Procurador-geral da República, Augusto Aras. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Em memorial enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572 – em que o partido Rede Sustentabilidade questiona o chamado Inquérito das Fake News (Inquérito 4.781/DF) –, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende o respeito ao sistema acusatório e a participação do Ministério Público no curso da investigação.

Aras reitera a coerência entre as manifestações, feitas em 2019 e neste ano, ressaltando não ter havido mudança do posicionamento anteriormente adotado, mas sim medida processual para a preservação da licitude da prova a ser produzida, a fim de, posteriormente, vir ou não, a ser utilizada em caso de denúncia.

O PGR deixa claro que não está em questão, nesta ADPF, o objeto do inquérito, ou seja, os crimes que porventura tenham sido cometidos contra os ministros da Suprema Corte. Mas sim, discute-se a instauração e processamento de inquérito sui generis, autorizado em norma regimental do Supremo, com força de lei, aos preceitos da Constituição Federal, sobretudo considerado o devido processo legal, o sistema acusatório e os princípios do juiz natural e do promotor natural.

No entendimento do procurador-geral, as normas regimentais do STF geram dubiedade sobre a natureza do inquérito instaurado. Segundo o artigo 43 do Regimento Interno do STF (RISTF), ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito. Já o artigo 56 prevê duas classes de inquérito: o administrativo, de natureza preliminar, sem necessidade da polícia judiciária; e o inquérito policial propriamente dito, no do qual o aparato estatal participa.

Ocorre que, ao se combinarem os artigos 43 e 56 do RISTF, passam a coexistir sob a mesma classe e nomenclatura – “inquérito” – tanto o processo administrativo de natureza investigativa interna, preliminar, quanto o inquérito policial propriamente dito. No segundo caso, a investigação deve ser conduzida pela polícia judiciária, com a participação do Ministério Público, sob a supervisão do Poder Judiciário, sobretudo, para as diligências sob reserva de jurisdição.

E foi justamente com base nessa distinção que o PGR se manifestou em todas as oportunidades em que foi instado, entendendo ser legítima a instauração de inquérito sob o ângulo de investigação administrativa preliminar, que dispensa, por norma regimental expressa, a distribuição. Contudo, surgindo elementos mínimos que apontem para a necessidade de abertura de inquérito propriamente dito, faz-se necessária a supervisão, já não mais da Presidência do Tribunal nas suas atribuições de polícia administrativa, mas de órgão judicante, no caso, a PGR.

“Ante inquérito atípico, com a participação da polícia judiciária, o Ministério Público não pode demitir-se da sua relevante atribuição constitucional de supervisionar procedimentos e expedientes vocacionados à apuração de infrações penais”, esclarece.

O equacionamento desse inquérito atípico, na opinião do PGR, poderia ser atingido no âmbito interna corporis via interpretação ou emenda do regimento interno. “A PGR, em homenagem à Suprema Corte, limitou-se a apontar contornos possíveis, com ênfase na preservação das atribuições constitucionais do Ministério Público e das garantias individuais dos cidadãos investigados”, ponderou.

Por outro lado, enquanto a Suprema Corte não estabelecer, com clareza, os critérios e balizas para o Inquérito, haverá um estado de insegurança jurídica que acaba por atingir a honorabilidade não apenas do Supremo Tribunal Federal, mas da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal.

Medidas necessárias – De modo a compatibilizar o inquérito previsto no artigo 43 do RISTF com a Constituição Federal e as leis vigentes, o procurador propõe a adoção de medidas de conformação procedimental. Em primeiro lugar, atesta ser preciso franquear ao MPF a constante participação no procedimento investigativo visando a proteção de direitos e garantias fundamentais dos investigados e a colheita de indícios e provas.

Aras também afirma que, ressalvadas as diligências em curso, há de ser reconhecido aos defensores o direito de ter acesso aos elementos de prova já produzidos pela polícia (conforme Súmula Vinculante 14). E, por fim, que as medidas investigativas, como quebra de sigilo, busca e apreensão, vedação de uso de redes sociais etc, caso não requeridas pelo Ministério Público, hão de ser submetidas previamente ao seu crivo.

Foro no STF – No documento, Aras destaca que, para tramitar no âmbito do STF, o inquérito policial propriamente dito requer que o investigado seja detentor de prerrogativa de foro. Não sendo o caso, os elementos preliminares colhidos devem ser encaminhados ao juízo natural, para atuação do promotor natural e, igualmente, da polícia com atribuição legal para o caso.

Ao analisar o Inquérito 4.781, nota-se que mais de 90% dos autos já foram declinados para a primeira instância, inclusive com a participação da PGR, para as providências cabíveis. Além disso, das cerca de 10 mil páginas que compõem todo o processo (em um volume principal e 74 apensos) apenas cerca de 2% delas consistem em elementos de prova com indícios de participação de pessoas com prerrogativa de foro.

Por essa razão, nesta quinta-feira (04), a PGR entrou com petição no Inquérito 4.781, para que apensos envolvendo pessoas detentoras de foro por prerrogativa de função sejam autuados como processos independentes.

“Isso porque, em 27 de maio último, a Procuradoria-Geral da República viu-se surpreendida com notícias na grande mídia no sentido de terem sido determinadas dezenas de buscas e apreensões e outras diligências, contra pelo menos 29 pessoas, sem a participação, supervisão ou anuência prévia do dominus litis que, ao fim e ao cabo, é destinatário dos elementos de informação coligidos na fase inquisitorial”.

Manifestação – Ao reiterar as manifestações anteriores, o procurador-geral da República opina pela parcial procedência do pedido, de modo a ser adotada a técnica da interpretação conforme a Constituição ao artigo 43 do RISTF, com a consequente adoção das medidas de conformação desse atípico inquérito ao sistema constitucional acusatório.

Fonte: site do MPF.