Eixo Norte da obra da transposição do Rio São Francisco. Foto: Agência Senado.

O evento programado para a próxima sexta-feira (26), no município de Jati, no Sul do Estado, marcando a chegada de águas do Rio São Francisco ao Ceará, sonho centenário acalentado por cearenses preocupados com o futuro deste pedaço de Brasil, tem, em momento muito distante, semelhante importância à chegada, em Fortaleza, da energia de Paulo Afonso no dia 1º de fevereiro de 1965, além das coincidências que encerram os dois eventos. Esta, avançou num Governo de esquerda, o do presidente João Goulart, e foi inaugurada por um presidente de direita, Marechal Castelo Branco. Aquela, foi iniciada pelo presidente petista Lula, vindo a ser inaugurada por um presidente de direita, Jair Bolsonaro.

O governador Virgílio Távora, aliado do pessoal da Revolução de 1964, após a deposição do presidente João Goulart, de quem foi ministro da Viação e Obras Públicas, um dos maiores ministérios da época, tamanha a sua abrangência, não titubeou no momento principal da solenidade de inauguração da obra, ressaltando, na presença de Castelo Branco e vários outros militares representantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, da gratidão que ele, Virgílio, e os cearenses tinham ao deposto presidente João Goulart, gerando – conta a história e os depoimentos de poucos ainda vivos que presenciaram o feito do governador cearense – um constrangimento quase geral no palanque das autoridades.

A festa da inauguração acabou ali, embora um grande jantar para as autoridades estivesse programado na residência de importante empresário da época, além de outras atividades programadas para o presidente Castelo Branco no Ceará. Virgílio, por sua atitude, nobre e corajosa, sofreu algumas represálias da cúpula revolucionária, só recuperando o prestígio alguns anos depois, tanto que foi indicado por representantes da própria Revolução, em 1978, para voltar a governar o Estado do Ceará, substituindo o governador Adauto Bezerra que, como os governadores César Cals e Plácido Castelo, foram governantes “biônicos” indicados pelos generais da época.

E a volta ao Governo do Ceará, no momento em que não se disputava eleição para prefeito, governador e presidente da República, embora ele tivesse raízes militares (era coronel e tinha um tio respeitado no Exército, o Marechal Juarez Távora), por certo foi pela sua postura altiva, pela liderança política levada da extinta UDN para a Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de apoio ao comando da Revolução, além do respeito que tinha à coisa pública. Virgílio foi, sem dúvida, o principal responsável pela chegada de energia de Paulo Afonso ao Ceará, notadamente por sua atuação do Ministério da Viação e Obras Públicas, cuja obra estava ligada.

E aqui, também uma outra coincidência entre a chegada da energia de Paulo Afonso e das águas do Rio São Francisco ao Ceará. Como Virgílio, em relação àquela, foi um outro cearense, Ciro Gomes, que enquanto ministro da Integração Nacional, no Governo Lula, tornou-se o principal responsável pelo avanço desta, tanto na alocação de recursos do ministério que ocupava, como no enfrentamento aos opositores do projeto, sob as mais diversas alegações, em especial a relacionada ao meio ambiente. Ciro, evidente, não vai estar presente ao momento final, para os cearenses, de tão aguardado acontecimento.

Como Virgílio Távora, o governador Camilo Santana, 55 anos depois, diante dos adversários políticos dos principais responsáveis pela concretização do importante benefício para o Ceará e o Nordeste, Lula e Ciro, tem o dever de agradecer a ambos, em nome dos cearenses, mesmo que essa manifestação desagrade ao presidente Bolsonaro e sua comitiva.

Veja o comentário do jornalista Edison Silva sobre o assunto: