Procuradoria-Geral da República. Foto: João Américo/PGR.

O Ministério Público Federal (MPF) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) manifestação em habeas corpus solicitando a imediata suspensão do Inquérito 1.460/DF, em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Assinado pelo subprocurador-geral da República José Adonis Callou de Araújo Sá, o documento aponta que a investigação instaurada de ofício pelo presidente do STJ para apurar a conduta de procuradores da República viola o sistema acusatório previsto na Constituição, tem como base provas ilícitas e não atende aos requisitos estabelecidos pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572, que considerou válida a instauração de ofício do Inquérito 4.781 (fake news).

José Adonis lembra que a conduta dos procuradores da República já é alvo de investigação, em procedimento administrativo instaurado pelo próprio subprocurador-geral. Ele foi indicado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para conduzir a apuração, como determina a lei. O caso ainda está sob análise do Conselho Nacional do Ministério Público, sob o aspecto disciplinar. Manifestação com teor similar foi enviada ao Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Inquérito 1.460/DF, defendendo a ilegalidade da investigação.

Sistema acusatório

José Adonis lembra que a instauração de inquérito ou investigação de ofício pelo Poder Judiciário vai contra o sistema acusatório estabelecido pela Constituição.

“Um dos traços que caracterizam o sistema processual penal acusatório vigente no país consiste na separação entre as funções de investigar e acusar, de um lado, e a função de julgar, de outro, cabendo a órgãos estatais distintos o desempenho de cada uma delas”, afirma. Esse é o entendimento do STF, que, no julgamento da legalidade do inquérito das fake news, “reafirmou a regra geral de que juízes não investigam”.

A possibilidade da instauração de inquérito de ofício pelo próprio STF foi analisada na ADPF 572. Na ocasião, a Suprema Corte entendeu que o caso é excepcional e só se justifica diante de “grave crise institucional”, de “situação fática de distúrbio institucional de efeitos imponderáveis, a colocar em risco a própria existência do regime republicano e democrático”. Essas circunstâncias não estão presentes nos fatos investigados pelo STJ.

José Adonis afirma que os fatos denunciados são graves e merecem apuração adequada. “A eventual investigação ou tentativa de investigação de autoridades com foro por prerrogativa de função por quem não possui atribuição constitucional e legal para fazê-lo configura conduta grave e inaceitável, passível de responsabilização”, sustenta. Ele lembra que o exercício da persecução penal pelo MPF somente é legítimo quando observa as normas constitucionais e legais que o limitam. “Qualquer atuação para além disso configura abuso, o qual, observado o devido processo legal, será combatido pelo próprio MPF em todas as searas cabíveis”, diz.

Apesar da gravidade, no entanto, não há ameaça institucional ao STJ, a seus membros ou ao regime democrático no caso concreto. “Consequentemente, a apuração das possíveis infrações penais deve se dar pelos meios ordinários previstos na Constituição e nas leis, ou seja, por procedimento investigatório conduzido pelos órgãos de persecução penal competentes e supervisionado pelo Poder Judiciário, nos moldes clássicos do sistema acusatório em vigor no país”, defende.

Base legal

José Adonis afirma que o inquérito do STJ “não possui fundamento normativo válido para o tipo de investigação que pretende realizar”. Ao julgar a legalidade do inquérito das fake news, o STF considerou que o art. 43 de seu Regimento Interno tem status de lei ordinária, garantindo base legal para o ato. Isso não ocorre com o Regimento do STJ, editado depois da Constituição de 1988, que prevê que o processo penal só pode ser regido ou alterado por lei. A regra geral do sistema acusatório pode ser afastada somente por lei, e o Regimento do STJ não tem esse status.

O subprocurador-geral da República ainda lembra que as provas que embasam a investigação são mensagens de celulares de procuradores da República e outras autoridades, obtidas de forma ilegal por hackers, mediante invasão. O uso de provas ilícitas viola o princípio do devido processo legal e, por isso, elas devem ser descartadas. “A completa rejeição do uso de provas ilícitas para investigar e punir tem sido afirmada de modo uniforme pelo STF, independentemente da gravidade do crime e da condição de quem o praticou”, sustenta.

O subprocurador-geral pede que o STF suspenda imediatamente o andamento do inquérito, até o julgamento final do mérito. Ao STJ, informa que a abertura de investigação própria pelo MPF torna o Inquérito 1.460/DF materialmente desnecessário. Além disso, esclarece que, na condição de fiscal da ordem jurídica e titular exclusivo da ação penal, ante a inconstitucionalidade e ilicitude da investigação, não utilizará as provas nela obtidas para formar seu convencimento.

Fonte: site do MPF.