Deputado federal José Guimarães (PT), líder da bancada da minoria, enviou ao STF notícia-crime contra o ministro da Justiça, André Mendonça. Foto: Câmara dos Deputados.

PT, Psol e PCdoB moveram, nesta quinta-feira (25), arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal contra diversos dispositivos da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).

Os partidos afirmaram que a Lei de Segurança Nacional apresenta diversas violações à Constituição da República de 1988.

Entre elas, a criminalização da propaganda “de luta pela violência entre as classes sociais” (artigo 22, II), da incitação “à subversão da ordem política ou social” e “à luta com violência entre as classes sociais” (artigo 23, I e III) e da imputação de “fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação” aos presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do STF (artigo 26).

Além disso, as legendas sustentaram que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou os dispositivos da Lei de Segurança Nacional que permitem que autoridade militar responsável pela segurança interna requisite a instauração de inquérito pela Polícia Federal para apurar crime previsto na norma (artigo 31, III) e que o investigado, durante as investigações, possa ser preso por 15 dias, prorrogáveis por igual período, podendo ficar incomunicável por cinco dias (artigo 33).

De acordo com PT, Psol e PCdoB, o uso recente da Lei de Segurança Nacional deixou claro o seu espírito autoritário, oriundo de sua criação na ditadura militar. Assim, a norma não é compatível com a liberdade de expressão e opinião garantidas no atual sistema constitucional brasileiro.

Os partidos também questionaram a competência atribuída pela Lei de Segurança Nacional à Justiça Militar e às autoridades militares para processar e julgar os crimes previstos na lei. Segundo as legendas, trata-se de mais um entulho autoritário do regime militar brasileiro, que não possui enquadramento na Constituição Federal de 1988.

As entidades pediram a distribuição por prevenção ao ministro Gilmar Mendes, que já é relator de outras duas ADPF sobre o mesmo tema (ADPFs 797, movida pelo PTB, e 799, de autoria do PSB).

Amicus curiae
O movimento suprapartidário Livres pediu para ingressar como amicus curiae na ADPF 799, movida pelo PSB. Irapuã Santana, advogado do Livres, afirmou à ConJur que a Lei de Segurança Nacional é incompatível com a Constituição.

“A Lei de Segurança Nacional, como todos sabem, é uma herança dos tempos ditatoriais. Portanto, detém grande traço de autoritarismo e, embora contenha previsões importantes para manter a integridade nacional, precisa ser analisada e interpretada à luz de nossa Constituição cidadã a fim de que o Estado não cometa abusos contra os indivíduos. Nessa perspectiva, o STF, como guardião da constituição, também atuará como guardião da sociedade e das liberdades individuais”.

Segundo Santana, o conceito de “segurança nacional” deve ser entendido como a lesão efetiva ao Estado brasileiro ou o perigo real que isso aconteça. A seu ver, esse é o espírito da norma que deve ser preservado. Contudo, as disposições que autorizam abusos de autoridades públicas devem ser anulados, disse o advogado.

Liberdade de expressão

Proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), a ADPF 799 questionou artigos da Lei de Segurança Nacional. Nos último dia 22, um grupo de juristas enviou memoriais ao ministro Gilmar Mendes, relator da matéria, em que apontam que alguns dispositivos da LSN, afrontam diretamente o direito à liberdade de expressão, particularmente os artigos 22 e 26.

O documento é assinado por Adriano Teixeira, Alaor Leite, Alexandre Wunderlich, Maurício de Oliveira Campos Júnior, Miguel Reale Júnior, Oscar Vilhena Vieira e Theodomiro Dias Neto.

O debate jurídico em torno da LSN ganhou corpo desde o começo do governo do presidente Jair Bolsonaro. Conforme levantamento da Folha de S.Paulo, em 2018 foram abertos 18 inquéritos com base na lei. Em 2019 esse número saltou para 26 e em 2020 chegou a 51 procedimentos.

No último dia 19 de março, o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder da minoria na Câmara, enviou ao Supremo Tribunal uma notícia-crime contra o ministro da Justiça, André Mendonça, por crime de responsabilidade, prevaricação e advocacia administrativa. Para o parlamentar, Mendonça está utilizando a Lei de Segurança Nacional, editada durante a ditadura militar, para intimidar críticos do presidente Jair Bolsonaro.

O último caso notório de uso da LSN envolveu o youtuber Felipe Neto, que foi alvo de investigação por violar a lei a pedido do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, por ele ter chamado o pai de “genocida”. O caso foi arquivado por decisão da juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. O caso, entretanto, levou o influenciador a criar o “Cala a Boca Já Morreu”.

A ideia do projeto oferecer defesa gratuita a cidadãos que criticarem o governo, o presidente ou qualquer autoridade pública. A pessoa que não possua advogado constituído pode contar com o serviço, desde que não esteja protestando contra a Constituição, os direitos humanos ou a democracia.

A Federação Nacional dos Advogados divulgou nota pública se posicionando contra abusos no uso da LSN.

“Não se trata de confundir insultos com a livre expressão do pensamento garantida constitucionalmente, mas além da maior exposição das pessoas públicas, as circunstâncias e a própria conduta desabrida adotada pelo Presidente autorizam o acirramento das críticas, sem que isto possa ser tipificado como crime e, menos ainda, sequer sugerir o enquadramento pela LSN”, diz trecho da nota.

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia (APD), a Associação de Juízes para a Democracia (AJD), o Coletivo por um Ministério Público Transformador (Transforma MP) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também apresentaram pedido de ingresso como amicus curiae na ADPF 799.

Fonte: site ConJur.