Subprocurador-geral de Contas, Lucas Rocha Furtado, é cearense. Foto: J.Freitas/Agência Senado.

Leia a íntegra da petição do procurador Lucas Rocha Furtado, onde ele descreve peças do inquérito em tramitação no Supremo Tribunal Federal, com depoimentos de deputados federais, inclusive o do cearense Heitor Freire (PSL):

“Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Tribunal de Contas da União

Com fundamento no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e no artigo 237 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, aprovado pela Resolução 155/2002, o Ministério Público junto ao TCU oferece

REPRESENTAÇÃO

com o propósito de que a Corte de Contas, pelas razões a seguir expostas, decida pela adoção das medidas de sua competência visando a apurar a possível utilização indevida de recursos públicos no chamado “Gabinete do Ódio”, objeto de investigação penal no âmbito do Inquérito 4781/DF, perante o Supremo Tribunal Federal, por se tratar de suposta organização criminosa que se constituiria como uma espécie de “Parceria Público-Privada (PPP)”, ou um órgão de configuração jurídica não identificada que funcionaria com o aporte de recursos públicos e privados e teria por “missão” a criação, divulgação e organização de movimentos antidemocráticos e de disparos de fake news em redes sociais contra adversários políticos com ameaças a autoridades e instituições.

– II –

 No dia de ontem (27/5/2020), duas decisões adotadas em instâncias diferentes cuidaram de adotar medidas preliminares de cautela em face de fenômeno atualíssimo que ameaça o regime democrático, os princípios da República e a convivência pacífica da sociedade brasileira: as fake news.

Refiro-me às medidas de busca e apreensão determinadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no âmbito do Inquérito 4781/DF do STF, em face de pessoas investigadas por financiar, organizar e divulgar fake news; e a proibição determinada cautelarmente pelo Ministro Bruno Dantas e referendada pelo Plenário do Tribunal de Contas da União, no sentido de que o Banco do Brasil suspenda imediatamente todos os contratos de publicidade em sites e blogs que disseminam notícias falsas.

No contexto dessas decisões, importa contextualizar a atuação do chamado Gabinete do Ódio, que funcionaria como uma espécie espúria de PPP – parceria público-privada, com aporte de recursos públicos e privados para fomentar e divulgar notícias falsas e denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade de diversas autoridades dos Poderes Judiciário e Legislativo do país.

Poder-se-ia identificar o Gabinete do Ódio também como um objeto jurídico não identificado – OJNI, na acepção utilizada por Patrice Gélard (in https://www.conjur.com.br/2016-out30/brasil-observar-modelo-frances-agencias-reguladoras, artigo publicado por Sérgio Guerra e Thamires Guerra) e pelo constitucionalista português J.J. Canotilho ao se referir à falecida constituição europeia, ou seja, um organismo anômalo que se constitui como um “Estado dentro do Estado”, sem se submeter ao controle democrático. Elucidativa a seguinte passagem do artigo referido, publicado na Conjur, quando compara as Autorités Administratives Indépendantes – AAI surgidas na França em 1978 a uma espécie de OJNI:

Motivo de desconfiança da opinião pública em relação aos órgãos políticos, a criação de AAIs sugere, para alguns, o fracasso das estruturas clássicas do Estado. O professor Patrice Gélard as qualifica de “OJNI – objeto jurídico não identificado”. Os poderes não seriam mais capazes de assumir as tarefas que lhes cabiam na tradicional teoria da separação de poderes. Diante de seus amplos poderes, algumas autoridades estariam por criar “État dans l’État” (“Estado dentro do Estado”), impondo ao poder político uma convivência sem a contrapartida do controle democrático.

Existem diversas notícias e comentários na mídia acerca da existência desse “órgão” de configuração jurídica não identificada, denominado “Gabinete do Ódio” que, segundo alguns comentaristas e blogueiros, teria atuação dedicada à elaboração e divulgação de fake news e de destruição de reputação de adversários políticos, situação que, por mais absurda que seja de conceber, reclama rigorosa verificação, pois, a se confirmar, configuraria a utilização de meios e recursos do erário para atividade ilegítima e estranha às atividades institucionais dos eventuais órgãos e agentes públicos dedicados a essas tarefas.

Como exemplo de notícias que fazem referência aos supostos fatos acima mencionados, transcrevo o seguinte artigo de colunista do Portal Uol, baseado em informações coligidas pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito das Fake News (https://noticias.uol.com.br/colunas/constanca-rezende/2020/03/04/quebra-de-sigilo-liga-gabinetede-ebolsonaro-a-perfil-acusado-de-fake-news.htm):

Quebra de sigilo liga gabinete de E. Bolsonaro à conta de ataques virtuais

Uma das páginas utilizadas para ataques virtuais e para estimular o ódio contra supostos adversários do presidente Jair Bolsonaro foi criada a partir de um computador localizado na Câmara dos Deputados.

A página, chamada Bolsofeios, também foi registrada a partir de um telefone utilizado pelo secretário parlamentar do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Eduardo Guimarães.

O email do registro da conta da página é “[email protected]”— endereço utilizado pela assessoria do filho do presidente para a compra de passagens e reserva de hotéis, através da cota parlamentar, como mostra a prestação de contas disponível no site da Câmara dos Deputados.

As informações foram enviadas pelo Facebook à CPMI das Fake News no Congresso, a partir de um pedido de quebra de sigilo referente a contas no Instagram feito pela comissão.

O documento, obtido pelo UOL, mostra que a conta bolso_feios foi feita no IP de um computador localizado dentro na Câmara. Ele foi enviado à comissão depois de um requerimento feito pelo deputado Túlio Gadelha (PDT-PE), com base em denúncias da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).

Joice já havia dito, em depoimento à CPMI das Fake News, no dia 4 de dezembro, que a página bolsofeios pertencia ao assessor de Eduardo, Eduardo Guimarães. Ela também apresentou um grupo secreto que reunia páginas ligadas ao “gabinete do ódio”, com a presença de Guimarães e o perfil bolsofeios. O grupo organizava um cronograma de ataques a pessoas consideradas inimigas da família.

Túlio Gadelha pediu à empresa mantenedora do Instagram o acesso ao conteúdo de todas as mensagens trocadas no grupo intitulado “Gabinete do Ódio”, desde o período da campanha eleitoral de 2018, com base no depoimento de Joice. A página bolsofeios fazia parte do grupo.

“Conforme tal depoimento, os participantes do grupo “Gabinete do Ódio” não apenas articulavam sistematicamente a divulgação de Fake News no período eleitoral de 2018, mas também elaboram um “cronograma de ataques” para “assassinato de reputações”, o que configura a prática de cyberbullying até a presente data”, afirmou o deputado.

O Bolsofeios contém ataques contra jornalistas, Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e adversários políticos da família. Também há publicações convocando para as manifestações de março a favor do presidente e contra o Congresso e o STF.

Por sua vez, a denúncia citada na matéria acima, atribuída à deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), é detalhada na seguinte postagem, alusiva ao depoimento da parlamentar à CPMI    das       Fake    News             (https://www.poder360.com.br/congresso/joice-diz-que-bolsonaroscomandam-gabinete-do-odio-com-18-milhao-de-robos/):

Joice diz que Bolsonaros comandam ‘gabinete do ódio’ com 1,8 milhão de robôs

Deputada falou à CPMI das Fake News

Acusou Carlos e Eduardo por atuação

Citou uso de dinheiro público em ataques

A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) apresentou nesta 4ª (4.dez.2019), na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, os resultados de suas investigações sobre o chamado ‘gabinete do ódio’, grupo acusado de montar uma ‘milícia digital’ para atacar opositores políticos do governo Bolsonaro.

Joice afirmou que o gabinete do ódio tem o vereador Carlos Bolsonaro (PSC) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filhos do presidente, como ‘mentores’ ou ‘cabeças’. A deputada disse que os irmãos pautam, por meio do gabinete do ódio, a atuação de outros movimentos na internet.

Segundo Hasselmann, assessores parlamentares fazem parte do grupo e que aproximadamente R$ 500 mil (R$ 491 mil) de dinheiro público foram utilizados para ‘perseguir desafetos políticos‘ do presidente.

