Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais recomenda ao Ministério da Saúde imediata revogação da Portaria Nº 2.282. Foto: Condege.

A Comissão Especial de Proteção e Defesa dos Direitos da Mulher do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais – Condege, do qual a Defensoria Pública do Estado do Ceará faz parte, emitiu Nota Técnica nesta segunda-feira (31/08) sobre a Portaria Nº 2.282, do Ministério da Saúde, que traz novos procedimentos relacionados à interrupção da gravidez em caso de violência sexual. Além da Comissão da Mulher, a Nota também foi assinada pela Comissão Criminal do Condege.

Em vigor desde a última sexta-feira (28/08), quando foi publicada no Diário Oficial da União, a Portaria determina, em seus dez artigos e diversos anexos, o novo Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Considerando estas mudanças como verdadeira violação dos direitos de meninas, adolescentes e mulheres, a Comissão da Mulher do Condege resolveu emitir uma Nota Técnica, na qual analisa e também aponta cada uma destas violações acarretadas pela Portaria.

“As alterações propostas se mostram a produzir resultado nefasto aos direitos de meninas, adolescentes e mulheres, e ao mais amplo acolhimento quando atendidas nos serviços de saúde de atendimento, como vítimas de violência sexual, caracterizando o retrocesso na perspectiva do cuidado humanizado e autonomia da mulher; em afronta ao direito ao sigilo entre o/a profissional de saúde e suas pacientes, violando, em consequência, os direitos fundamentais à privacidade, confidencialidade e intimidade”, enumera a Nota.

Em uma das principais mudanças, a Portaria torna obrigatório que o médico ou demais profissionais de saúde que atenderam a paciente notifiquem o caso à autoridade policial e preservem possíveis evidências materiais do crime sofrido, “tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime”.

De acordo com a Nota Técnica, essa determinação vai contra o sigilo médico, faz com que o atendimento da vítima passe a ter um viés muito mais de investigação criminal do que de atenção à saúde e desrespeita a autonomia, intimidade e direito de escolha da mulher.

“Enfatizando o caráter da persecução criminal em detrimento à abordagem terapêutica e humanizada das vítimas de violência sexual, ou seja, incorpora nos serviços da saúde verdadeira investigação penal; e, por fim, cria procedimentos que incentivam e institucionalizam mecanismos de revitimização e culpabilização da vítima, tal como a possibilidade de visualização do produto de concepção da violência”, acrescenta a Comissão.

Ainda na Nota, fazendo um comparativo com a Portaria de Consolidação nº 5 também do Ministério da Saúde e que teve alguns dos seus artigos revogados por essa nova decisão, a Comissão da Mulher do CONDEGE detalha, além deste ponto sobre a notificação à autoridade policial e o papel do sistema de saúde no enfrentamento à violência de gênero, mais três pontos acrescentados pela Portaria nº 2.282 que “ofendem sobremaneira várias premissas do enfrentamento à violência de gênero”.

São eles: a alteração do termo violência sexual para crime de estupro, a inserção da possibilidade de visualização do feto ou embrião na ultrassonografia e o direcionamento da decisão no preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Por fim, o documento reforça o direito da interrupção legal da gravidez nos casos de violência sexual, o quanto esta Portaria representa o retrocesso aos direitos humanos e a política pública de enfrentamento à violência sexual e a não-observância do respeito à autonomia, autodeterminação, intimidade, confidenciabilidade, consentimento prévio e livre e também o ferimento da liberdade reprodutiva e do atendimento humanizado, que são considerados como princípios do SUS.

“Por todos esses motivos, e por trazer torturas, constrangimentos e práticas degradantes para o exercício pleno do direito, concluímos pela inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade da Portaria do Ministério da Saúde de nº 2282 (27 de agosto de 2020), e, consequentemente, pela sua não aplicabilidade diante da nulidade absoluta, recomendando a sua imediata revogação”, sugere a Nota Técnica.

Leia a Nota Técnica na íntegra.

Fonte: DP-CE e DP-BA/Condege.