Filomeno Moraes é cientista político, professor universitário, doutor em Direito e livre-docente em Ciência Política. Foto: Divulgação.

O Brasil, apesar de possuir uma tradição de constituições analíticas, que se inicia com a Constituição do Império e prossegue, a partir de 1891, com as constituições republicanas, pelo menos no que concerne ao sistema de governo, tem nas práxis políticas uma fonte por excelência de criação institucional.

No Império, a partir dos anos 40 do século XIX, deu-se à luz o parlamentarismo, que se institucionalizou paralelamente ao ordenamento jurídico-constitucional formal. Sob a Constituição Federal vigente, afirmou-se o padrão de governança que, Sérgio Abranches, no ano da promulgação do texto constitucional, denominou “presidencialismo de coalizão” e que já  foi objeto de substantiva literatura, em que se destrinçaram as suas vantagens e as suas desvantagens, as suas potencialidades e as suas taras, os seus dilemas e as suas perplexidades. De uma parte, foi considerado politicamente virtuoso, por evitar a doença da paralisia decisória e por dar solução à problemática de presidentes partidariamente minoritários; por outra parte, atribuiu-se-lhe responsabilidade por males terríveis, como a corrupção, a personalização do poder, a deterioração do sistema partidário, a balcanização do Estado.

Instituições informais não são novidades, nem aqui nem em outros países. Nos Estados Unidos, a partir do caso “Marbury versus Madison”, à margem da Constituição de 1787 desenvolveu-se o controle jurisdicional de constitucionalidade. Por sua vez, em relação às novas democracias políticas, o Brasil incluído, e a par das instituições formais, Guillermo O’Donnell já remarcava a existência de uma outra, “informal, permanente o ubíqua: o particularismo (ou o clientelismo, definido de forma ampla). E chamava a atenção para que, em contraste com os períodos de autoritarismo, “hoje o particularismo coexiste em uma instável tensão com, e na vigência delas, as normas e instituições formais” do complexo institucional da democracia política.

Assim, de uns tempos para cá, embora timidamente, observadores da cena política nacional têm sugerido a formação de algo que se assemelha a um semipresidencialismo – ou semiparlamentarismo – informal. Ainda no segundo governo Dilma Rousseff, Murillo de Aragão acentuava que “as razões para que a independência do Congresso se revele como um sistema ‘semiparlamentarista’ não são novas”. Primeiro, “estão presentes na Constituição” e, depois, “o Congresso demorou a reagir à tradicional hegemonia do Executivo, mas compreendeu que tem poderes que o põem em situação de igualdade e até mesmo de superioridade ante o Executivo” (jornal O Estado de S. Paulo, 31/3/2015).

Durante a sessão legislativa do ano passado, pareceu vislumbrar-se a institucionalização informal de um semipresidencialismo/semiparlamentarismo, como tentativa de acomodação da política em decorrência da crise do presidencialismo de coalizão, que, por cerca de vinte anos, permitiu para o bem e para o mal a governabilidade, com os consectários de razoável estabilidade política e econômica. Marcou, pois, os dois governos de Fernando Henrique Cardoso, os dois de Luís Inácio Lula da Silva e o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Depois das duas décadas, veio a crise: entre 2013 e 2016, a emergência dos “novíssimos sujeitos coletivos nas ruas”, com manifestações e protestos, o problemático segundo mandato da Dilma, o “impeachment”, o governo Michel Temer e a terra politicamente devastada destes tempos bolsonaristas.

O sistema de governo (ou a sua falta) que se desenrola no país, desde que inaugurada a presidência de Jair Bolsonaro, já foi denominado por analistas políticos sistemáticos de “presidencialismo do desleixo” (Fernando Limongi), “presidencialismo de colisão” (José Serra), “presidencialismo plebiscitário” (Carlos Pereira), “uma coisa montada para a morte” (Jessé Souza), e por aí vai. Convém lembrar que já se afirmou que, no Brasil, quando se espera o inevitável, ocorre o imprevisível. Destarte, não é desprezível o papel que o Congresso Nacional vem exercitando, com crescente autonomia, e, ao fim e ao cabo, evitando as tentativas de implantação de um presidencialismo do desleixo, de colisão, plebiscitário ou montado na morte.

Filomeno Moraes

Cientista político. Professor universitário. Doutor em Direito e livre-docente em Ciência Política.

  • Artigo publicado no site Segunda Opinião.