A congressista citou os nomes de Filipe Martins, Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus e Mateus Diniz como integrantes do fluxograma do gabinete do ódio. De acordo com ela, existem células do grupo em Brasília, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba e Ceará.

Joice Hasselmann apresentou prints sobre a organização de linchamentos digitais e apresentou o que supostamente é o modus operandi da milícia digital.

……………………

Segundo ela, Eduardo Bolsonaro determina o alvo dos ataques. Algumas contas como Bolsofeios, Bolsolindas, Bolsoneas, Carlos Opressor, Presidente Bolsonaro BR e Snapnaro produzem memes e organizam-se para coordenar os ataques.

Em seguida, há a publicação em massa dos produtos em várias contas, sites e blogs de notícias.

O 4º passo, segundo a deputada, é o crescimento artificial e impulsionamento de hashtags por meio robôs.

De acordo com Joice, as redes de Bolsonaro e Eduardo dispõem de 1,87 milhões de robôs e cada disparo dos bots pode custar até R$ 20 mil.

Joice Hasselmann afirmou que é preciso investigar mais a fundo a atuação do grupo. “O gabinete do ódio precisa ser freado“, ressaltou.

Deve ser destacado, do depoimento da deputada Joice, a alusão que faz ao uso indevido de recursos públicos, situação que clama a pronta atuação do Tribunal de Contas da União, na condição de órgão fiscalizador, que tem por incumbência julgar as contas de administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos federais, bem como as contas de qualquer pessoa que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário federal. Segundo a notícia, a parlamentar afirmou perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que assessores parlamentares fazem parte do grupo e que aproximadamente R$ 500 mil (R$ 491 mil) de dinheiro público foram utilizados para ‘perseguir desafetos políticos‘ do presidente.

Prosseguindo no campo do “financiamento” da “PPP Gabinete do Ódio” com recursos públicos, importa registrar que em matéria jornalística do dia 26/5/2020

(https://oglobo.globo.com/brasil/mpf-abre-inquerito-para-investigar-suspeita-que-governodireciona-verba-para-sites-ideologicos-24446907), o Jornal “O Globo” informa que o Ministério Público Federal abriu inquérito para investigar suspeita de que o Governo Federal vem direcionando verbas de publicidade para sites ideológicos alinhados ao Presidente Jair Bolsonaro, situação tratada por mim em duas recentes representações (TCs 018.941/2020-6 e  020.015/2020-8).

Pois bem, a matéria jornalística referida no parágrafo anterior trouxe as seguintes informações:

BRASÍLIA — O Ministério Público Federal (MPF) determinou a abertura de inquérito para apurar suspeitas de que a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) esteja direcionando verba publicitária para sites ideológicos alinhados ao governo do presidente Jair Bolsonaro. O pedido de abertura do inquérito, conduzido pela Procuradoria da República no Distrito Federal, foi feito na segunda-feira.

O inquérito vai apurar acusações feitas pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão vinculado ao MPF, que, na semana passada, acusou o governo federal de “falta de transparência” na aplicação da verba da Secom.

Segundo representação movida pela PFDC, essa “falta de transparência” pode levar à “má aplicação dos recursos públicos, eventuais direcionamentos por motivação pessoal ou político-ideológica” e “censura indireta” a veículos não alinhados com o governo.

O inquérito foi aberto em meio à repercussão causada pela revelação de que a Secom e o Banco do Brasil pagaram por anúncios em sites que divulgam informações falsas ou que são alinhados ao governo Bolsonaro.

Na semana passada, o perfil Sleeping Giants Brasil, no Twitter, revelou que o Banco do Brasil pagou por anúncios no site Jornal da Cidade Online, que, em 2018, publicou notícias falsas sobre as eleições presidenciais.

A primeira representação (TC 018.941/2020-6) fundamentou-se em matéria veiculada, em 9/5/2020, pelo Jornal “Folha de São Paulo”, o qual noticiou que verbas publicitárias do Governo Federal teriam “irrigado” sites infantis, de jogos de azar e de fake news, além de canais de YouTube que promovem o Presidente da República, quando da reforma da Previdência

(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/verba-publicitaria-de-bolsonaro-irrigou-sites-dejogos-de-azar-e-de-fake-news-na-reforma-da-previdencia.shtml?origin=folha).

Em razão disso requeri ao Tribunal a adoção de medidas de sua competência visando a conhecer e a avaliar as despesas com publicidade do Governo Federal, em especial aquelas vinculadas à divulgação da PEC da reforma da Previdência, de forma a identificar se houve a aplicação de recursos públicos no financiamento de campanhas publicitárias em sites e canais que não guardam relação com as matérias divulgadas, ou que desenvolvem atividades antiéticas ou ilegais  — como a disseminação de fake news e a prática de jogos de azar — ou se destinam à promoção pessoal do Presidente da República, em clara afronta aos princípios constitucionais da supremacia do interesse público, da legalidade, da impessoalidade e da moralidade.

A Relatoria dessa representação coube ao Exmo. Ministro Vital do Rêgo, conforme distribuição ocorrida em 14/5/2020, não havendo, ainda, providências adotadas a respeito.

A segunda representação (TC 020.015/2020-8) tratou da suposta interferência indevida da família do Presidente da República na gestão da publicidade do Banco do Brasil, com a intermediação da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), com fundamento em matérias veiculadas em diversos veículos de imprensa na semana passada (https://istoe.com.br/fabio-wajngarten-sugere-intervencao-nobanco-do-brasil-para-financiar-site-defake-news/; https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agenciaestado/2020/05/22/apos-critica-decarlos-bolsonaro-bb-libera-anuncio-em-siteacusado-de-fake-news.htm; https://revistaforum.com.br/redes-sociais/carlosbolsonaro-reclama-e-banco-do-brasil-volta-atras-emantem-publicidade-em-site-defake-news/amp/; https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,aposbronca-decarlos-bolsonaro-bb-volta-a-anunciar-em-site-bolsonarista,70003310851).

A par disso, solicitei ao Tribunal que:

  1. decidisse pela adoção das medidas necessárias a apurar a regularidade de atos que estariam ocorrendo no âmbito do Banco do Brasil – S.A., acarretando vulnerabilidade na governança da União em relação ao banco, por possível interferência do controlador sobre as decisões corporativas da instituição bancária estatal – ou, mais grave ainda, por terceiros totalmente estranhos à instituição, com intermedição da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) – com possíveis prejuízos à imagem do Banco do Brasil e em ofensa às Leis nºs 13.303/2016 e 6.404/1976, bem como ao Acórdão nº 1119/2020- TCU-Plenário, atos esses consistentes em rever decisão anteriormente tomada no sentido de retirar sua publicidade de site que se revela, segundo as notícias que integram esta representação, divulgador de fake news e incentivador de medidas antisanitárias (contrárias ao isolamento social, em pleno crescimento da pandemia de Covid-19 no país);
  2. fazendo-se presentes, no caso ora em consideração, o fumus boni iuris e o periculum in mora, determinasse, em caráter cautelar, que o Banco do Brasil abstenha-se de retroceder na decisão que vetou o site Jornal da Cidade Online para receber publicidade do banco, bem como qualquer outro site ou veículo de comunicação que seja notoriamente divulgador de fake news e de mensagens antiéticas e atentatórias aos princípios democráticos e às instituições da República e às suas autoridades, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão;
  3. fosse apurada a eventual desconformidade de atuação da Secom, a se confirmar a sua intermediação para influenciar na mudança de decisão do Banco do Brasil, que consistiria em desatender ao decidido pelo TCU no Acórdão nº 1119/2020- TCUPlenário, que vetou àquele órgão (consoante Instrução Normativa da própria Secom) analisar ações de publicidade de cunho mercadológico do Banco do Brasil, promovendo-se a audiência do responsável para apresentar justificativas que, caso sejam rejeitadas, sujeita o agente à aplicação da multa prevista no art. 58 da Lei nº 8.443/1992, alertando-se, ainda, quanto à possibilidade de afastamento temporário do responsável, nos termos do art. 44 da referida lei, haja vista a reiteração de condutas em desconformidade com o ordenamento jurídico e em potencial prejuízo ao Erário, consoante breve histórico apresentado no corpo desta representação;
  4. fosse encaminhada cópia desta representação e dos seus anexos ao Supremo Tribunal Federal, a título de subsídio ao inquérito instaurado naquela corte mediante a Portaria GP 69, de 14/3/2019, com o objetivo de investigar “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”.

A relatoria coube ao Exmo. Ministro Bruno Dantas, conforme distribuição ocorrida em 25/5/2020. Em despacho emitido na data de ontem (27/5), o eminente Relator, aquiescendo com minha proposição, decidiu, e o Plenário referendou medida cautelar, nos seguintes termos:

  1. i) com fundamento nos termos dos arts. 235 e 237, inciso III, do Regimento Interno deste Tribunal conhecer desta Representação; ii) com fundamento no art. 276, caput, do Regimento Interno deste Tribunal, DETERMINAR, cautelarmente, ao Banco do Brasil que IMEDIATAMENTE SUSPENDA qualquer veiculação de publicidade em sites, blogs, portais e redes sociais, com a exceção dos veículos mencionados no item 70, até que sobrevenha o normativo de certificação a ser elaborado pela Controladoria-Geral da União, nos termos do item “v” abaixo, ou até que este Tribunal delibere, no mérito, sobre a matéria; iii) com fundamento no art. 276, § 3º, do Regimento Interno do Tribunal, determinar à oitiva do Banco do Brasil, para que se manifeste sobre a cautelar deferida e demais questões trazidas pelo Ministério Público de Contas à peça 1;
    1. determinar à Controladoria-Geral da União que constitua Grupo Interinstitucional de Trabalho com apoio de outros órgãos, em especial da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, da Secretaria de Comunicação Social do Supremo Tribunal Federal, do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, bem como de entidades da sociedade civil, tais como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (ABRAJI), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT), Associação Nacional das Editoras de Revistas (ANER), a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e o Instituto Palavra Aberta, para que, no prazo de 90 (noventa) dias, elabore normativo e manual de boas práticas, os quais devem vincular todos os órgãos do Governo Federal, até mesmo as empresas estatais, sobre certificação de sites, blogs, portais e redes sociais que poderão receber recursos públicos (monetização) via anúncios publicitários e congêneres;
    2. dar ciência deste despacho ao representante;
  • dar ciência deste despacho e de cópia da peça 1 ao Banco do Brasil, à Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República e à ControladoriaGeral da União; viii) encaminhar cópia deste processo ao Supremo Tribunal Federal, a título de subsídio ao inquérito instaurado naquela Corte mediante a Portaria GP 69, de 14/3/2019, com o objetivo de investigar “a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”, autorizando desde já o compartilhamento de todos os dados e documentos que aportarem aos autos no futuro; e
  1. xi) autorizar, desde já, a promoção das medidas saneadoras a cargo da SecexFinanças necessárias para a análise de mérito de todas as questões constantes deste processo.

A mecânica do aporte de recursos do erário (a parte pública da “PPP Gabinete do Ódio”) foi bem retratada na fundamentação com que Sua Excelência, o Ministro Bruno Dantas, se apoiou para adotar a decisão acima, conforme excertos que a seguir reproduzo:

  1. Estou de acordo com o Ministério Público de Contas quando assevera que é gravíssima, em si, a perspectiva de o acionista controlador – a União – determinar gastos publicitários de uma sociedade de economia mista que possui ações comercializadas em bolsa de valores, acionistas minoritários, regras de governança corporativa e deve estar sujeita a uma disciplina rígida de regulação do mercado de capitais.
  2. Mas o caso destes autos é tão mais grave para os pilares da democracia brasileira que, quando comparado em dimensão qualitativa, torna minúscula a alegada ingerência do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República nos negócios internos do Banco do Brasil, ao arrepio da lei das estatais, do regulamento da SECOM e das diretivas da Comissão de Valores Mobiliários e da própria instituição financeira.
  3. Se, por um lado, no Acórdão 1.119/2020-TCU-Plenário que tratou de suposta interferência do Presidente da República na retirada do ar da Campanha Selfie pelo Banco do Brasil, este Tribunal, agindo com a devida parcimônia, assentou expressamente que não caberia nem mesmo àquela autoridade ou a qualquer outra do governo se imiscuir nos assuntos operacionais da estatal, por outro, a questão de mérito que subjaz a estes autos transcende normas meramente administrativas ou do mercado de capitais, e atinge o núcleo fundamental da Constituição da República: o Estado Democrático de Direito e seus fundamentos de cidadania, dignidade humana e pluralismo político (art. 1º).
  4. A gravíssima acusação formulada pelo Ministério Público de Contas de que recursos do Banco do Brasil estão sendo drenados para financiar sites, blogs e redes sociais que se dedicam a produzir conteúdo sabidamente falso e disseminar fake news e discurso de ódio determina insofismavelmente a competência desta Corte de Contas Federal para examinar a matéria, eis que, repita-se, cabe ao TCU zelar pela legalidade e a legitimidade dos gastos públicos da União, incluídos os da administração indireta (Constituição da República, art. 70, caput).
  5. Para ilustrar os dados superlativos que permeiam a representação formulada pelo Ministério Público de Contas, anoto que em 2019, primeiro ano da gestão do Sr. Rubem Novaes na Presidência do Banco do Brasil, essa instituição financeira destinou vultosos R$ 373,1 milhões a contratos de publicidade, dos quais R$ 119 milhões foram gastos com veiculação na Internet.
  6. A título comparativo, no ano imediatamente anterior, em 2018, o gasto total com publicidade foi de R$ 336,9 milhões, dos quais R$ 62,3 milhões com Internet. 21. É dizer: num cenário de agravamento de crise financeira e fiscal, a gestão do Sr. Rubem Novaes na presidência do Banco do Brasil elevou em mais de R$ 36 milhões o gasto com publicidade da instituição, e quase dobrou o gasto com sites, blogs, redes sociais e outras mídias digitais.
  7. Assentadas as bases fáticas do processo, e evidenciada a materialidade do volume de gasto público destinado a remunerar a publicidade do Banco do Brasil em sites, blogs, redes sociais e outras mídias digitais, cumpre fazer uma breve digressão sobre a liberdade de imprensa e o fenômeno mundial da divulgação de fake news.
  8. É inconcebível que o aparato estatal seja utilizado com desvio de finalidade, em afronta a garantias constitucionais fundamentais imprescindíveis ao Estado Democrático de Direito, como o direito à livre manifestação do pensamento e à liberdade de imprensa. Além de consagrados constitucionalmente, tais direitos também estão previstos em diversas convenções internacionais, dada sua importância para o desenvolvimento de qualquer sociedade que se considere democrática e de direito.
  9. A liberdade de expressão não é uma expressão. É uma liberdade. E liberdade está expressa apenas na liberdade de expressão em nosso texto constitucional, que é uma Carta pro-liberdade!

