”Justamente em um momento em que estamos buscando unir, somar, pacificar as relações entre os Poderes. Essa constante desagregação é um grande desserviço ao país”, defendeu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Foto: Reprodução/ Waldemir Barreto/Agência Senado

A insinuação feita no último domingo (28) pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, de que a senadora Kátia Abreu (PP-TO) estaria pressionando-o em favor de interesses da China na instalação da internet 5G no Brasil gerou indignação e forte reação dos parlamentares, que avaliam que a instituição do Senado Federal está sendo atacada.

”A tentativa do ministro Ernesto Araújo de desqualificar a competente senadora Kátia Abreu atinge todo o Senado Federal. E justamente em um momento em que estamos buscando unir, somar, pacificar as relações entre os Poderes. Essa constante desagregação é um grande desserviço ao país”, defendeu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, nas redes sociais, ainda ontem (28).

A declaração de Ernesto Araújo, feita via Twitter, veio logo após os senadores demonstrarem insatisfação com o ministro em relação à atuação do Brasil na pandemia de COVID-19 e na compra das vacinas, em audiência pública com o chanceler, na semana passada. Ele foi pressionado pelos parlamentares a pedir demissão.

Em reação à postura adotada pelo chefe do Itamaraty, avaliada pelos senadores como de negacionismo e pouca cooperação internacional, o líder da Minoria, Jean Paul Prates (PT-RN), apresentou um projeto de resolução (PRS 24/2021) para sustar a realização das sabatinas dos chefes de missão diplomática, enquanto durar a emergência de saúde pública da COVID-19.

”A atual política externa do Brasil está entregue atualmente a um indivíduo que, como sobejamente demonstrado na audiência pública realizada no Senado Federal, em 24/3/2021, não reúne as mais mínimas condições de representar os autênticos interesses brasileiros no cenário mundial. Como consequência, desenvolve-se uma política externa desastrosa, a qual tornou o Brasil pária mundial e ameaça global, e que compromete, inclusive, a obtenção das vacinas destinadas a salvar a vida de milhões de brasileiros”, justifica Jean Paul no projeto.

Defesa

Ernesto Araújo publicou no dia 28 o ataque à senadora Kátia Abreu, presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado. Segundo a postagem no Twitter, ela teria dito ao chanceler que ele seria o ”rei do Senado” se fizesse um gesto em favor da China no 5G, pois a postura do Governo Federal até o momento seria de impedir a participação das empresas chinesas no leilão a ser feito em breve.

Em comunicado divulgado à imprensa, Kátia refuta qualquer pressão, diz que a reunião foi pública e que ela defendeu no encontro com o chanceler que não poder haver, em licitações, ”vetos ou restrições políticas”.

”O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições. Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal. É uma violência resumir três horas de um encontro institucional a um tuíte que falta com a verdade. Em um encontro institucional, todo o conteúdo é público”, diz a nota.

Pelo Twitter, o Senado se mobilizou para demonstrar apoio à senadora, repudiar o ataque de Ernesto e pedir a demissão do diplomata.

”O Ministério das Relações Exteriores não abriga um ministro, está ocupado por um expoente da estupidez, como bem disse [o jornalista] Elio Gaspari. Este ser abjeto, que contribuiu diretamente na morte de mais de 300 mil compatriotas ao nos fazer perder vacinas, tem que sair! Em tom de desespero, o sr. Ernesto Araújo resolveu atacar o Senado, ofendendo a senadora Kátia Abreu. Semana passada, quando o ministro esteve no Senado, parecia um gatinho covarde. Veio para o Twitter porque aqui, assim como os que o sustentam no cargo, ele ruge como um leão. Este ataque tem que ser compreendido por nós como um ataque a todas as instituições democráticas. É inaceitável que esse senhor permaneça uma hora sequer a mais no cargo de representante da nossa diplomacia. Bem mais que repúdio, queremos a saída imediata de Ernesto Araújo”, disse, numa série de publicações, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Randolfe e seu partido, a Rede, pretendem acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para formalizar esse pedido de afastamento.

Rogério Carvalho (PT-SE) também sugeriu que o Senado se una e tome alguma ação contra o chanceler.

”Não há seriedade nem honestidade. O chanceler Ernesto Araújo mente, distorce, cria narrativas pra gerar confusão e desgastar as instituições. Precisamos nos reunir com o presidente do Senado para uma posição firme contra esse fato à senadora Kátia Abreu e outros ataques ao Brasil”.

Davi Alcolumbre (DEM-AP) frisou o desrespeito à Casa.

”Meu incondicional apoio à presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu. A insinuação irresponsável por parte de um ministro não é somente um desrespeito ao Senado Federal. É um ato contra todos que constroem a longa e honrosa tradição da diplomacia brasileira”, tuitou Davi, presidente da Comissão de Constituição e Justiça.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) também considerou que o ataque de Ernesto atinge a instituição, arranha a democracia e ele deve ser afastado do posto.

”Ao plantar insinuações contra a senadora Kátia Abreu, o ministro Ernesto Araújo atinge todo o Senado e lança sementes de joio nos campos da democracia. Quando menos a gente espera, a democracia se vê sufocada. Não adianta somente podá-lo, porque a poda vai fortalecer a planta. Desse joio é preciso arrancar as raízes, fertilizar as mudas democráticas e ‘forjar na democracia o milagre do pão’. Ernesto e democracia não andam juntos. Não há opção. Democracia fica. Ernesto tem de sair”, publicou.

Leia a íntegra da nota à imprensa divulgada por Katia Abreu:

Nota à imprensa

O Brasil não pode mais continuar tendo, perante o mundo, a face de um marginal. Alguém que insiste em viver à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições. Alguém que agride gratuitamente e desnecessariamente a Comissão de Relações Exteriores e o Senado Federal.

É uma violência resumir três horas de um encontro institucional a um tuíte que falta com a verdade. Em um encontro institucional, todo o conteúdo é público.

Defendi que os certames licitatórios não podem comportar vetos ou restrições políticas. Onde está em jogo a competitividade de nossa economia, como no caso do leilão do 5G, devem prevalecer os critérios de preço e qualidade, conforme artigo “O Céu é o Limite” que divulguei na Folha de S.Paulo (21/03/21).

Ainda alertei esse senhor dos prejuízos que um veto à China na questão 5G poderia dar às nossas exportações, especialmente do Agro, que vem salvando o país há décadas. Defendi também que a questão do desmatamento na Amazônia deve ser profundamente explicada ao mundo no contexto da negociação para evitar mais danos comerciais ao Brasil.

Se um Chanceler age dessa forma marginal com a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República de seu próprio país, com explícita compulsão belicosa, isso prova definitivamente que ele está à margem de qualquer possibilidade de liderar a diplomacia brasileira.

Temos de livrar a diplomacia do Brasil de seu desvio marginal.

Brasília, 28 de março de 2021

Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado da República.

Fonte: Agência Senado