Sede do Banco Central em Brasília: PLC 19/2020 estabelece mandato fixo para os diretores e desvincula instituição do Ministério da Economia. Foto: Rodrigo Oliveira/CEF.

Propostas que dão autonomia ao Banco Central – Bacen para executar a política monetária (determinar a quantidade de moeda em circulação, a oferta de crédito e as taxas de juros na economia brasileira para controlar a inflação) estão em discussão no Congresso Nacional desde a década de 1990 e nunca se chegou a um consenso para aprová-las.

Divergências a respeito da função do Bacen e do que a economia e o país podem ganhar ou perder com diretores tendo mandato fixo nunca foram apaziguadas entre os dois campos opostos.

Para os favoráveis à garantia de mandato com prazo determinado para o presidente e os diretores do Banco Central, a autonomia impedirá trocas de dirigentes pela simples vontade presidencial ou por pressões político-partidárias e eleitorais. Também acreditam que dará segurança jurídica às decisões econômicas e evitará cenários como os de presidentes da República concorrendo à reeleição que não permitem ao BC elevar juros, causando instabilidade no mercado antes de renovar seu mandato, por exemplo.

Já os que são contra a tese defendem que o desalinhamento institucionalizado entre a diretoria do banco e o Executivo gera prejuízos ao país, já que o governo perde a capacidade de estimular o crescimento da economia em épocas de crises, como a que o mundo vive com a pandemia de covid-19, utilizando a política monetária em sintonia com a política fiscal (arrecadação de receitas e execução de despesas buscando crescimento com baixo desemprego, estabilidade de preços e distribuição de renda). Além disso, o Bacen poderia passar a se submeter aos interesses do mercado financeiro.

Tornar o Banco Central autônomo foi uma das promessas de campanha do então candidato a presidente da República, Jair Bolsonaro, em 2018.

Outros candidatos como Fernando Haddad (PT) defendiam a ação autônoma do BC, mas sem aprovar legislação específica para isso, mais ou menos o que já ocorre hoje.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, decidiu pautar o Projeto de Lei (PLP) 19/2020 – Complementar para terça-feira (03), para que a maioria finalmente decida o destino da instituição.

O PLC 19/2020 dá autonomia, não independência ao BC: sendo autônomo, ele ainda tem algum grau de subordinação ao governo federal, sendo independente, pode implantar políticas monetárias sem discussão prévia com nenhuma esfera de poder.

Missão

O Banco Central é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, cujo propósito fundamental é manter a inflação sob controle, próxima à meta estabelecida que varia ao longo dos anos. Para fazer com que as expectativas de inflação se aproximem dessa meta (4% para 2020), a instituição usa como instrumento a taxa de juros básica (Selic), elevando-a ou diminuindo-a de acordo com o cenário econômico.

“Uma inflação alta penaliza toda a sociedade e especialmente os mais pobres que não conseguem se proteger da perda do poder de compra. Assegurar níveis baixos de inflação, ou proteger o poder de compra da população, aliados à promoção de crescimento econômico, é o principal objetivo do Banco Central”, explicou à Agência Senado o consultor legislativo Benjamin Tabak.

O Bacen também é o “banco dos bancos”, atua para manter o fluxo de recursos necessários ao bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional (SFN), para que as instituições cumpram suas obrigações e para que haja a quantidade ideal de moeda disponível e circulando, liquidez no mercado.

Algumas correntes econômicas defendem que o Bacen deveria ter “mandato legal duplo”, como já ocorre em outros países desenvolvidos como os Estados Unidos, com o Federal Reserve Board (Fed), o banco central americano, ou seja: que ao lado de conter a inflação (o mandato oficial, no caso brasileiro), esteja explícito que sua missão também seja a geração de emprego e renda, o que garantiria a atuação sintonizada de Banco Central e Tesouro Nacional.

A versão do PLP 19/2019 que vai ao Plenário nos próximos dias menciona a preocupação com o emprego e a renda, e o presidente do Bacen, Roberto Campos Neto, veio ao Senado na quinta-feira (29) para referendar o texto elaborado pelos parlamentares.