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  1. Diante de todo esse contexto e colocada a gravidade da questão, cumpre ao TCU atuar não apenas no intuito de induzir a correção de rumos nos atos que envolvem este caso, mas principalmente para aprimorar as regras de governança relacionadas ao tema. Considero que este é um bom case para que a Corte possa contribuir para aperfeiçoar as regras e os procedimentos das estatais brasileiras de modo a impedir o financiamento de canais que notoriamente divulgam fake news, alinhando-se a diversas iniciativas do Estado brasileiro, e da sociedade civil, nesse mesmo sentido.
  2. Em linhas bem gerais, cuida-se, aqui, da utilização de verba publicitária de um banco controlado pelo Estado brasileiro para monetizar site que responde a processos judiciais, acusado e, até mesmo, condenado, por divulgar fake news, inclusive referentes à grave crise proveniente do coronavírus.
  3. Pode parecer óbvio, mas no Brasil de hoje muitas vezes a redundância é necessária, de modo que não considero despiciendo ressaltar que pouco importa para o deslinde da questão em julgamento uma eventual alegação de que sites que divulgam fake news podem atingir público e número de leitores de interesse da estatal, pois as questões aqui são a interferência indevida do controlador e a ilegitimidade do gasto público.
  4. Em primeiro lugar, é antijurídica a interferência de agentes do governo nos atos da estatal nas circunstâncias destes autos por não se cuidar de divulgação de políticas públicas, tal como decidido no Acórdão 1.119/2020-TCU-Plenário.
  5. Em segundo lugar, é inaceitável que, no momento histórico em que a civilização busca caminhos para combater a chaga da desinformação coletiva promovida por criminosos que manipulam fatos, cultivam discurso de ódio e atacam símbolos democráticos, uma instituição bicentenária como o Banco do Brasil, que tantos bons serviços já prestou à sociedade brasileira, decida voluntariamente associar sua marca a qualquer veículo, evento, ou campanha promocional sem que esteja assegurada a credibilidade do canal de comunicação e seu compromisso com a divulgação de notícias verdadeiras e fidedignas.
  6. E digo mais: em havendo o menor indício de disseminação de atos antiéticos e de notícias falsas, gerando desinformação da população, é dever do Banco do Brasil e de qualquer ente público suspender imediatamente os respectivos anúncios, com ordem explícita para a retirada da publicidade oficial do ar.
  7. Não estamos falando de mero apelo comercial, mas, sim, do compromisso que deve ter o Estado brasileiro com a verdade. Compromisso que o Banco do Brasil deve ter não só com seus clientes, mas, e principalmente, com toda a população brasileira que ajudou essa instituição bancária a se tornar o que é.
  8. A criação e a disseminação de notícias falsas têm intenções escusas, nefastas e muitas vezes criminosas, sejam elas com objetivos políticos ou financeiros, e devem ser implacavelmente combatidas, o que, se é tarefa árdua em todos os quadrantes do globo, não nos exonera da missão.
  9. Com efeito, todos os países civilizados têm avaliado formas de lidar com essa questão da sociedade das comunicações. O combate às fake news é problema complexo e um dever de todos, a começar pela própria imprensa, por professores e escolas, pelas famílias e, sobretudo, pelas instituições públicas.
  10. A preocupação com a criação e divulgação de notícias falsas não é, por evidente, só desta Corte. O Estado Brasileiro vem travando uma batalha árdua contra as fake news, a destacar ações do Parlamento com a instauração de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público (CPMI das Fakes News).
  11. Dada a grave repercussão eleitoral que o tema vem ganhando, diversas iniciativas foram desenvolvidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Trago também o fato de que a matéria está na mira do Presidente do TSE, Ministro Luís Roberto Barroso, que, em sua posse nesta semana, fez forte discurso em defesa da democracia e contra a disseminação de fake news e desinformações, em especial no período eleitoral.
  12. Já a parcela de contribuição que o TCU pode dar nessa discussão refere-se à fiscalização do gasto público também sob essa ótica, dentro da perspectiva de controle de legitimidade, conforme insculpido no art. 70 da Constituição. Embora o caso em questão seja efetivamente um desafio contemporâneo, sob o prisma do gasto público a lógica não é propriamente uma novidade para o controle externo.
  13. É indiscutível que o valor primordial da questão em debate é o fato de não ser legítimo que um ente público financie sites acusados de propagar notícias falsas. Mais ainda, a conduta ora impugnada não é coerente com todo o esforço do Estado e da sociedade de combate a esse mal.
  14. O combate às fake news pressupõe procedimentos e protocolos a serem adotados pela sociedade a fim de diferenciar a veiculação de uma notícia objetivamente falsa ou deliberadamente distorcida para causar emoções e reações em segmentos da população, de uma opinião negativa ou uma interpretação errada ou mesmo fantasiosa relativa a um fato efetivamente real.
  15. A correta diferenciação das duas situações é crucial para evitar que o necessário combate a fake news se converta em odiosa limitação à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. Por essa razão, não pode caber ao Estado realizar a verificação da checagem de informações, e sim a instituições e entidades da sociedade civil organizada, a partir de consensos racionais sobre o tema e em observância a protocolos que exijam dos veículos de comunicação a existência de canais públicos de impugnação de notícias falsas, um procedimento interno para rápida verificação e um compromisso sincero de exclusão desse tipo de informação.
  16. Ora, não há dúvida de que em contratos de publicidade, a avença não se refere à divulgação de notícias do veículo de comunicação, mas sim de anúncios em sua página na internet. Todavia, não se pode olvidar que remunerar a divulgação de campanhas publicitárias em sites, blogs e redes sociais serve para alavancar financeiramente o veículo de comunicação.
  17. Nesse sentido, há um vínculo umbilical a conectar o anúncio publicitário ao próprio conteúdo da página na Internet, eis que ninguém abre um site ou blog com o objetivo de buscar anúncios, e sim as informações nele disseminadas. Com isso, a remuneração feita pelo anunciante acaba funcionando não apenas como reconhecimento da popularidade do veículo, mas também como apoio indireto ao conteúdo divulgado.

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  1. E não é só isto, o apoio a sites, blogs, portais ou qualquer outro meio de divulgação duvidosa e antiética tem o potencial de causar prejuízos inestimáveis à própria governança do Banco do Brasil, pois isso compromete a imagem da instituição perante o mercado e perante seus clientes, além de comprometer sua autonomia.
  2. A atuação deste Tribunal visa também aprimorar a governança e a gestão das ações de comunicação social do Banco do Brasil, em consonância com os preceitos enunciados na Lei 13.303/2016, especialmente no que se refere ao princípio da integridade, que, em poucas palavras, significa fazer a coisa certa.
  3. No que concerne ao pedido para que seja imediatamente suspensa a monetização, pelo Banco do Brasil, do site apontado na representação do Ministério Público de Contas e de outros possíveis criadores e disseminadores de notícias falsas, entendo que os requisitos para a concessão da cautelar estão sobejamente demonstrados.
  4. Concordo com o Ministério Público de Contas quanto à existência de indícios que o Banco do Brasil tenha descumprido preceitos das Leis 13.303/2016 e 6.404/1976, bem como do Acórdão 1.119/2020-TCU-Plenário, o que caracteriza a plausibilidade do direito (fumus boni iuris).
  5. No que concerne ao perigo da demora (periculum in mora), tal requisito mostrase atendido, em virtude da monetização de site como o ora apontado com recursos públicos. Há fundado receio de ocorrer grave lesão ao interesse público e no risco de ineficácia de tardia decisão de mérito, se a suspensão de publicidade pelo Banco do Brasil não ocorrer desde já.
  6. Não vislumbro, por ora, o perigo da demora reverso (periculum in mora reverso), uma vez que anúncios em sites, blogs, portais e redes sociais de maneira alguma se caracterizaria como atividade essencial cuja suspensão pudesse vir a causar solução de continuidade das atividades da instituição e afetar seu resultado no período que vigorar a cautelar.
  7. Considerando as questões aqui postas, entendo que a extensão dos efeitos da cautelar deve alcançar, desde já, a suspensão de todas e quaisquer ações de divulgação e publicidade que possam estar monetizando sites que criam e disseminam notícias falsas, até que este Tribunal decida definitivamente sobre a matéria.

Enquanto a parte pública dos recursos utilizados para irrigar os sites e blogs propagadores de fake news vem sendo investigada pelo Tribunal de Contas da União em situações específicas como as acima comentadas, a contraparte do financiamento privado da “PPP Gabinete do Ódio” é objeto de investigações de cunho criminal no seio do Inquérito 4781/DF, ora em curso no âmbito do Supremo Tribunal Federal e que foi objeto da primeira decisão mencionada no início desta representação, adotada pelo Ministro Alexandre de Moraes, no sentido de determinar medidas de busca e apreensão e quebras de sigilo fiscal e bancário em face de pessoas investigadas por financiar, organizar e divulgar notícias falsas. Transcrevo a seguir, para melhor compreensão, trechos dessa decisão, especialmente no que toca ao Gabinete do Ódio:

Trata-se de inquérito instaurado pela Portaria GP Nº 69, de 14 de março de 2019, do Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, nos termos do art. 43 do Regimento Interno desta CORTE.

O objeto deste inquérito, conforme despacho de 19 de março de 2019, é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que tem o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito.

