa com enriquecimento ilícito. O caso transitou em julgado em 2011.

O Ministério Público Eleitoral sustentou que à situação dela se aplica a inelegibilidade de 8 anos prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “L” da Lei Complementar 64/1990. A norma trata dos condenados por improbidade que importe não apenas enriquecimento ilícito, mas também lesão ao patrimônio público.

Ao analisar o caso, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo entendeu que não houve lesão ao erário, pois o dano se restringiu ao patrimônio privado dos servidores comissionados que eram obrigados a devolver o salário. Assim, manteve o registro de candidatura.

O ministro Alexandre de Moraes propôs a reforma desse entendimento. Concluiu que a “rachadinha” representou conluio entre assessoria e o próprio vereador que fere os cofres públicos porque, no sistema remuneratório do legislativo municipal, as verbas dos gabinetes que são destinadas a pagamento de pessoal, mas não usadas, devem ser devolvidas.

O ministro Luís Felipe Salomão pediu vista e indicou que deve divergir desse entendimento. “O que me preocupa aqui é que há assentado na ação de improbidade que houve efetivamente o trabalho por parte dos servidores, o que, em tese, afastaria o dano ao erário. Temos que analisar as especificidades”, disse.

Ainda assim, o ministro Luiz Edson Fachin decidiu adiantar voto para seguir o relator.

Já o ministro Luís Roberto Barroso não votou, mas lembrou que votou pela inelegibilidade no julgamento da Ação Penal 864, paralisada no Supremo Tribunal Federal por pedido de vista do ministro Nunes Marques. Ela tratou do caso do deputado federal Silas Câmara, outro que teria praticado a “rachadinha”.

Segundo o ministro Alexandre de Moraes, o precedente a ser fixado pelo TSE pode influenciar que as câmaras municipais brasileiras mudem a fórmula para fixar a remuneração dos assessores parlamentares. Segundo ele, a legislação sobre o tema é o que facilita o exercício da “rachadinha”.

O caso da Câmara Municipal de São Paulo exemplifica bem. A Lei Municipal 13.637/2003 estabelecia, à época dos fatos, que os vereadores teriam verba específica para gastar com contratação como bem entenderem. À época, o valor era de R$ 71,5 mil para empregar até 17 assessores. A escolha ficaria a critério do parlamentar.

Como os salários não são tabelados, era o vereador que definia quanto cada um ganharia, com o compromisso de devolver o que sobra. É por isso que, se houvesse uma definição direta com o assessor de que ele teria de devolver parte do salário, essa verba estaria desviada do erário público, já que caso contrário seria devolvida pelo gabinete.

“Esse mecanismo é de uma flacidez republicana gigantesca. Sob o manto de se justificar que fica mais fácil ao vereador contratar pessoas com salários diferentes, isso acaba permitindo uma agregação ilícita da verba de gabinete à remuneração dele”, criticou o relator Alexandre. “A rachadinha só é facilitada exatamente em virtude dessa legislação. O assessor, quando é chamado, não sabe quanto vai receber. Não há uma tabela. Se o vereador fixa um valor e manda devolver o resto, o prejuízo não é do assessor que já sabia disso: é do erário”, acrescentou.

O voto segue o que defendeu, na tribuna virtual, o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill. Ele disse que, ainda que seja possível a existência de danos ao erário sem enriquecimento ilícito, o contrário não pode acontecer. Se alguém enriqueceu ilicitamente por meio de verbas públicas, está configurado o dano ao erário.

Definiu a prática da “rachadinha” como “uma forma vil de arrecadação criminosa de recurso publico por parte de agente político”. “Onde está, aqui, a moralidade e probidade para futuro exercício do mandato?”, indagou.

Fonte: site ConJur.