Ao considerar satisfatórias as informações prestadas pela UIF, o ministro Dias Tofolli ressaltou que o STF não realizou o cadastro e não acessou os relatórios de inteligência. Foto: STF.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, anulou decisão dele próprio na qual solicitava informações à Receita Federal e ao antigo Coaf, atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF), que lhe deu acesso a mais de 600 mil dados de contribuintes.

Na prática, o Coaf, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira, enviou a Toffoli uma chave de acesso ao seu sistema eletrônico para que o ministro pudesse consultar 19.441 RIFs elaborados de outubro de 2016 a outubro de 2019.

“Diante das informações satisfatoriamente prestadas pela UIF, em atendimento ao pedido dessa corte, em 15/11/19, torno sem efeito a decisão na parte em que foram solicitadas, em 25/10/19, cópia dos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs), expedidos nos últimos três anos”, afirmou Toffoli em nova decisão, nesta segunda-feira (18).

Toffoli afirmou ainda que “não realizou o cadastro necessário e jamais acessou os relatórios de inteligência”, decidiu Toffoli.

Pedido Negado
Na sexta-feira (15), o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a reconsideração. Toffoli, então, negou o pedido para reconsiderar decisão. Segundo ele, os documentos solicitados já foram disponibilizados, em forma de representações fiscais para fins penais (RFFP), a todo o sistema de Justiça.

“Portanto, ao assim proceder, prestando essas informações à corte, a Receita Federal do Brasil demonstrou transparência ao comunicar os destinatários das suas ações, o que, nem de longe, caracterizaria uma medida desproporcional e invasiva”.

Em junho, Toffoli, suspendeu todos os processos judiciais em que dados bancários de investigados foram compartilhados por órgãos de controle sem autorização do Poder Judiciário. O caso corre em segredo de Justiça.

O tema deve movimentar o mundo jurídico no Recurso Extraordinário 1.055.941 com repercussão geral reconhecida (Tema 990) no próximo dia 20 de novembro. O processo diz respeito a suspensão nacional de todos os processos judiciais em andamento cujas investigações usaram — sem autorização judicial e para fins penais — dados fiscais e bancários de contribuintes.

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RE 1.055.941

Augusto Aras

Em manifestação protocolada ainda nesta segunda-feira (18), o procurador-geral da República, Augusto Aras, respondeu as considerações feitas pelo ministro Dias Tofolli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), acerca do compartilhamento de informações entre a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e órgãos de persecução penal, objeto de recurso extraordinário a ser julgado na quarta-feira (20) pela Suprema Corte. De forma didática, o documento detalha o procedimento estabelecido na Lei 9.613/1998 e também em recomendações internacionais. Na última sexta-feira (15), o presidente do STF solicitou informações ao MPF sobre a forma de acesso a Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) e Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP), expedidos nos últimos três anos pela UIF, antigo Coaf, e pela Receita Federal.

Além de demonstrar preocupação com as consequências de um eventual julgamento que restrinja o compartilhamento das informações para a política econômica do Brasil, sobretudo nas relações externas, o procurador-geral destaca três premissas fundamentais acerca do tema. Para Augusto Aras, a UIF atua no âmbito do dever do Estado de promover segurança nacional por meio do enfrentamento de crimes como narcotráfico e lavagem de dinheiro. A segunda premissa mencionada é a de que, assim como as colaborações premiadas, os RIFs não constituem, isoladamente, meios de prova. Já a terceira considera o fato de que nenhum agente público tem acesso amplo e irrestrito a dados de inteligência, sendo obrigatória a identificação da autoridade em cada consulta.

No documento, o PGR destaca que, por lei (artigo 9º da Lei 9.613/1998), os chamados setores obrigados – que incluem as instituições financeiras –, devem comunicar à Unidade de Inteligência Financeira operações realizadas por seus clientes em duas situações: nos casos de transações em espécie acima de valor estabelecido em norma específica (comunicação de operação em espécie), e quando se verificar a existências de indícios de lavagem de dinheiro, de financiamento do terrorismo ou de outros ilícitos (comunicação de operações suspeitas – COS). Nessa última hipótese, ao fazer a comunicação oficial, o setor obrigado deve apresentar informações necessárias para demonstrar que se trata de situação suspeita.

Após receber os dados, cabe à UIF analisar as informações e, se for o caso, consolidá-las em Relatórios de Inteligência Financeira, que são repassados às autoridades competentes para proceder eventual investigação. Augusto Aras deixa claro que as comunicações não incluem extratos completos de transações financeiras de um determinado cliente, apenas fornecem dados referentes a situações que foram consideradas atípicas ou suspeitas e que envolvem indícios de recursos provenientes de atividades ilícitas. “É tecnicamente impossível ao órgão realizar qualquer tipo de “devassa” em movimentações bancárias alheias, até porque sequer possui acesso a essas informações”, pontua em um dos trechos, reiterando que o envio de informações segue regramento positivado em legislação.

Em outro trecho, o procurador-geral explica que os RIFs são encaminhados ao Ministério Público pelo Sistema Eletrônico de Intercâmbio do Coaf (SEI-C) e do Sistema Único, do Ministério Público Federal (MPF), sempre de forma automática, em meio eletrônico seguro e com uso de canal de comunicação criptografado. No caso dos RIFs destinados ao MPF, assim que é registrado no sistema, o documento é classificado como sigiloso, de forma que apenas o procurador responsável pelo caso tenha acesso às informações. “O Ministério Público Federal respeita as regras vigentes relativas à segurança e confidencialidade das informações recebidas, assegurando que o acesso às suas instalações e informações, inclusive aos sistemas de tecnologia da informação, seja limitado”, garante o PGR, reiterando que a instituição respeita a Recomendação 29 do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) quanto à necessidade de proteção dos dados.

O PGR informou, ainda, que nos últimos três anos, o Ministério Público foi o destinatário de 972 RIFs, todos enviados de forma espontânea pela UIF, das quais, 362, em 2017; 339 em 2018 e 271, este ano. Também explica que, em relação ao intercâmbio de informações entre autoridades competentes  –segunda origem de informações recebidas pela UIF – os membros do Ministério Público com atuação temática precisam preencher, assinar e submeter à UIF formulário próprio antes de ter acesso a qualquer informação. Augusto Aras enfatiza que, nesses casos, embora se utilize a expressão RIF a pedido, não se trata de relatório feito sob encomenda. Ao contrário: “Segue sendo uma atuação desempenhada ex-ofício” pela Unidade de Inteligência Financeira.

Ainda em relação à regularidade da atuação dos membros do Ministério Público Federal em procedimentos que contam com dados de RIFs e de representações fiscais elaboradas pela Receita Federal, e em nome da transparência que pauta a instituição, o procurador-geral afirma ter solicitado informações à Corregedoria do MPF. Também esclarece que “a atividade de intercâmbio de informações entre UIF e autoridades competentes não permite a ampliação ou o direcionamento arbitrário das informações financeiras, mas, tão somente, a mera correção de eventuais erros materiais”. Por fim, reitera o compromisso do Ministério Público brasileiro com o sistema antilavagem consolidado nos últimos anos no Brasil, em respeito a princípio republicano e aos direitos fundamentais.

Fonte: Site Cojur e Site do MPF.