Em 11 de maio do presente ano, o Magistrado Instrutor designado nestes autos manifestou-se nos seguintes termos:

Os documentos e informações juntados até o momento aos autos fornecem sérios indícios da prática de crimes, dentre outros investigados, por (…) ALLAN LOPES DOS SANTOS (RG 127116010, CPF 099.006.807-23), BERNARDO PIRES KUSTER (RG 04039658305, CPF 057.385.519-66), EDSON PIRES SALOMÃO (CPF 163.396.878-22), EDUARDO FABRIS PORTELLA (CPF 089.082.759-16), ENZO LEONARDO SUZI MOMENTI (RG 36.033.224-9), MARCELO STACHIN (CPF 011.171.17111), MARCOS DOMINGUEZ BELLIZIA (RG 1356444711, CPF 103.740.068-22), RAFAEL MORENO (CPF 359.972.878-00), PAULO GONÇALVES BEZERRA (CPF 797.155.677-20), RODRIGO BARBOSA RIBEIRO (CPF 387.194.378-97) e SARA FERNANDA GIROMINI (CPF 416.982.998-00), cujos endereços e qualificações foram devidamente confirmados, tipificáveis, em tese e a um primeiro exame, nos arts. 138, 139, 140 e 288 do Código Penal, bem como nos arts. 18, 22, 23 e 26 da Lei 7.170/1983.

Após a realização de diversas diligências no sentido de identificar os responsáveis pelas postagens reiteradas em redes sociais de mensagens contendo graves ofensas a esta Corte e seus integrantes, com conteúdo de ódio e de subversão da ordem conforme se vê dos relatórios (fls. 6115-6269, 6271-6277, 6278-6283, 6284-6293, 6302-6353, 6355-6356 e também aqueles juntados no Apenso 70 destes autos), a autoridade policial designada nestes autos manifestou-se no sentido de que para a completa confirmação da autoria e materialidade do fato ora analisado seriam necessárias medidas de polícia judiciária, tais como apreensão dos equipamentos de informática (hardwares) e realização de perícia nos mesmos e oitiva dos envolvidos, analisada a viabilidade jurídica de tais medidas no caso em concreto (fls. 6964). As postagens são inúmeras e reiteradas quase que diariamente. Há ainda indícios que essas postagens sejam disseminadas por intermédio de robôs para que atinjam números expressivos de leitores.

(…)

Toda essa estrutura, aparentemente, está sendo financiada por um grupo de empresários que, conforme os indícios constantes dos autos, atuaria de maneira velada fornecendo recursos (das mais variadas formas), para os integrantes dessa organização. Os indícios apontam para EDGARD GOMES CORONA (RG 58860575, CPF 000.846.408-12), LUCIANO HANG (CPF 516.814.479-91), OTAVIO OSCAR FAKHOURY (RG 18885859, CPF 112.009.508-52), REYNALDO BIANCHI JUNIOR (CPF 797.008.027-87) e WINSTON RODRIGUES LIMA (CPF 759.696.027-87), cujos endereços e qualificações também foram devidamente confirmados pela autoridade policial, tipificáveis, em tese e a um primeiro exame, nos arts. 138, 139, 140 e 288 do Código Penal, bem como nos arts. 18, 22, 23 e 26 da Lei 7.170/1983, todos na forma do art. 29, caput, do Código Penal.

Essas tratativas ocorreriam em grupos fechados no aplicativo de mensagens whatsapp, permitido somente a seus integrantes. O acesso a essas informações é de vital importância para as investigações, notadamente para identificar, de maneira precisa, qual o alcance da atuação desses empresários nessa intrincada estrutura de disseminação de notícias fraudulentas. Some-se a esses fatos os depoimentos prestados pelos Deputados Federais Alexandre Frota e Joice Hasselmann em 17/12/2019, que narraram a existência de um grupo organizado conhecido por Gabinete do Ódio, dedicado a disseminação de notícias falsas e ataques a diversas pessoas e autoridades, dentre elas o Supremo Tribunal Federal. Todos esses investigados teriam ligação direta ou indiretamente com o aludido Gabinete do Ódio.

Apresentou, ainda, os laudos periciais elaborados pela equipe de peritos designada nestes autos e, ao final, apontou a necessidade de diversas diligências.

………………..

As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como “Gabinete do Ódio”, dedicada a disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática. As informações até então acostadas aos autos, inclusive laudos técnicos, vão ao encontro dos depoimentos dos Deputados Federais ouvidos em juízo, que corroboram a suspeita da existência dessa associação criminosa, conforme se vê: Deputada Joice Cristina Hasselmann (fls. 4868-4871): (…) A depoente também pode constatar que o trabalho coordenador dessa organização por vezes se voltava contra o Supremo Tribunal Federal: quando surgia alguma postagem ou

hashtag ofensiva ao STF ou algum de seus membros, um dos integrantes do grupo retransmitia e em questão de minutos isso era disseminado pelas redes sociais e para inúmeros outros grupos, seja pela atuação de integrantes da organização, seja por utilização de robôs.

(…)

A cúpula dessa organização sabe trabalhar com a construção de narrativas, bem como os canais mais eficazes para sua rápida divulgação, contando para isso com o chamado “efeito manada” que atinge pequenos grupos e até indivíduos isolados, amplificando em nível nacional as mensagens ofensivas, calúnias e notícias falsas e de ódio contra inúmeras autoridades ou quaisquer pessoas que representem algum incômodo.

(…)

Deputado Alexandre Frota (fls.4872-4875): É do conhecimento do depoente a existência de grupos responsáveis pela criação e disseminação de notícias falas, ataques e mensagens de ódio a figuras e instituições públicas, incluído Deputados, Senadores e Ministros do Supremo Tribunal Federal, atuando de maneira coordenada. (…) O mesmo “modus operandi” foi adotado para atacar ministros do STF, notadamente o Ministro Gilmar Mendes. O impeachment deste nunca existiu na realidade, mas foi criado e disseminado virtualmente por esse grupo, alcançando enorme repercussão.

(…)

Outro fato que demonstra a existência de uma vasta organização é a disseminação quase que simultânea, em diversos perfis do Twitter, de estados muito distantes, e com textos idênticos, o que ao ver do depoente é prova cabal da utilização de robôs.

(…)

Outro exemplo de ação coordenada está no fato de que os mesmos perfis do Twitter que anteriormente o Ministro Dias Toffoli, chegando a pedir seu impeachment, subitamente pararam de fazê-lo, e passaram a mirar como alvo o Ministro Gilmar Mendes. Isso coincidiu claramente com o momento em que houve uma reunião institucional entre o Ministro Dias Toffoli e o Presidente da República.

(…)

O depoente confirma as referências que fez na CPMI a uma casa situada na QL 19, em Brasília, ocupada atualmente por Allan dos Santos, onde funciona um estúdio do site “Terça Livre” e que pode ser a “sede” da milícia de ataques virtuais.

Deputado Nereu Crispim (fls. 6355-6357): O depoente então percebeu que havia um movimento organizado, com várias ramificações, para atacar incessantemente a honra de qualquer pessoa que ousasse discordar da orientação desses grupos conservadores extremistas.

(…)

não só reproduzia as ofensas dirigidas ao depoente e a outras pessoas consideradas dissidentes, como também sistemáticos ataques às instituições, como o Supremo Tribunal Federal, o Senado e a Câmara dos Deputados, visando desmoralizá-las para em seguida pregar a desnecessidade de sua existência e, finalmente, alcançar uma ruptura constitucional.

Deputado Heitor Freire (fls. 5848-5850): É do conhecimento do depoente que Matheus Sales, Mateus Matos Diniz e Tercio Arnaud Tomaz, todos assessores especiais da Presidência da República, são os integrantes principais do chamado “Gabinete do Ódio”, que se especializou em produzir e distribuir Fake News contra diversas autoridades, personalidades e até integrantes do Supremo Tribunal Federal. Esse “gabinete” coordena nacional e regionalmente a propagação dessas mensagens falsas ou agressivas, contando para isso com a atuação interligada de uma grande quantidade de páginas nas redes sociais, que replicam quase instantaneamente as mensagens de interesse do “gabinete”. Essa organização conta com vários colaboradores nos diferentes Estados, a grande maioria sendo assessores de parlamentares federais e estaduais.

(…)

Esses assessores parlamentares administram diversas páginas nas redes sociais, incluindo grupos de Whatsapp, e por meio dessas páginas divulgam postagens ofensivas, quase sempre orientados pelo aludido grupo de assessores da Presidência.

(…)

Dentre esses ataques coordenados, o depoente salienta a postagem quase simultânea em diversas páginas do Facebook de um vídeo ofensivo ao Supremo Tribunal Federal, comparando-o a uma hiena que deveria ser fustigada por leões.

