Foto: Arquivo Nacional.

O Ministério Público Federal (MPF) ofereceu nova denúncia contra os ex-agentes da Ditadura Militar, Audir Santos Maciel e Carlos Setembrino da Silveira, pelo assassinato de um ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na chamada Casa de Itapevi, na Região Metropolitana de São Paulo.

Em 1975, eles foram responsáveis pela prisão, tortura, morte e ocultação do cadáver de Elson Costa, então membro da direção da legenda. A dupla, entre outras pessoas já falecidas, mantiveram o militante sob intensa tortura durante 20 dias no local onde funcionava um dos centros clandestinos da repressão. Incinerado, esquartejado e lançado no Rio Novo, em Avaré, o corpo da vítima permanece desaparecido até hoje.

Maciel e Setembrino tiveram intensa participação nas ações da chamada Operação Radar, executada entre 1973 e 1976 para o extermínio de lideranças do PCB em todo o país, entre elas Elson Costa. O jornalista Vladimir Herzog, o operário Manoel Fiel Filho, o técnico em edificação José Montenegro de Lima e o advogado Jayme Amorim de Miranda também foram vítimas dessa iniciativa.

Maciel comandava o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército, uma das unidades que coordenavam a perseguição aos comunistas. Setembrino, além de integrar a equipe de buscas da unidade sob a chefia do capitão Dalmo Cirillo, era um dos responsáveis pelo funcionamento da Casa de Itapevi, também conhecida como Boate Querosene. O imóvel, que pertencia a seu irmão, situava-se em uma área afastada, sem vizinhos que pudessem testemunhar os abusos cometidos contra as vítimas.

Elson Costa fazia parte do setor de agitação e propaganda do PCB e atuava na produção e distribuição da Voz Operária, o jornal do partido. Sua prisão ocorreu no bairro paulistano de Santo Amaro em 15 de janeiro de 1975, dois dias após agentes da repressão descobrirem a gráfica clandestina onde o periódico era impresso, no Rio de Janeiro. As circunstâncias da morte de Elson são comprovadas por documentos do Exército e pelo depoimento do ex-analista de informações do DOI-Codi, Marival Dias Chaves do Canto, que, em 1992, revelou detalhes sobre as atrocidades cometidas em Itapevi.

O desaparecimento de dirigentes do PCB foi a solução encontrada pelos militares para dizimar o partido, que era contrário à luta armada. Sem possibilidade de forjar versões oficiais que tratassem de “confrontos” e “trocas de tiros” com os comunistas, os órgãos da repressão optaram por sequestrá-los e matá-los clandestinamente, à margem de qualquer ação pública. A partir de 1974, com o fechamento da Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), a Casa de Itapevi tornou-se o principal destino ilegal dos militantes capturados.

Maciel e Setembrino são acusados de homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver. Na denúncia, o MPF pede que a Justiça Federal considere uma série de fatores agravantes para a condenação dos ex-agentes, entre eles o emprego de tortura, o motivo torpe para o crime (perseguição política), o abuso de poder e a violação do dever inerente aos cargos que os denunciados ocupavam. Os pedidos incluem ainda o cancelamento de aposentadorias que eles recebam atualmente, bem como de condecorações com as quais tenham sido agraciados por sua atuação durante a Ditadura Militar.

O MPF destaca que a morte de Elson Costa é imprescritível e impassível de anistia, uma vez que ocorreu em um contexto de ataque sistemático e generalizado do Estado brasileiro contra a população e, por isso, constitui crime contra a humanidade. Diversos testemunhos e registros atestam a coordenação centralizada da repressão na época, entre eles, relatório de abril de 1974, assinado pelo então diretor da CIA, William Colby.

O documento, dirigido à Secretaria de Estado dos EUA, descreve uma reunião na qual o presidente Ernesto Geisel deu aval para que o Serviço Nacional de Informações (SNI) prosseguisse com as mortes de militantes políticos, desde que autoridades superiores fossem antes consultadas.

“O presidente não apenas tinha conhecimento, mas autorizava a continuação da política de execuções sumárias e desaparecimentos dos opositores, exigindo-se, todavia, que o Centro de Informações do Exército (CIE) solicitasse autorização prévia do próprio Palácio do Planalto para as mortes”, destacou o procurador da República, Andrey Borges de Mendonça, autor da denúncia. “Nesse contexto se insere a Operação Radar”.

Fonte: site do MPF.