Economista Mônica de Bolle foi uma das integrantes do debate promovido pela Câmara dos Deputados. Foto: Reprodução/Agência Câmara.

Economistas e assistentes sociais que participaram de um seminário promovido pela Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (10), defenderam a prorrogação, até o fim do ano, da renda emergencial destinada a amenizar os efeitos da crise decorrente da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) entre os mais pobres no Brasil.

A necessidade de prorrogação do benefício foi unanimidade entre os participantes do debate. A dúvida diz respeito ao valor que deverá ser pago, se os atuais R$ 600 ou se outra quantia.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já confirmou que vai estender o auxílio emergencial por mais dois meses, possivelmente no valor de R$ 300.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por sua vez, já disse que a medida deverá ser novamente analisada pelo Congresso Nacional. Da primeira vez, a renda foi aprovada pelos parlamentares e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril, para vigorar por três meses.

Nesta quarta, Rodrigo Maia voltou a dizer que sabe das dificuldades do Governo quanto ao assunto, mas acredita que o debate deve avançar. “Tem que avançar, mas nós temos que avançar baseados em formulações também em relação ao ponto de vista da capacidade do Estado brasileiro de financiar isso”, afirmou Maia.

A dúvida do presidente da Câmara é se o Brasil tem condições de financiar a prorrogação e até a instituição de um programa permanente sem gerar perda de controle da dívida pública.

Renda mínima

A economista e pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, Monica de Bolle, explicou que, prorrogando o programa até dezembro/2020, serão adicionados quatro pontos percentuais de dívida pública, em um cenário que já é de ascensão. “Os seis meses [de prorrogação] são inquestionáveis. Como a gente calibra? A gente pode pensar num valor intermediário entre R$ 300 e R$ 600“, ponderou a economista.

Por outro lado, Monica observou que o Brasil não tem condições de simplesmente tornar o auxílio permanente. Mas disse também que um programa de renda mínima teria capacidade de gerar mais arrecadação para estados e municípios, porque parte do investimento volta na forma de ICMS cobrado sobre o que é consumido, por exemplo.

“As pessoas que saíram do mercado de trabalho terão muita dificuldade de reinserção. A recuperação e a retomada do Brasil vai ser lenta, e essas pessoas vão continuar desassistidas caso a gente não tenha um programa de renda mínima”, defendeu a pesquisadora. No que diz respeito a renda mínima, o ministro Paulo Guedes também já mencionou a possível criação do programa Renda Brasil, para substituir diversos programas sociais.

Redução

O assistente social e professor de práticas sociais, Marcelo Reis Garcia, que também participou do seminário desta quarta (10), discordou de uma possível redução no valor do benefício emergencial. “Diminuir para 300 reais é um sacrifício para a população pobre desempregada. Neste momento, precisamos de um programa que garanta sobrevivência e esperança nas pessoas. Tirar esse pouco é absurdo. É não conhecer a vida diária da pobreza brasileira”, disse.

O secretário-executivo adjunto do Ministério da Cidadania, Martim Cavalcanti, declarou que o Governo se preocupa em ajudar as pessoas, mas está atento à questão fiscal. “A gente tem que manter um atendimento, a gente tem que ser fraterno, atender aos vulneráveis, mas sempre lembrando que os mais afetados por um desequilíbrio fiscal são exatamente os mais vulneráveis”, pontuou Cavalcanti.

Discordando de Martim Cavalcanti, a assistente social e especialista em gestão de políticas públicas Paola Carvalho acredita que a renda é um direito de cidadania. “O estado mínimo que este governo defende há muito tempo é exatamente para quem? Não me parece que o TCU e os órgãos de controle têm os mesmos critérios quando a liberação é feita para os grandes bancos. Me parece que “aperta o garrote” sempre que é para as populações mais pobres”, criticou.

Contribuição emergencial

A sugestão do sociólogo Rogério Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole, é que se crie uma contribuição social emergencial sobre altas rendas, superiores a 15 salários mínimos. Seria complementar ao Imposto de Renda, sem ser permanente.

“É viável politicamente. A gente poderia estabelecer uma alíquota de 10% para rendas de 15 a 40 salários mínimos, 15% para 40 a 80 salários mínimos e 20% para 80 salários mínimos ou mais. Isso permitiria arrecadar emergencialmente R$ 142 bilhões. A gente coloca a conta sobre aqueles que estão perdendo menos”, defendeu Barbosa.

Demora

Para Tereza Campello, que foi ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo de Dilma Rousseff, o Brasil demorou a tomar decisões em todos os aspectos da crise. “O Brasil tem 40 mil famílias que enterraram seus mortos. É desse jeito que a gente tem que olhar o auxílio emergencial. O governo podia ter agido. A gente sabia que essa crise ia nos alcançar. O Governo não precisava esperar, em abril, o Congresso tomar uma atitude e dizer ‘Governo, pague o auxílio emergencial’.

A renda emergencial, disse ainda a ex-ministra, é um recurso para garantir que a população possa ficar em casa, sem precisar sair para a rua para trabalhar, com risco de contaminação. “É uma renda que as pessoas estão investido em comida. Não estão comprando roupa, não estão guardando. Está indo para a segurança alimentar, comprando comida que é produzida no Brasil”, disse Tereza.

Assistência social

Para Reis Garcia, o atual governo tem promovido o esvaziamento da assistência social no País. Ele também criticou a utilização de aplicativo bancário na concessão do auxílio de R$ 600. “A correria do aplicativo bancário deu no que deu porque se esvaziou o trabalho da assistência social. Se a gente achar que aplicativo resolve problema social, a gente está no caminho erradíssimo neste país”, afirmou.

Segundo Cavalcanti, o canal digital foi utilizado porque o Governo precisava acessar os informais que não estavam no Cadastro Único. Ele assumiu que ocorreram erros, em razão de o sistema ter sido implantado rapidamente, com o objetivo de chegar logo às pessoas. “Em menos de 60 dias, já analisamos mais de 120 milhões de CPFs. Mais de 60 milhões de pessoas recebendo o auxílio emergencial”, listou.

O governo, disse ainda Cavalcanti, está evoluindo para um canal presencial, inclusive para que os Conselhos de Assistência Social (Cras), como demandado por Garcia, façam o serviço. “Fizemos um contrato com os Correios para que as pessoas que não têm acesso à internet possam se cadastrar por outros meios”, disse também o secretário do Ministério da Cidadania.

Os outros participantes do seminário criticaram o Governo por não conhecer o número de trabalhadores informais antes da atual crise. “O Governo se surpreendeu com o número de pessoas em vulnerabilidade e invisíveis. Para quem essa população é invisível e até quando será?”, questionou, por exemplo, Paola.

Com informações da Câmara dos Deputados.