Pela primeira vez, nos últimos anos, o Diário Oficial do Estado é editado em um dia de domingo e ainda mais no período carnavalesco. Ontem (23), no fim do dia, saiu uma edição do Diário Oficial, ordenando a abertura de processo disciplinar contra alguns policiais militares que estão participando de paralisação, com a tomada de alguns quarteis. No dia anterior, sábado (22), o mesmo Diário Oficial foi editado, com apenas uma página, para uma retificação.

Levando-se em consideração o número total de policiais, no Ceará, os amotinados que têm motivado a intranquilidade da população cearense são realmente poucos, aproximadamente uns 500, admitem integrantes da segurança estadual.

Nesta edição de domingo, com mais de 20 páginas, o tema é um só: instauração de processo disciplinar contra militares, após uma série de considerandos para justificar cada uma das medidas.

Leia a parte inicial dos considerandos:  PORTARIA Nº109/2020 – CGD – CONTROLADORA GERAL DE DISCIPLINA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 3º, I e IV c/c art. 5º, I e XV, da Lei Complementar nº 98, de 13 de junho de 2011; CONSIDERANDO os fatos constantes na documentação protocolada sob o SISPROC nº 200198025-0, que trata da Comunicação Interna nº 121/2020, datado de 23/02/2020, oriundo da Coordenadoria de Inteligência da CGD, encaminhando Relatório Técnico n.º 119/2020, com mídia, constando informações acerca da veiculação de um vídeo divulgado na página do Facebook onde aparece o CB PM PAULO JOSÉ MONTEIRO DA CUNHA lotado na COTAR aderindo ao movimento de paralisação e se juntando aos amotinados no quartel do 18º BPM, uniformizado e fazendo discurso inflamado para os presentes, onde tece críticas ao Governador do Estado e aos Oficiais da Polícia Militar, bem como incita aos demais policiais do BP Choque a se juntarem aos amotinados; CONSIDERANDO a documentação constante dos autos reuniu indícios de materialidade e autoria, demonstrando, em tese, a ocorrência de conduta capitulada como infração disciplinar por parte do militar acima citado; CONSIDERANDO assim, tem-se como presentes os requisitos para a abertura de procedimento administrativo disciplinar (Conselho de Disciplina) que, sob o crivo do contraditório, apurará possível irregularidade funcional praticada pelo agente público; CONSIDERANDO que os Militares, por força de previsão constitucional, submetem-se aos valores da hierarquia e da disciplina, sendo estas próprias da atividade militar (art. 42, § 1º, c/c art. 142, CF), resguardando o prestígio da instituição a que compõem. Neste contexto, o Código Disciplinar da Polícia Militar Estadual (Lei nº 13.407/2003) prescreve que “a ofensa aos valores e aos deveres vulnera a disciplina militar, constituindo infração administrativa, penal ou civil, isolada ou cumulativamente” (art. 11, Lei nº 13.407/2003). Além do mais, em seu art. 8º, § 3º, dispõe que “aos militares do Estado da ativa são proibidas manifestações coletivas sobre atos de superiores, de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário, sujeitando-se as manifestações de caráter individual aos preceitos deste Código”; CONSIDERANDO a premissa constitucional, assim como a regulamentação legal pertinente, tem-se a necessidade de obediência ao disciplinamento concernente a atividade militar e ao acatamento das determinações oriundas do superior hierárquico. Isso decorre do fato de que “a disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida militar da ativa, da reserva remunerada e reformados”, sendo que “como a chefia dos Poderes Executivo Federal e Estadual, compete ao Presidente da República e aos governadores, qualquer crítica da parte de militares (federais ou estaduais) contra atos do governo, acaba por ferir a disciplina militar, objeto da tutela penal” (ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar. 7ª ed., rev. e atual., p. 349); CONSIDERANDO que o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais assentou: “A censura pública, dirigida por qualquer policial militar, ao Governador e aos chefes Militares do Estado é manifestamente contrária à disciplina e à hierarquia, induzindo no âmago da Polícia Militar a desordem e a desmoralização. Não deve ser considerada apenas como transgressão disciplinar, mas sujeita o seu autor à penalidade mais severa, especificada no Código Penal Militar (CPM, art. 166).” (TJM/ MG, Processo de Competência Originária do TJM 08, Rel. p/ Acórdão Juiz Cel. PM Paulo Duarte Pereira, j. em 20/08/1996, DJ 19/11/1996); CONSIDERANDO o Superior Tribunal Militar, analisando a legitimidade da atuação sancionatória estatal quanto a manifestações críticas de militares, terminou por observar que: “Pratica o crime previsto no art. 166, do CPM, o militar que, livre e conscientemente, dirige críticas indevidas, sabidamente inverídicas, a seu superior hierárquico, de modo a ser percebido por indeterminado número de pessoas. ‘Trata-se de ato de insubordinação e de indisciplina, que não