(…)

Esse esquema é repetido em diversos outros Estados, podendo o depoente referir-se expressamente a Paraíba, Bahia, Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul. Possivelmente essas filiais existam em todos os Estados da Federação.

Os investigados apontados na manifestação do Magistrado Instrutor teriam, em tese, ligação direta ou indireta com a associação criminosa e seu financiamento, pois, avaliando-se o teor de seus pronunciamentos e procedimento de divulgação em redes sociais, notam-se indícios de alinhamento de suas mensagens ilícitas com o suposto esquema narrado pelos parlamentares ouvidos nestes autos. A título de exemplo, destaco:

…………….

Como se vê de tudo até então apresentado, recaem sobre os indivíduos aqui identificados sérias suspeitas de que integrariam esse complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes e o Estado de Direito.

……………

Em face dessas provas juntadas aos autos, imprescindíveis a realização de novas diligências, inclusive com afastamento excepcional de garantias individuais que não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito (HC nº 70.814-5/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, DJ, 24-6-1994), pois como ensinado por DUGUIT:

“a norma de direito, por um lado, impõe a todos o respeito aos direitos de cada um, e em contrapartida, determina uma limitação sobre os direitos individuais, para assegurar a proteção aos direitos gerais” (Fundamentos do direito. São Paulo: Ícone Editora, 1996, p. 11 ss).

A proclamação dos direitos individuais nasceu para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela Constituição, sem, contudo desconhecer a obrigatoriedade das condutas individuais operarem dentro dos limites impostos pelo direito, conforme salientado por QUIROGA LAVIÉ (Derecho constitucional. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 123 ss).

Os direitos e garantias individuais, consequentemente, não são absolutos e ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas) e, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua.

……………

Na espécie, estão presentes os requisitos do artigo 240 do Código de Processo Penal, para a ordem judicial de busca e apreensão no domicílio pessoal e profissional, pois devidamente motivada em fundadas razões que, alicerçadas em indícios de autoria e materialidade criminosas, sinalizam a necessidade da medida para colher elementos de prova relacionados à prática de infrações penais.

A solicitação está circunscrita a pessoas físicas vinculadas aos fatos investigados e os locais da busca estão devidamente indicados, limitando-se aos endereços residenciais e profissionais dos supostos envolvidos. Nesse cenário, tenho por atendidos os pressupostos necessários ao afastamento da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, encontrando-se justificada a ação invasiva na procura de outras provas das condutas ora postas sob suspeita em relação a ALLAN LOPES DOS SANTOS, BERNARDO PIRES KUSTER, EDSON PIRES SALOMÃOEDUARDO FABRIS PORTELLA, ENZO LEONARDO SUZI MOMENTI, MARCELO STACHIN, MARCOS DOMINGUEZ BELLIZIA, RAFAEL MORENO, PAULO GONÇALVES BEZERRA, RODRIGO BARBOSA RIBEIRO, SARA FERNANDA GIROMINI, EDGARD GOMES CORONA, LUCIANO HANG, OTAVIO OSCAR FAKHOURY, REYNALDO BIANCHI JUNIOR e WINSTON RODRIGUES LIMA.

Ressalte-se, também, que toda essa estrutura, aparentemente, estaria sendo financiada por empresários que, conforme os indícios constantes dos autos, inclusive nos depoimentos dos parlamentares federais Nereu Crispim, Alexandre Frota e Joyce Hasselmann, atuariam de maneira velada fornecendo recursos – das mais variadas formas –, para os integrantes dessa organização.

O material constante nos autos, notadamente os citados depoimentos e o relatório de fls. 6302-6353 apontam as pessoas físicas de EDGARD GOMES CORONA, LUCIANO HANG, REYNALDO BIANCHI JUNIOR e WINSTON RODRIGUES LIMA como possíveis responsáveis pelo financiamento de inúmeras publicações e vídeos com conteúdo difamante e ofensivo ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL;  bem como mensagens defendendo a subversão da ordem e incentivando a quebra da normalidade institucional e democrática.

Também há informações de que os empresários aqui investigados integrariam um grupo autodenominado de “Brasil 200 Empresarial”, em que os participantes colaboram entre si para impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes.

Diante desse cenário desastroso e inacreditável, necessário que todas as forças democráticas e todas as instituições atuem incisivamente em defesa das liberdades e dos direitos, do bem comum, do interesse público, da normalidade civilizatória, da harmonia e independência entre os poderes da república e em combate, em todas às esferas, à essa espúria “parceria público-privada” denominada Gabinete do Ódio.

Abrem-se, portanto, frentes de atuação em todos os níveis – responsabilidade política, penal, civil, eleitoral e perante o controle externo – para identificar os responsáveis por esses atos inaceitáveis, identificar os financiadores da infraestrutura, os organizadores e apoiadores, de modo a individualizar as condutas e aplicar as sanções cabíveis previstas no sistema normativo.

Por sua vez, os fatos ocorridos demandam averiguação contundente no campo do controle externo, inclusive em razão de que as ações de controle externo e do inquérito acima comentado têm como fundamento a possível participação de recursos públicos na organização das atividades supostamente delituosas do Gabinete do Ódio, afigurando-se a necessidade de atuação no intuito de verificar a possível utilização de dinheiros do erário, mediante, por exemplo, a utilização de materiais, infraestrutura e mão de obra custeados pelos cofres públicos e colocados a disposição das atividades institucionais de eventuais agentes públicos envolvidos, como por exemplo os deputados federais cuja oitiva foi determina pelo Ministro Alexandre de Moraes (conforme itens 5 e 6 da decisão anexa):

  • A OITIVA de BEATRIZ KICIS TORRENTS DE SORDI (Deputada Federal, CPF 385.677.921-34), CARLA ZAMBELLI SALGADO ( Deputada Federal, CPF 013.355.946-71), DANIEL LÚCIO DA SILVEIRA (Deputado Federal, CPF 057.009.237.00), FILIPE BARROS BAPTISTA DE TOLEDO RIBEIRO (Deputado Federal, CPF 058.257.60911), GERALDO JUNIO DO AMARAL ( Deputado Federal, CPF 075.540.496-31), LUIZ PHILLIPE ORLEANS E BRAGANÇA (Deputado Federal, CPF 118.448.568-28), DOUGLAS GARCIA BISPO DOS SANTOS (Deputado Estadual/SP, CPF 405.600.068-96) e GILDEVANIO ILSO DOS SANTOS DINIZ (Deputado Estadual/SP, CPF 358.069.658-05), a ser realizada no prazo de 10 (dez) dias, pela autoridade policial designada nestes autos;
  • A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO para as redes sociais a fim de que sejam preservados todos os conteúdo das postagens dos usuários BEATRIZ KICIS TORRENTS DE SORDI, CARLA ZAMBELLI SALGADO, DANIEL LÚCIO DA SILVEIRA, FILIPE BARROS BAPTISTA DE TOLEDO RIBEIRO, GERALDO JUNIO DO AMARAL, LUIZ PHILLIPE ORLEANS E BRAGANÇA, DOUGLAS GARCIA BISPO DOS SANTOS e GILDEVANIO ILSO DOS SANTOS DINIZ;

Importa ao Tribunal de Contas da União apurar o eventual emprego irregular dos recursos no contexto da averiguação criminal em curso no STF, situação que, caso configurada, demanda a imprescindível atuação do controle no intuito de identificar os responsáveis, calcular o dano, adotar as providências necessárias à recomposição dos cofres públicos lesados e aplicar as sanções cabíveis, a exemplo de multa pecuniária e inabilitação para o exercício de cargo público.

Deve ser ressaltado que uma das possíveis irregularidades de que trata essa representação – a eventual utilização indevida de recursos públicos, que ocorreria mediante a utilização de materiais, infraestrutura e mão de obra custeados pelos cofres públicos e colocados à disposição das atividades institucionais de eventuais parlamentares envolvidos em criação, divulgação e organização de movimentos antidemocráticos, de ameaças às instituições e de disparos de fake news em redes sociais contra adversários políticos – também está sendo investigada em outras instâncias de controle, como a CPMI das Fake News e, além do Inquérito 4781/DF, no recém aberto inquérito para investigar a organização dos atos antidemocráticos do dia 19/4/2020, ambos relatados pelo Ministro Alexandre de Moraes.

Outra vertente da irrigação de dinheiros públicos para o esquema supostamente criminoso operado pelo Gabinete do Ódio é a utilização de verbas publicitárias de empresas públicas e sociedades de economia mista para monetizar sites e blogs que veiculam notícias falsas, a exemplo do decidido em relação ao Banco do Brasil em caráter cautelar nos autos do TC- 020.015/2020-8, razão pela qual a matéria ali investigada deve ser estendida a todas as estatais federais.

A extrema gravidade da viabilização financeira de sites e blogs propagadores de notícias fraudulentas com recursos de publicidade de empresas públicas – bem como a nocividade dessa prática para toda a sociedade e o risco que representa para a democracia – foi tratada de forma magistral na decisão do Ministro Bruno Dantas que suspendeu a publicidade do Banco do Brasil com esse viés, conforme excerto que se mostra definitivamente necessário transcrever a seguir, para viabilizar de forma didática a percepção do problema:

  1. A Constituição de 1988 expressa a liberdade de ir e vir, a liberdade de empreender, a liberdade de organização partidária, a liberdade religiosa, a liberdade do Brasil como nação. E dentro de todas essas liberdades expressamente está a liberdade de expressão.
  2. E assim como não pode haver uma falsa liberdade de ir e vir, uma falsa liberdade de organização política, uma falsa liberdade econômica, uma falsa liberdade religiosa e muito menos uma falsa liberdade do Brasil, não pode haver também uma falsa liberdade de imprensa, não pode haver uma liberdade de imprensa cerceada ou uma liberdade de imprensa que conviva com as falsas notícias, as chamadas fake news.
  3. A liberdade expressa na Constituição é um organismo só. Não pode ser mutilado. 28. Se retirarmos qualquer de suas liberdades, teremos a liberdade como um todo mutilada. Preservar a liberdade de expressão não é preservar o direito de livre manifestação do pensamento apenas ou a liberdade de imprensa. É preservar a liberdade como um todo. Que não pode ser mutilada em nenhuma de suas partes.
  4. E mais: a liberdade está associada também ao direito de fazer escolhas conscientes, de modo que, a partir do momento em que a população é ludibriada e manipulada por informações falsas, isso afeta diretamente seu direto de escolha.
  5. O tema das fake news vem ganhando força em todo o mundo, especialmente em virtude dos riscos à liberdade de imprensa e das relevantes repercussões eleitorais. 31. O termo fake news, ou notícia falsa, em português, é mais antigo do que aparenta. Segundo o dicionário Merriam-Webster, essa expressão é usada desde o final do século XIX. Embora o termo seja redigido em língua inglesa, se tornou popular em todo o mundo para denominar informações falsas que são publicadas, principalmente, em redes sociais. Em 2017, foi escolhida a palavra do ano pelo dicionário da Editora Britânica Collins.
  6. O critério para aferir a fake news é objetivo: o cotejo com a verdade. Diferente do viés, que é a interpretação do articulista sobre um fato existente.
  7. Uma das características das fake news é a utilização de montagens em vídeos e imagens. O usuário da internet é essencialmente visual. Por isso, uma foto manipulada ou fora de contexto pode ser facilmente divulgada como verdadeira. A manipulação de imagens existe há muito tempo, tendo sido comum, por exemplo, a intervenção em fotos oficiais do regime soviético, em meados do século XX (uma foto de Stalin, em 1926, passou por duas alterações para excluir os inimigos políticos).
  8. Na última eleição norte-americana, por exemplo, noticiou-se o apoio do Papa Francisco ao então candidato republicano – fato que veio a ser desmentido, posteriormente, pelo próprio Vaticano, quando a notícia já tinha surtido o efeito desejado.
  9. Importa notar que o poder de persuasão das fake news é ainda maior em populações com menor escolaridade e que dependem das redes sociais para obter informações. No entanto, as notícias falsas também podem alcançar pessoas com maior grau de estudo e instrução, já que o conteúdo está comumente ligado ao viés político.
  10. Pesquisas recentes revelaram que a sociedade brasileira é uma das que mais acredita em notícias falsas. Estudo realizado em 2018 pelo instituto Ipsos, intitulado “Fake news, filter bubbles, post-truth and trust”, mostrou que 62% dos entrevistados no Brasil admitiram ter acreditado em notícias que, posteriormente, mostraram-se falsas, ante uma média mundial de 48%.
  11. Para agravar o quadro, pesquisa realizada no Massachusetts Institute of Technology (MIT) em notícias distribuídas pelo Twitter entre 2006 e 2017 mostrou que notícias falsas têm 70% mais chances de serem retuitadas do que notícias verdadeiras (The spread of true and false news online. Soroush Vosoughi, Deb Roy, and Sinan Aral. MIT Iniciative on the Digital Economy. 2018.)
  12. O problema é que o cidadão comum fica extremamente vulnerável em face da disseminação coordenada de informações inverídicas, sem condições de checagem. E essa situação tem implicações sérias para a vida social, o processo eleitoral e, em último grau, à própria democracia.
  13. Com efeito, a maturidade da democracia depende da qualidade do diálogo, que tende a se deteriorar com a profusão de notícias falsas. O cidadão passa a tomar decisões fundamentadas em ilusões ou inverdades puras. Logo, o debate construtivo e o pluralismo cedem, e, com eles, o debate democrático.
  14. Ao estudar as experiências totalitárias do século XX, Hannah Arendt refletia sobre como a propaganda ideológica estatal tinha como base a manipulação do sentido de realidade das pessoas (“se todo mundo sempre mentir para você, a consequência não é que você vai acreditar em mentiras, mas sobretudo que ninguém passe a acreditar mais em nada”, afirmou em entrevista dada em 1974). Também George Orwell, na obra 1984, demonstrou como a divulgação de notícias falsas pelo aparato estatal mantinha as mentes e os corações da sociedade afetados e inebriados.
  15. Com efeito, a maturidade da democracia depende da qualidade do diálogo, que tende a se deteriorar com a profusão de notícias falsas. O cidadão passa a tomar decisões fundamentadas em ilusões ou inverdades puras. Logo, o debate construtivo e o pluralismo cedem, e, com eles, o debate democrático.
  16. Ao estudar as experiências totalitárias do século XX, Hannah Arendt refletia sobre como a propaganda ideológica estatal tinha como base a manipulação do sentido de realidade das pessoas (“se todo mundo sempre mentir para você, a consequência não é que você vai acreditar em mentiras, mas sobretudo que ninguém passe a acreditar mais em nada”, afirmou em entrevista dada em 1974). Também George Orwell, na obra 1984, demonstrou como a divulgação de notícias falsas pelo aparato estatal mantinha as mentes e os corações da sociedade afetados e inebriados.

Tendo em vista a abrangência da investigação da matéria de que trata esta representação, que perpassa outros órgãos de controle, convém ao TCU, nas medidas que vier a determinar no intuito de averiguar as supostas irregularidades ora narradas, solicitar o compartilhamento de informações ao Congresso Nacional, STF e Ministério Público Federal, no intuito de obter os elementos necessários à elucidação da eventual utilização indevida de recursos públicos para promover a suposta atuação delituosa do Gabinete do Ódio.

Além disso, há que se ressaltar que a decisão do Ministro Alexandre de Moraes ao determinar a quebra do sigilo fiscal e bancário dos investigados no Inquérito 4781/DF abrange o período iniciado em julho de 2018, ou seja, compreendendo o período eleitoral daquele ano, razão pela qual entendo que o compartilhamento de informações – ou, quiçá, a atuação conjunta da rede de controle – também deverá incluir o Ministério Público Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que ainda se encontram em curso as representações apresentadas no ano de 2018 em face da chapa vitoriosa para a presidência da república, conforme matéria publicada na Folha de São Paulo, algumas delas envolvendo disparos de fake news, matéria da presente representação (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/barroso-assume-tse-em-meio-a-acoes-que-miramchapa-bolsonaro-mourao.shtml):

Barroso assume TSE em meio a ações que miram chapa Bolsonaro-Mourão

……………..

Todas as representações apresentadas ainda em 2018 contra o atual chefe do Executivo ainda estão em tramitação na corte, enquanto as cinco ações contra seu principal adversário, Fernando Haddad (PT), já foram arquivadas.

Entre as acusações à chapa vencedora do último pleito estão disparo em massa de fake news financiado por caixa dois, abuso de poder econômico na instalação de outdoors e ataques hackers a adversários, entre outros.

Apenas uma já foi julgada improcedente pelos ministros, mas a apresentação de recurso foi aceita e o processo ainda não foi arquivado. Trata-se da representação em que o PT acusa Bolsonaro de ter sido beneficiado pela cobertura televisiva da Rede Record na campanha.

As duas ações baseadas em reportagem da Folha, que revelou um esquema de disseminação de informações falsas durante a campanha bancado por empresários sem a devida prestação de contas à Justiça Eleitoral, ainda não estão liberadas para julgamento.

O último despacho do relator, ministro Og Fernandes, foi em dezembro, quando pediu para as partes se manifestarem sobre as informações prestadas pelo WhatsApp, plataforma que teria sido usada no disparo das fake news.

A relação entre as investigações da difusão das notícias falsas ora sob investigação no STF e os seus reflexos na justiça eleitoral são assim analisadas pelo jornalista Merval Pereira, de O Globo (https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/pgr-merce-da-politica.html):

PGR à mercê da política

Por Merval Pereira

28/05/2020 • 04:31

O pedido extemporâneo do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, para que seja suspenso o inquérito sobre fake news aberto há um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) só tem explicação no clima de tensão que dominou o Palácio do Planalto com a operação de ontem da Polícia Federal contra apoiadores do presidente Bolsonaro.

Sendo assim, o Procurador-Geral coloca o Ministério Público à mercê da disputa política que ora se desenvolve no país, prejudicando sua credibilidade. Suas idas e vindas sobre o tema, apontadas pelo partido político Rede, demonstram que ele se deixou levar pelas incertezas da política, sem emitir pareceres técnicos. De olho grande na vaga do STF que abrirá em novembro, dizem seus críticos.

A cronologia dos fatos é impressionante. Quando assumiu o cargo, Aras discordou de sua antecessora, Raquel Dodge, que, em abril do ano passado, declarou-se contrária à abertura do inquérito sem a presença do Ministério Público, e deferiu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo Rede no sentido de suspendê-lo.

O novo Procurador-Geral, em outubro, manifestou-se pela validade do inquérito, e classificou de imprestável a ADPF. Ontem, seis meses depois, o mesmo Aras mudou de ideia e pediu a suspensão do inquérito baseado na mesma ação do Rede.

O presidente Bolsonaro já havia dito ao então ministro Sérgio Moro que o inquérito que abrangia parlamentares bolsonaristas era “mais um motivo para a mudança”, referindo-se à Polícia Federal.

A operação de busca e apreensão autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes nas casas dos investigados poderá revelar, através dos celulares e computadores, toda intrincada rede de montagem do que pode ser, segundo o STF, uma organização criminosa dedicada a espalhar mentiras, injúrias, difamações contra os adversários políticos e a disseminar noticias falsas com intuitos políticos.

Essa central de mentiras e difamação teria uma base instalada dentro do Palácio do Planalto, que os parlamentares ouvidos na investigação chamaram de “gabinete do ódio”. Assessores do governo comandam desde lá os ataques coordenados aos “inimigos”, e o principal orquestrador seria o vereador Carlos Bolsonaro, o 02 do presidente.

O ministro Alexandre de Moraes foi até mesmo cauteloso, e não aceitou o pedido para fazer busca e apreensão nas casas dos parlamentares investigados, que foram apenas intimados a depor.

Esse inquérito do Supremo Tribunal Federal sobre fake news tem ligações indiretas com as ações que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a campanha presidencial da chapa Bolsonaro-Mourão, acusada de ter se beneficiado de esquemas ilegais de distribuição de fake news e impulsionamentos de propagandas políticas de WhatsApp.

O temor do Planalto é que, como já está acontecendo, partidos políticos peçam para que o TSE incorpore as provas coletadas às ações em curso, ganhando dinâmica própria o pedido de impugnação da chapa.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, declarou-se surpreendido pela operação policial, mas foi informado pelo ministro Alexandre de Moraes, que abriu vista por uma semana para ele se manifestar sobre as diligências.

O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu à operação com um Twitter onde confunde ação penal com investigações. Afirmou que o STF não está cumprindo a Constituição, que diz que o Ministério Público é o dono da ação penal pública, mas essa questão já fora dirimida lá atrás, quando Raquel Dodge arquivou o processo justamente com esta argumentação.

O ministro Alexandre de Moraes decidiu que “o sistema acusatório de 1988 concedeu ao Ministério Público a privatividade da ação penal pública, porém não a estendeu às investigações penais”.

O Supremo, no momento, é que estabelece a maior barreira democrática para coibir os avanços autoritários do governo, atingindo uma coesão poucas vezes vistas. A Polícia Federal continua sob suspeita depois da interferência de Bolsonaro, e mesmo as ações de hoje podem ser atribuídas ao fato de o ministro Alexandre de Moraes não ter deixado que a nova administração trocasse os agentes que trabalham há quase um ano no inquérito.

O Legislativo, depois que o Centrão aderiu ao governo, está excessivamente cauteloso, tendo o presidente Rodrigo Maia perdido o controle do plenário. E a atitude cambiante do Procurador-Geral da República coloca em xeque também o Ministério Público. (Grifei)

– III –

Ante o exposto, este representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, com fulcro no artigo 81, inciso I, da Lei 8.443/1992, e no artigo 237 do Regimento Interno do TCU, requer ao Tribunal, pelas razões acima aduzidas, que:

  1. conheça desta representação a fim de que a Corte de Contas, no cumprimento de suas competências constitucionais de controle externo de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública federal, decida pela adoção das medidas necessárias para averiguar possível utilização indevida de recursos públicos no chamado “Gabinete do Ódio”, objeto de investigação penal no âmbito do Inquérito 4781/DF, perante o Supremo Tribunal Federal, por se tratar de suposta organização criminosa que se constituiria como uma espécie de “Parceria Público-Privada (PPP)”, ou um órgão de configuração jurídica não identificada, que funcionaria com o aporte de recursos públicos e privados e teria por “missão” a criação, divulgação e organização de movimentos antidemocráticos e de disparos de fake news em redes sociais contra adversários políticos com ameaças a autoridades e instituições;
  1. ao proceder a averiguação de que trata o item acima, adote os procedimentos necessários à investigação de pelo menos duas formas de utilização indevida de recursos públicos para as operações capitaneadas pelo Gabinete do Ódio:

b.1) a utilização de materiais, infraestrutura e mão de obra custeados pelos cofres públicos e colocados a disposição das atividades institucionais de eventuais agentes políticos envolvidos, como por exemplo as deputados federais cuja oitiva foi determina pelo Ministro Alexandre de Moraes nos autos do Inquérito 4781/DF;

b.2) a utilização de verbas publicitárias de órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, indireta e fundacional para monetizar sites e blogs que veiculam notícias falsas, a exemplo do decidido em relação ao Banco do Brasil em caráter cautelar nos autos do TC- 020.015/2020-8, razão pela qual a matéria ali investigada deve ser estendida a todas as estatais federais;

  1. decida por solicitar o compartilhamento de informações coligidas no âmbito da CPMI das Fake News e dos inquéritos em curso perante o Supremo Tribunal Federal (Inq 4781 sobre ataques ao STF e o recém aberto inquérito para investigar a organização dos atos antidemocráticos do dia 19/4/2020, ambos relatados pelo Ministro Alexandre de Moraes), no intuito de obter elementos necessários à averiguação das possíveis irregularidades ora sob representação;
  2. avalie a conveniência de acionar a rede de controle – por meio da área competente de inteligência da Secretaria do Tribunal de Contas da União –, de modo a se criar uma força tarefa de atuação conjunta entre o TCU, STF, TSE, Ministério Público Eleitoral e Ministério Público Federal, de modo a abranger todas as esferas de responsabilidade decorrentes da matéria de que trata a presente representação, na investigação, identificação de responsáveis e aplicação das sanções cabíveis decorrentes das operações supostamente irregulares e criminosas comandadas pelo Gabinete do Ódio.

Ministério Público, em 28 de maio de 2020.

(assinado eletronicamente)

Lucas Rocha Furtado

Subprocurador-Geral