É advogado, jurista, escritor e compositor. Foi ministro (1992/2010) e presidente (2008/2010) do Superior Tribunal de Justiça, ministro e corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (2005/2007) e corregedor do CNJ (2007/2008). É membro vitalício da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

É lição antiga e constante dos juristas administrativistas, sem exceção assinalável, que a competência do agente é um dos requisitos ou uma das condições de validade dos atos do poder público, quaisquer que sejam. Isso quer dizer que, se o agente carece de competência para a prática do ato e, mesmo assim, o pratica, incide no cometimento de conduta inválida, que poderá ser desconstituída pelo seu superior hierárquico ou, ainda, anulada mediante ação própria do Poder Judiciário.

Isso ocorre, no entanto, somente quando a ação administrativa tiver sido praticada em um contexto de normalidade, regularidade ou ordinariedade. Por conseguinte, quando o atuar administrativo se der em ambiências excepcionais, emergenciais ou de urgência, devidamente caracterizadas, a análise do requisito da competência pode ser relativizada levando-se em conta as circunstâncias de tempo, lugar e modo da necessidade de incidência da intervenção administrativa.

Nas estruturas políticas e constitucionais dos Estados que se organizam pelos padrões federativos — apesar das inegáveis diferenças que se encontram entre as diversas concepções dessa mesma forma estatal — verifica-se a convivência de ordens jurídicas peculiares, sobre as mesmas populações e o mesmo território: a ordem federal, as estaduais e, no singular caso brasileiro, as municipais. A interação dessas ordens pode gerar atritos e conflitos, já que não há hierarquia entre elas, mas sim a repartição de suas competências, em termos constitucionais rígidos, somente alteráveis por emendas aprovadas em complexo procedimento.

Cada um dos entes da federação — União, estados e municípios — tem as suas competências discriminadas na Constituição, e, quando operam nesses âmbitos, não há hierarquias entre eles. Em todos os Estados federais, a maior arte é manter as suas unidades em harmonia, por meio de medidas de coordenação e supervisão, incentivando a forma cooperativa de federação, como é o caso brasileiro. Nesse modelo, somente poderão atrair e legitimar intervenções corretivas da União os casos de graves perturbações materiais ou de deformações estruturais relevantes.

Quando as autoridades se deparam com situações concretas de grandes desafios, a competência para conjurá-las cabe, de imediato, aos agentes que por primeiro ou diretamente as enfrentam, pelo que podem — e devem — adotar as medidas que sejam eficazes para impedir o seu alastramento. Penso que a questão da competência regular cede o passo diante das emergências e das urgências manifestas. Não se pode esperar que as autoridades somente ajam em condições de plena normalidade.

Se fosse admissível uma comparação, poder-se-ia dizer que a urgência é contexto similar ao da legítima defesa própria ou do desforço incontinenti da posse.

Em qualquer sistema federativo, o mais importante fator é o da preservação da harmonia entre as partes federadas, sem impedimentos à competência de cada um dos entes, dentro dos espaços constitucionais que lhes são reservados. É verdade que certas peculiaridades históricas, como a tradição imperial, no caso do Brasil, podem pressionar o sistema no rumo do unitarismo ou do centralismo, que tende a ampliar os poderes e as competências na União, em detrimento da autonomia dos Estados. Mas essa tensão não pode ser jamais resolvida por meio de restrições orçamentárias (repasses da União), por exemplo, que tendem somente a exponencializar tais episódios e criar um ambiente de recíprocas desconfianças.

A federação brasileira é um legado dos patriarcas republicanos e o seu fundamento essencial está na lei da autonomia e da participação, orientada pela Constituição e gerida pela prudência e sabedoria dos líderes nacionais e dos estaduais.

Um bom antídoto contra a tendência ao centralismo, que se nota nas federações contemporâneas, é incrementar o diálogo respeitoso e cooperativo entre as pessoas federadas, com respeito às autonomias e às competências de cada qual. Alimentar tensões ou radicalizar pontos de vista não conduz a nenhuma solução e somente contribui para multiplicar os focos de dissensos.

Do site ConJur.