Escapei por pouco. Já havia solicitado instruções para a concessão de um visto para o Irã. Afora as pendengas violentas contra o resto do mundo, o Irã é um lugar belíssimo. A ideia seria viajar até Doha, no Qatar, depois chegar a Bandar Abbas, já no Irã e viajar de trem até Teheran. O visto teria de ser solicitado eletronicamente e a resposta, no caso de ser aceito, apresentado assim que chegasse àquele país, em mais um desafio depois de haver chegado à idade onde o medo de ter o CPF cancelado inexiste.

A vida é para ser vivida ou, nesse caso, ainda que irresponsavelmente, ser afrontada. Sinto saudades das duas viagens ao Afeganistão e mesmo tenho consciência plena das inúmeras vezes que escapei de morrer em Kabul, tenho boas recordações dessas viagens. De Kabul, trouxe a amizade de uma pessoa maravilhosamente simpática, que era recepcionista do Kabul Star Hotel. É aqui que começa a história desse futuro adiado.

Não bastasse os perigos constantes da violência ainda distante de acabar, mesmo com as promessas frágeis de um tratado de paz entre os Estados Unidos e o Taleban, o Afeganistão começa a ser assolado com uma ameaça invisível de um inimigo universal: o corona vírus. Quando me comuniquei ontem, sábado, como a minha amiga Amena Khavari, de Kabul e perguntei sobre como o vírus do momento estava atingindo seu país, ela me respondeu: “dear Capi, o governo diz que apenas vinte e duas pessoas haviam sido reportadas como infectadas, mas que não entendia a razão do governo não querer dizer o número exato de pessoas infectadas…” – resto do mundo sabe, dear Amena.

Do Afeganistão, tentamos contatar com Huyn Linh, de Saigon, no Vietnã, hoje morando na Flórida. Fizemos a mesma pergunta e a resposta foi: “Dear Capi, as notícias são muito ruins, está tudo fechado em Saigon e minha família está muito amedrontada…”.

Do Sudeste da Ásia para a Europa, mais precisamente Firenze e Roma, as notícias são piores. Selma Pagneretti, cuja hospitalidade prometida em Firenze, ao longo da minha estrada para Teheran, no Sudoeste da Ásia, entre o Mar Cáspio e o Golfo Persico, fez-me triste relato: “Capi, hoje me arrumei toda, cheguei a me perfumar só para ficar na janela do meu apartamento e cantar com meus vizinhos, a única coisa que os italianos de bom senso podem fazer. É muito triste tudo aquilo que escutamos no noticiário e a sensação de estar presa dentro de casa sem poder sair para ir à cantina e fazer compras para o café e almoço. Pior é saber do número de mortos que só hoje (ontem, sábado) ultrapassou a casa de 800… Aflição é não sabermos quando tudo isso vai acabar e não poder voltar ao Brasil ou receber nenhum amigo que venha de onde vier. É preciso fazer o que fiz para não perder a esperança e não sucumbir à depressão…”

De Firenze, passamos ao que nos escreveu, Laura Sensi, direto de Roma, onde também havia uma promessa de sermos acolhidos em sua casa: “Nós, italianos, somos um povo individualista que quase não se curva a proibições.É a nossa grande falha, especialmente em momentos como este.
No entanto, devo dizer que o silêncio e o que posso ver olhando da varanda da minha casa é reconfortante: quase ninguém está por perto. Apenas alguns transeuntes que retornam das compras, alguns que trazem o cachorro para fazer xixi e alguns carros raros: o toque de recolher é como se você estivesse em guerra. Quem é pego sem permissão é denunciado e corre o risco de ser preso.
Houve muitas queixas porque a inconsciência é grande e, como dizemos na Itália, a mãe dos idiotas está sempre grávida! Mas estamos em guerra!
O inimigo é invisível e sutil. Nós o subestimamos e, em seguida, acionamos o alarme para a Europa de que ainda poderia limitar o dano, mas que preferia não fingir que nada estava acontecendo. Temos que ficar em casa, evitar ficar perto dos outros, vestir luvas para sair e lavar as mãos por um longo tempo ao retornar ou usar desinfetantes enquanto estiver do lado de fora.
Limpando superfícies que podem ser poluídas, como telefones celulares, as partes do carro em que tocamos com luvas e onde o vírus pode permanecer por muito tempo e … espero que ele passe em breve.

Roma é uma cidade cheia de vida e, embora eu sempre tenha sonhado em ver a Piazza di Spagna, a Piazza Navona e suas mil belezas sem as pessoas que se aglomeravam, agora mal posso esperar pela normalidade, barulho e as pessoas voltarem à rua …
Que o resto do mundo valorize nossa triste experiência”

O mais triste foi o testemunho do amigo Antonio Martins, colega da ANJ, capitulo Técnico, que enquanto me dizia da tristeza desse confinamento, me pediu: “Capiba, ainda há pouco, minha filha de nove anos veio aqui e me perguntou: – pai, quer dizer que nunca mais vou poder descer e brincar com as minhas amiguinhas? Amigo estou sem condições de continuar aqui, não quero que ela me veja chorando enquanto lhe escrevo esta mensagem…”

A.Capibaribe Neto

Especial para o Blog do Edison Silva