podia deixar de ser punido como crime previsto no capítulo referente à insubordinação…’ (Sílvio Martins Teixeira)” (STM, Apelação(FO) nº 48033-1/ PE, Rel. Min. Sérgio Xavier Ferolla, j. em 14/05/1998, DJ 17/06/1998). Em outro julgado reafirmou essa compreensão: “Comprovada a incidência do agente no tipo previsto no artigo 166 do CPM, que confessou ter veiculado em blog pessoal e sites da internet matérias com conteúdo crítico a superior hierárquico e à disciplina da organização militar” (STM, Apelação nº 125-81.2011.7.03..0203/RS, Rel. Min. Artur Vidigal de Oliveira, Red. p/ Acórdão Min. Marcos Martins Torres, j. em 12/06/2013, DJ 06/08/2013); CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal veio a decidir: “Comprovada a incidência do agente no tipo previsto no artigo 166 do CPM, que confessou ter veiculado em blog pessoal e sites da internet matérias com conteúdo crítico a superior hierárquico e à disciplina da organização militar” (STF, Decisão monocrática, ARE nº 1.198.361, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 06/05/2019, DJe-095 div. 08/05/2019 pub. 09/05/2019); CONSIDERANDO que parecer de 07/02/2019, emitido pela Procuradoria Geral da República, nos autos da ADPF nº 475/DF: “… 2. A disciplina e hierarquia são vetores constitucionais estruturantes das instituições militares e conformadores de todas as suas atividades. Não são meros predicados institucionais, mas verdadeiros pilares que distinguem as organizações militares das demais organizações civis ou sociais. Esse regime jurídico especialíssimo diferencia, em termos de exercício dos direitos individuais, os militares dos servidores públicos civis e demais cidadãos. Precedentes. 3. A manifestação pública de crítica a superior hierárquico ou a assunto atinente à disciplina militar, além de romper com a disciplina e hierarquia, coloca em descrédito a própria instituição militar. Por tal motivo, é natural uma maior rigidez para o militar expressar sua opinião acerca de temas atinentes à esfera castrense. 4. A relação especial de sujeição militar, pautada na disciplina e na hierarquia, impõe restrições ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação, que têm o seu âmbito de proteção reduzido para preservar a integridade da instituição militar. 5. Eventuais abusos no exercício do direito à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento que impliquem ruptura com a disciplina e hierarquia militar e consequente descrédito da instituição devem ser examinados caso a caso e não por fórmula generalizada que reconheça a atipicidade de toda e qualquer conduta baseada na liberdade de expressão ou de informação”; CONSIDERANDO que, deste modo, tem-se como justificada a instauração de instrumento processual que, sob o crivo do contraditório, na esfera administrativa apurará possível irregularidade funcional praticada pelo agente público; CONSIDERANDO que, no tange ao mecanismo processual adequado, deve-se considerar que os atos administrativos devem ser pautados no princípio da proporcionalidade, o qual “… radica seu conteúdo na noção segundo o qual deve a sanção disciplinar guardar adequação à falta cometida”, de modo que “as sanções disciplinares, para que se definam como legais e legítimas, devem ser impostas em direta sintonia com o princípio da proporcionalidade. Este assinala que deva haver uma necessária correspondência entre a transgressão cometida e a pena a ser imposta” (COSTA, José Armando da. Processo administrativo disciplinar: teoria e prática, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 64-65); CONSIDERANDO que a Lei nº 13.407/2003, em seu art. 13, § 1º, LVII, dispõe ser transgressão disciplinar de natureza grave o fato de o militar “comparecer ou tomar parte de movimento reivindicatório, no qual os participantes portem qualquer tipo de armamento, ou participar de greve”; CONSIDERANDO a Constituição Federal, ao disciplinar o direito de greve, assegura-lhe ao servidor público civil, o qual está autorizado, inclusive, a associar-se em entidade sindical (art. 37, VI, CF/88). No entanto, questão diversa se dá com o militar, posto que, quanto ao mesmo, resta vedada “a sindicalização e a greve” (art. 142, § 3º, IV, CF/88); CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de afirmar que não se faz possível aos servidores integrantes das carreiras de segurança pública o exercício de greve ante a especial atividade por eles exercida. Neste sentido tem-se o seguinte precedente: “CONSTITUCIONAL. GARANTIA DA SEGURANÇA INTERNA, ORDEM PÚBLICA E PAZ SOCIAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DOS ART. 9º, § 1º, ART. 37, VII, E ART. 144, DA CF. VEDAÇÃO ABSOLUTA AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE AOS SERVIDORES PÚBLICOS INTEGRANTES DAS CARREIRAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. 1.A atividade policial é carreira de Estado imprescindível a manutenção da normalidade democrática, sendo impossível sua complementação ou substituição pela atividade privada. A carreira policial é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. E o Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A Constituição Federal não permite. 2.Aparente colisão de direitos. Prevalência do interesse público e social na manutenção da segurança interna, da ordem pública e da paz social sobre o interesse individual de determinada categoria de servidores públicos. Impossibilidade absoluta do exercício do direito de greve às carreiras policiais. Interpretação teleológica do texto constitucional, em especial dos artigos 9º, § 1º, 37, VII e 144. 3. Recurso provido, com afirmação de tese de repercussão geral: