Procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que “parece ter havido alarme falso, talvez um exagero” sobre o relatório. Foto José Cruz/Agência Brasil.

O procurador-Geral da República e o advogado-Geral da União saíram em defesa do dossiê do governo sobre servidores públicos antifascistas nesta quarta-feira (19).

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, votou para suspender a produção de relatórios de Inteligência pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que envolvam informações sobre a vida pessoal de cidadãos.

Após o voto da relatora, o julgamento foi suspenso e será retomado nesta quinta-feira (20). Mais dez ministros devem votar.

O documento sigiloso foi produzido pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça, contra 579 servidores federais e estaduais, além de professores.

O STF está analisando a ação do partido Rede Sustentabilidade que questiona a investigação sigilosa. Para a legenda, o governo federal promoveu perseguição política contra os funcionários, além de restringir a liberdade de expressão dos servidores. A relatora da ADI é a ministra Cármen Lúcia.

De acordo com o PGR, Augusto Aras, a atividade de inteligência não pode ser confundida com a investigativa. A de inteligência serve para antecipar “distúrbios civis, para informar o escalão superior e o enfoque é sempre coletivo, nunca individual”. “E mesmo assim, sempre se utilizando de fontes abertas”, afirmou o PGR em julgamento nesta quarta-feira (19).

Titubeando, Aras disse que “parece ter havido alarme falso, talvez um exagero” sobre o relatório, do qual ele diz ter dito acesso. E fez questão de registrar ainda que o Ministério Público Federal não admite que o governo espione seus opositores.

Por sua vez, o AGU, José Levi do Amaral, defendeu que o sigilo é essencial para as atividades de inteligência, além de ser uma forma de proteger os investigados. “Sem o sigilo, não se poderia proteger profissionais de inteligência e as respectivas fontes. Assim o Estado perderia sua capacidade de se antecipar para prevenir situações de risco à segurança e integridade da sociedade, do Estado, das instituições e autoridades”, afirmou.

O AGU, José Levi do Amaral, rejeitou a alegação de autoritarismo pelo governo Bolsonaro. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil.

Ainda segundo Levi, a coleta de informações não teve um viés investigativo, mas sim informativo, com base em dados públicos. O AGU frisou que a União rejeita “toda e qualquer forma de autoritarismo ou de totalitarismo” e pediu que a corte negue a liminar.

No início do mês, o ministro da Justiça, André Mendonça, se reuniu com parlamentares da Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência e admitiu a existência do relatório.

“O relatório existe. O que não existe é um dossiê. Dossiê é uma expressão inadequada para a atividade de inteligência. Dossiê é algo feito às escuras para fins indevidos, que não estão no sistema. Que não está relatado oficialmente. Dossiê não é algo que você distribui”, afirmou.

Voto de Cármen Lúcia

Não é competência de órgão estatal ou de particulares produzir dossiê “contra quem quer que seja, nem instaurar procedimento inquisitorial”. Segundo a ministra Cármen Lúcia, o Estado “não pode ser infrator, menos ainda em afrontar a direitos fundamentais, que é sua função de garantir e proteger”.

O entendimento foi proferido ao votar, nesta quarta-feira (19), para suspender ato do Ministério da Justiça que gere relatórios ou compartilhamento de informações pessoais de cidadão identificado como pertencente a “movimento antifascista”.

A ministra afirmou que, embora o governo tenha se manifestado diversas vezes na ação, não foi apresentada uma resposta objetiva sobre o caso, de forma que a pergunta, segundo ela, é simples: “existe ou não existe dossiê?”.

Para ela, caso exista um dossiê fora dos limites constitucionais, é caracterizada lesão a preceitos fundamentais, mas foi categórica ao dizer que, caso não exista, “basta dizer que não existe”.

No entanto, Cármen Lúcia disse que o esclarecimento prestado pelo chefe da pasta da Justiça, André Mendonça, embora sincero, não nega a existência de tal relatório. “Não é conjectura, não é ilação, e não é interpretação (…) Mas se não houve desbordamento, fica pelo menos estranho ter sido afastado alguém e ter sido instaurada sindicância”, considerou.

Apontando as contradições nas versões apresentadas na ação, a ministra rechaçou a argumentação do Ministério da Justiça de que, em caso de dano a  algum cidadão quanto aos seus direitos fundamentais, ele “poderá se sujeitar a exame judicial posteriormente”. Direitos fundamentais, frisou a relatora, “não podem ser objeto de ameaça ou lesão nos termos expressamente estampados na Constituição”.

Ela apontou que, se as alegações forem verdadeiras, os cidadãos estão em situação de completo desconhecimento sobre o que tem tramitado como inteligência, investigação ou pedido de informações sigilosas, que podem tratar “da vida particular, escolhas ideológicas e pessoais de quem quer que seja”.

“E isso sem finalidade específica não é admissível para o Estado. Ninguém duvida de que o cidadão tem pleno e intocável direito, inexpugnável, de contrapor-se a eventual ação secreta do Estado que diga respeito à sua vida particular ou à sua conduta política”, criticou a relatora.

Ainda no início do voto, a ministra esclareceu que, diferentemente do que noticiado por alguns veículos, ela não decretou o sigilo de qualquer documento. Segundo a ministra, o próprio ministro da Justiça informou que não sabia do dossiê até começarem a circular as notícias.

Fonte: site ConJur.