Mandato

A presidência do Banco Central, hoje ocupada pelo economista Roberto Campos Neto, e os outros oito integrantes da diretoria colegiada são indicados pelo presidente da República e passam por sabatina e aprovação no Senado Federal. Mas o Executivo pode demiti-los quando quiser, sem precisar de justificativas. Esse é o principal ponto a ser alterado pelo PLP 19/2019 – Complementar. Ao estabelecer um mandato fixo para os diretores, o Bacen ganha autonomia em relação ao governo federal, apesar de ainda precisar se submeter ao Conselho Monetário Nacional (CMN). No entanto, a ideia está longe de ser consensual.

Na opinião do consultor legislativo Benjamin Tabak, que acompanha o andamento do PLP 19/2019 no Senado, hoje o Bacen já opera com bastante autonomia, mas essa atuação fica à mercê do governante da vez. Por isso, é importante assegurá-la em lei.

“O Banco Central já atua com autonomia de fato para realizar sua política monetária. O PLP 19/2019 garante a autonomia de direito. A autonomia de direito ajuda a reduzir as pressões políticas sobre as decisões do Banco Central. Os países desenvolvidos já têm bancos centrais com autonomia de direito. Essa autonomia é essencial para que o Bacen possa desenvolver suas atividades livres de potenciais pressões e aumenta a credibilidade da política monetária. Ainda que, atualmente, exista essa autonomia, nada garante que os próximos governos a manterão. Ao solidificar a autonomia em lei, fica mais difícil que governos futuros retrocedam nesse aspecto”, opinou Tabak.

Equivocada

A oposição é contra a iniciativa e já anunciou o voto pela rejeição. Segundo o senador Humberto Costa (PT-PE), é desnecessária uma lei para garantir autonomia ao BC, que já atua com bastante independência no país há décadas.

“Eu entendo que essa é uma proposta equivocada, pois significa tirar todo o poder do governo em relação à determinação da política monetária. Entregamos o controle do Banco Central nessa linha a segmentos que são fortemente vinculados ao próprio setor financeiro. Perde o governo a capacidade de utilizar a política monetária para estimular as atividades de crescimento, subordinando-se apenas à busca do controle da inflação”, avaliou em entrevista à Agência Senado.

O líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), também se manifestou, via Twitter: “O PT é CONTRA este projeto! E ainda tem gente que quer colocar o nosso posicionamento em dúvida com suposições fantasiosas”.

Antes do adiamento da análise da proposta, na sessão plenária do último dia 21, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) criticou a votação segundo ele apressada de um tema tão controverso, em plena pandemia, e refutou a justificativa de que a matéria está há muito tempo em discussão e precisa ser votada logo (o texto de Plínio Valério reproduz o teor de uma proposta de 2007 do ex-senador Arthur Virgílio).

“Outro argumento que é muito reiterado aqui, gostaria de enfatizar, é a questão de a matéria ser antiga. A matéria, às vezes, é antiga por quatro razões: ou porque é muito polêmica, ou porque é inconclusa, ou porque é complexa, ou porque é irrelevante. Eu não acredito que a autonomia do Banco Central seja irrelevante. Portanto, se está tramitando há muito tempo, é porque é polêmica e inconclusa. Portanto, não deveria ser pautada na pressa”, afirmou.

Na mesma reunião, o senador Weverton (PDT-MA) se posicionou contra o PLP 19/2019: “O PDT é totalmente contra a questão da autonomia do Banco Central”.

Relatório

O senador Telmário Mota (Pros-RR) apresentou seu relatório de Plenário à proposta no último dia 19. Para ele, é importante aprovar a matéria para evitar que um governo “com viés populista, seja de esquerda ou direita”, deixe de agir para, por exemplo, elevar a taxa básica de juros da economia por causa de pressões político-partidárias ou eleitorais.

“Quando um governo concede autonomia a um banco central, ele está abdicando do poder de manipular a política monetária. Com isso, deixa de influenciar no crescimento econômico fugidio de curto prazo, mas ganha credibilidade junto ao público”, opinou o relator.

Telmário acatou uma emenda do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e utilizou no relatório uma sugestão do senador Eduardo Braga (MDB-AM) para buscar ampliar a chamada missão do Bacen. Se hoje o seu principal objetivo é o controle da inflação e a estabilidade dos preços, com o projeto, a instituição deve também — sem prejuízo do combate à inflação — suavizar as flutuações econômicas (ou seja, ao decidir aumentar os juros, não o fazer muito rapidamente, para que não se reduza a atividade econômica de forma abrupta), zelar pela solidez e eficiência do Sistema Financeiro Nacional e buscar o pleno emprego.

Fonte: Agência Senado.