Audiência pública na Câmara dos Deputados com a participação de representante da Procuradoria-Geral da República. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A apologia à ditadura militar já é crime no Brasil, previsto na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/50) e no próprio Código Penal (artigo 287). Foi o que defendeu a coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (2CCR), a suprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, em audiência pública realizada na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, na última semana. O encontro discutiu o Projeto de Lei 980/15 e propostas apensas, que pretendem incluir no Código Penal a tipificação do crime de apologia ao regime da ditadura militar e à tortura, além de proibir as comemorações do golpe no âmbito da Administração Pública Federal.

Em sua apresentação, Luiza Frischeisen afirmou que a Lei de Segurança Nacional já define como crime a propaganda pública de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social (artigo 22). No artigo 23, a norma diz que é crime a incitação à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou instituições civis. Nos dois casos, as penas podem chegar a quatro anos de reclusão. Frischeisen lembrou que, no ano passado, foram abertos inquéritos policiais com base na Lei de Segurança Nacional para investigar a conduta de pessoas que fizeram apologia à ditadura militar durante a greve dos caminhoneiros. Segundo ela, é preciso verificar se legislação existente já não seria suficiente para combater o problema.

Para a subprocuradora-geral, a liberdade de expressão prevista na Constituição não pode ser invocada para proteger discursos que pregam a destruição do Estado Democrático de Direito, garantidor da própria liberdade de expressão. Isso seria uma contradição e definiria o limite da tolerância, segundo ela. Frischeisen citou como exemplo a tradição jurídica alemã, que criminaliza não só a apologia ao nazismo, mas também a existência de partidos neonazistas e a negação do holocausto. Mesmo na tradição americana, que preconiza a ampla liberdade de expressão, há punição para apologia ao crime.

De acordo com Bruno Leal, doutor em História Social, dez países europeus já possuem leis que criminalizam o negacionismo do holocausto, uma vertente importante da apologia a regimes ditatoriais. Há ainda decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos nesse sentido, como lembrou Frischeisen. Mas apenas a legislação não seria suficiente para combater o problema: é preciso adotar ações mais amplas, educativas e de preservação da memória com o objetivo de evitar a repetição dos crimes do passado.

Justiça de Transição – A subprocuradora-geral da República apresentou as ações do MPF na busca por Justiça de Transição no Brasil. O termo criado pela Organizações das Nações Unidas define o conjunto de medidas, judiciais ou não, necessárias para enfrentar o legado de violência em massa de regimes autoritários. Compreende ações de persecução penal dos crimes cometidos, de preservação da memória e da verdade, de fortalecimento das instituições democráticas e da não repetição de atrocidades.

A busca pela persecução penal dos crimes da ditadura militar é um dos principais focos do trabalho do MPF na Justiça de Transição. No julgamento do caso Gomes Lund, em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a apurar e denunciar, no campo criminal, os atos ilícitos cometidos por agentes do Estado durante o período. Mas, segundo Frischeisen, o trabalho de dar efetividade à sentença ainda esbarra em dois aspectos: a suposta prescrição dos crimes, já afastada pela CIDH – por se tratar de crimes contra a humanidade, e a Lei de Anistia, que, segundo o entendimento de alguns juízes, anistiaria também os crimes cometidos por agentes do governo. Para ela, a Lei de Anistia não se aplica aos agentes do Estado, mas isso ainda está pendente de decisão pelo STF.

O MPF já instaurou 40 ações para punir crimes da ditadura. Além disso, há iniciativas que buscam garantir o direito à memória e à verdade, com preservação de lugares históricos e de depoimentos, com também preconiza a condenação do Brasil no Caso Gomes Lund. Esse trabalho é desenvolvido pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em parceria com as Câmaras Criminal (2CCR) e de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR). Conheça a atuação no site http://www.justicadetransicao.mpf.mp.br/ .

Do site do MPF