Professor Filomeno Moraes. Foto: Ares Soares/JPG.

Celebra-se por estes dias o centenário de nascimento de Virgílio Távora. Oriundo de uma família direcionada para as carreiras das armas e da política. Seu pai, Fernandes Távora, líder da Revolução de 1930 no Ceará, deputado estadual, deputado federal, interventor e senador da República, teve, entre outros irmãos, Joaquim Távora, que faleceu em 1924, em São Paulo, algum tempo depois de ser ferido numa das revoltas tenentistas, e Juarez Távora, um dos líderes do tenentismo, participante da Coluna Prestes, o “vice-rei do Norte” nos primeiros momentos da Revolução de 30.

Virgílio cursou a Escola Militar do Realengo, dela saindo como oficial do Exército, pertencente à arma da Engenharia. Dedicou-se a carreira por cerca de dez anos, até que, a chamado do pai, assumiu, em 1949, a liderança da corrente “tavorista” da União Democrática Nacional (UDN)/Ceará. Desde então, até à morte em 1988, fez da política a sua vocação. Eleito deputado federal em 1950, Virgílio alcançou logo a condição de secretário-geral do seu partido, a UDN. Em tal condição, pôde demonstrar a sua capacidade conciliadora e articuladora, a que deu continuidade no mandato à Câmara dos Deputados que se seguiu.

Embora alçado ao plano nacional, o engenho, arte e trabalho de VT se dirigiam fundamentalmente ao Ceará. Assim é que, já no primeiro mandato, arregaçou as mangas na busca da eletrificação no Estado. Depois, como ministro da Viação e Obras Públicas, indicado pela UDN, do breve governo parlamentarista de Tancredo Neves, a sua presença foi responsável por colocar no orçamento da União as verbas que, em seguida, possibilitaram a construção da linha que estendeu até Fortaleza a energia elétrica de Paulo Afonso, a extensão da rodovia Rio-Bahia até Fortaleza e a reconstrução do porto do Mucuripe.

Em 1962, a “União pelo Ceará” – uma coligação de partidos de que faziam parte, entre outros, a UDN e o Partido Social Democrático (PSD), tradicionais adversários no Estado -, enfrentando o crescimento das forças de esquerda, fez VT governador. Contemplando tal eleição governamental, o sociólogo Hélio Jaguaribe registrou: “Conjuntamente com Pernambuco, foi o Ceará o único Estado nordestino em que as eleições ultrapassaram o plano da política de clientela e se colocaram em termos nitidamente ideológicos, como uma disputa entre tradição e renovação, direita e esquerda”. No entanto, aqui, diversamente do ocorrido em Pernambuco, conclui Jaguaribe, “venceu a direita com marcado sentido conservador-senhorial, numa eleição que mobilizou todo o ‘estabelecimento’ regional a serviço do status quo.

No governo, VT surpreendeu positivamente. Introduziu o planejamento governamental, cuidou para que atividades, como a fazendária, a educacional e de segurança, ficassem fora da barganha político-partidária, convocou técnicos e intelectuais de corte progressista para o governo e, sobretudo, criou condições para o desenvolvimento do Ceará. Como afirmou depois, até então “governar o Ceará se resumia a demitir, nomear e transferir o funcionalismo”. Acrescente-se prender e soltar.

Amigo de João Goulart, VT quase foi deposto do governo do Ceará, por conta da violência da “linha-dura” militar e civil. A sua situação se agravou mais ainda, quando, na inauguração da energia de Paulo Afonso em Fortaleza, em 1965, perante o presidente-ditador, o marechal Castelo Branco, proclamou: “Manda a justiça e impõe a História que se diga que grande parte dessa obra se deve ao antecessor de V. Exa., dr. João Goulart”. VT não participou da conspiração que levou, em 1964, à derrocado do experimento democrático. Também não compactuou com o radicalismo que acarretou o reforço ditatorial de 1968, nem com a violência progressiva contra a classe política e os opositores, nem com a vergonha dos “porões” e da “tigrada”.

Depois de ter sido deputado federal por três mandatos, senador por duas vezes, governador também por duas vezes e ministro de Estado, além de líder partidário, VT faleceu, com 69 anos de idade, quando participava com tenacidade da feitura da Constituição de 1988, atuando na construção do capítulo sobre a ordem econômica e na defesa da Região Nordeste. Desde o dia 1º de abril de 1949, quando as armas cederam à toga na sua vida, até o seu desenlace do mundo dos vivos, VT foi o projeto, a maduração e a completude de um estadista. A sua agenda para o Ceará, ainda hoje totalmente irrealizada, orienta a busca da infraestrutura e da consecução do desenvolvimento econômico e da convivência social com padrões mínimos de decência.

VT se situava no espectro político-ideológico como um liberal-conservador. No entanto, e tomando de empréstimo a disjunção weberiana, viveu não “da” política, mas “para” a política, buscando realizar a própria convicção, segundo a qual “são as paixões e não os interesses que constroem o mundo”. Evidentemente, teve contradições, pragmatismos, senões como político. Todavia, indubitavelmente foi um estadista, entre tão poucos que germinaram/germinam no Ceará e no Brasil. Pelo conjunto da obra, VT vive!

Artigo publicado no site Segunda Opinião.