Governador Witzel é filiado ao Partido Social Cristão. Foto: Divulgação/Redes Sociais.

Pelo indício da prática de crimes e a necessidade de cessá-los, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça confirmou, nesta quarta-feira (02), o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do governo do Rio de Janeiro, ordenado monocraticamente pelo ministro Benedito Gonçalves.

Witzel foi afastado do cargo por 180 dias na última sexta-feira (28/8). Benedito Gonçalves, em decisão monocrática, afirmou que a medida — tomada antes de ouvir o político — é necessária para impedir que ele use a máquina estatal para seguir praticando crimes e dilapidando os cofres públicos. Mas o ministro negou pedido de prisão preventiva do governador feito pelo Ministério Público Federal.

O entendimento do relator foi seguido pela maioria dos integrantes da Corte Especial. O ministro Francisco Falcão afirmou que há comprovação de ilícitos graves. “No momento em que vivemos, em que a pandemia já tem mais de 120 mil mortos, é impossível que alguém esteja sendo acusado e investigado possa continuar a exercer um cargo tão importante, de maior dirigente do estado do Rio de Janeiro, o segundo mais importante da federação”, disse.

A ministra Nancy Andrighi apontou que o artigo 34, V, estabelece ser atribuição do relator submeter à Corte Especial medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação ou destinadas a garantir a eficácia da decisão da causa. Assim, citou, não há ofensa ao princípio da colegialidade de a decisão monocrática for imediatamente submetida ao colegiado, como ocorreu no caso, com diferença de cinco dias.

De acordo com Nancy, há elementos suficientes da prática de crimes e indícios de autoria. Pelo menos uma das condutas é atual — a lavagem de dinheiro. E o afastamento do cargo se justifica para interromper a atuação da organização criminosa, preservar as investigações e proteger a ordem pública.

“A ordem pública está vulnerada pela prática de atos delitivos desde antes da eleição e até o presente momento. Isso justifica a necessidade das medidas cautelares impostas pra cessar os crimes”, afirmou a ministra Laurita Vaz. A seu ver, o afastamento de Witzel do cargo atendeu aos princípios da proporcionalidade e contemporaneidade.

Já o ministro Og Fernandes elogiou o cuidado de Benedito Gonçalves ao ordenar o afastamento de Witzel, mas negar o pedido de sua prisão preventiva. Ele avaliou que, no momento, é preciso investigar as acusações, sem fazer juízos de culpabilidade.

Por sua vez, o ministro Luís Felipe Salomão entendeu que os pressupostos do artigo 282 do CPP estão “absolutamente preenchidos” no caso. O dispositivo estabelece que as medidas cautelares deverão ser aplicadas para preservar as investigações e a aplicação da lei penal e para evitar a prática de crimes. Tais medidas devem ser adequadas à gravidade dos delitos e às condições pessoais dos acusados.

“Estamos diante de uma série de fatos e relações suspeitos, por envolverem a aparente mistura de fatos pessoais e profissionais”, afirmou o ministro Raul Araújo, ao defender o afastamento do governador.

Uma vez que se trata da imposição de uma medida cautelar prevista no artigo 319 do CPP, não há necessidade de contraditório prévio, pois o ato pode ser decretado em benefício da sociedade, ponderou a ministra Isabel Gallotti.

Também referendando a ordem do relator, o ministro Antonio Carlos Ferreira disse que a decisão é provisória e pode ser analisada novamente no futuro.

O ministro Marco Buzzi analisou que o afastamento de Witzel é imprescindível para as investigações. E disse que o Regimento Interno do STJ permite que a medida seja decretada por decisão monocrática.

O ministro Sérgio Kukina acompanhou o entendimento de Gonçalves em maior extensão, votando para decretar a prisão preventiva de Witzel. “Esse governador está rotulado e há elementos que sinalizam ser o governador o ‘cabeça’ da organização criminosa. Parece contraditório, não faria muito sentido, que todos os demais permanecessem presos e exatamente o ‘cabeça’ ficasse em liberdade.”

O presidente do STJ, Humberto Martins, concluiu o julgamento, seguindo o voto do relator. A seu ver, todos os elementos juntados aos autos demonstram haver indícios suficientes de delitos e autoria.

Necessidade de decisão colegiada
A ministra Maria Thereza de Assis Moura também seguiu o entendimento do relator. Ela lembrou que governadores podem ser afastados cautelarmente do cargo, conforme o artigo 319, VI, do Código de Processo Penal. No entanto, a ministra criticou o fato de a medida ter sido imposta por decisão monocrática de Benedito Gonçalves.

“Trata-se de governador de estado eleito com mais de 4,6 milhões de votos. Embora haja expressão previsão regimental de decisão monocrática, em se tratando de afastamento de autoridade eleita por voto popular, com foro privilegiado, a submissão do caso à Corte Especial me parece uma medida de prudência, mais compatível com o princípio democrático. Como essa medida foi trazida prontamente para a Corte Especial, não vejo nulidade. Mas deixo consignado que o afastamento deveria ser sempre tomado pela Corte Especial”, opinou Maria Thereza.

Nessa mesma linha, o ministro Mauro Campbell ressaltou que “os fatos apresentados são gravíssimos, terríveis” e que Witzel possuía livre acesso aos elementos de prova, podendo obstruir as investigações.

Ele declarou que, por proteção ao Estado Democrático de Direito, medidas relativas a governadores devem ser impostas pela Corte Especial do STJ. Em sua visão, as cautelares só podem ser ordenadas pelo relator quando forem urgentes.

Campbell lembrou que, em 2009, ao receber pedido de prisão preventiva do então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), o ministro Fernando Gonçalves convocou sessão extraordinária da Corte Especial para julgar o requerimento. Por maioria, o colegiado ordenou a detenção de Arruda.

“No caso de Witzel, as provas que apoiam o pedido cautelar já estavam colhidas. Os fatos são anteriores. Não havia ato na iminência de ser praticado por Witzel que justificasse a concessão de liminar monocrática. O que teria pra acontecer da data da concessão da liminar [28/8] até hoje [2/9]?”, questionou.

Voto divergente

Ministro cearense Napoleão Nunes Maia. Foto: Humberto Eduardo de Sousa/ConJur.

O ministro Napoleão Nunes Maia também divergiu do relator. Segundo ele, o afastamento de Witzel deveria ser imposto pelo colegiado e somente após ouvir a defesa do governador do Rio.

Sem a manifestação dos advogados, não é possível avaliar os riscos, indicados pelo Ministério Público Federal, que o político apresenta ao continuar no cargo, disse o magistrado.

“Achar que garantir as prerrogativas processuais das pessoas é garantir a impunidade nos levou a um punitivismo desenfreado, ao ponto que se aceita um inquérito como portador de elementos suficientes para se afastar um governador de estado”, lamentou Nunes Maia.

O ministro ainda sustentou que o mais correto seria o pedido de afastamento de Witzel ser apreciado pela Assembleia Legislativa do Rio.

Fonte: site ConJur.