O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, sugeriu o Pacote Anticrime. Foto: Agência Brasil.

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senadoreuniu representantes das associações dos magistrados, defensores públicos, delegados e outros especialistas em direito nesta terça-feira (06), para instruir o relatório de um dos projetos (PL 1.864/2019) do Pacote Anticrime. Sugerido pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, o texto traz medidas contra corrupção, crime organizado e delitos praticados com grave violência a pessoa.

No início de julho, o senador Marcos do Val (Cidadania/ES) entregou parecer elaborado com sugestões de juristas, com 33 modificações ao projeto original. O senador Humberto Costa (PT/PE), no entanto, apresentou requerimento para a realização da audiência pública, com o objetivo de discutir melhor a matéria.

Representante da Associação Juízes para a Democracia, a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), do Rio de Janeiro, Simone Schreiber acredita que o Pacote resultará em aumento dos encarceramentos e que prisões não resolvem a criminalidade no país. A desembargadora leu relatório de 2016 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) que indica que o país tem 726,7 mil presos em 368 mil vagas. A taxa de ocupação de presídios brasileiros, como apontou a especialista, é de 197%. Deste total, 40% são detentos provisórios, disse ela, ressaltando que o Estado não consegue garantir a essas pessoas o mínimo de condições de humanidade.

Ao dizer que as medidas do Pacote Anticrime são mais amplas do que o simples combate à corrupção, a desembargadora pediu aos parlamentares que analisem melhor o assunto, frisando a necessidade de harmonia entre Legislativo, Executivo e Judiciário. “Esse é um problema de todos nós. Então, os Três Poderes têm que estar engajados nessa reflexão. Encarcerar mais vai adiantar?”, indagou Simone. Entre outros pontos, o PL 1.864/2019 permite a prisão de condenados em segunda instância, eleva penas nos casos de crimes com arma de fogo e amplia a situação de legítima defesa ao policial.

Na opinião da professora-adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carol Proner, a proposição contém questões “nebulosas” e disfarçadas que podem resultar em “servilismo”, inclusive retirando atribuições do Congresso Nacional. “É escandaloso, inaceitável, é um insulto aos senhores e senhoras senadoras. Uma zombaria de Poderes, num ativismo judicial que invadiu a competência de todo e qualquer Poder soberano deste país”, reclamou Carol.

Letalidade policial

O vice-presidente do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais, Rodrigo Baptista Pacheco, manifestou preocupação com itens do projeto, como o que amplia o conceito de legítima defesa. Segundo o debatedor, o momento político atual não recomenda mudanças estruturais tão significativas como as propostas pelo governo. Apesar de considerar a medida de Sergio Moro “louvável”, Pacheco ponderou que muitas modificações sugeridas no Pacote Anticrime trabalham com conceitos jurídicos indeterminados e “abertos demais”, podendo gerar insegurança jurídica. “Não se deve ignorar os alarmantes dados sobre a letalidade policial no Brasil. É preciso ter clareza: no único ponto em que a legislação se mostra mais benéfica, o projeto acaba por ampliar a possibilidade de exercício da violência de Estado”, pontuou Pacheco.

Para o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir Felix de Paiva, o PL 1.864/2019 traz contribuições importantes. Ele advertiu, porém, que a sociedade não pode considerar o Pacote Anticrime “uma bala de prata” para solucionar a criminalidade no país. Segundo o delegado, os problemas do sistema de segurança pública e justiça criminal brasileiros devem ser combatidos em diversas frentes, por serem profundos e “multifacetários”.

Paiva também criticou a ausência, no texto, de tópicos sobre o funcionamento das polícias e dos sistemas de investigação do país. “Não basta legislação penal e processual penal. É necessário dar condições para as polícias trabalharem, com graus de autonomia. Investigação envolve poder público, e uma polícia sob jugo completo de um governo muitas vezes não consegue fazer o seu trabalho”, disse Paiva.

Ponderações

O professor de direito Geraldo Luiz Mascarenhas Prado defendeu o aprimoramento do sistema de apuração dos crimes e mais valorização do juiz de garantias (responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado).

Na opinião de Prado, o sistema de Justiça criminal brasileiro precisa funcionar em harmonia, para que as investigações sejam aperfeiçoadas, a fim de evitar encarceramentos ou absolvições indevidas. O especialista disse que sentiu falta desses detalhes nas propostas do Pacote Anticrime. “O que vi nos projetos em tramitação no Congresso foi uma preocupação exagerada com a decisão, com a punição em curto espaço de tempo. Isso, com todo o respeito, não vai nos levar a lugar algum”, sinalizou Prado.

Representante da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o juiz de direito Paulo Afonso Correia Lima Siqueira concordou com a ideia de valorização do juiz de garantias junto ao Poder Judiciário, por ser este o órgão do controle da legalidade de todas as decisões processuais. O magistrado defendeu que o inquérito policial deixe de ser visto como mero procedimento administrativo e passe a dar ao acusado uma percepção penal plena de sua condição. E que o processo criminal deixe de servir apenas para embasar uma decisão final, para passar a garantir a qualquer acusado igualdade de direito de defesa.

Ao destacar que o sistema penitenciário nacional é falho, Siqueira observou que o Brasil não é um país onde se prende de forma exagerada, mas onde “se prende mal”. ” Se tivéssemos um sistema prisional em que se aplicassem realmente preceitos como prevenção e retributividade [que pode conter alguma retribuição] específica, além de condições de ressocialização, o direito penal teria outro viés”, disse Siqueira.

Com informações da Agência Senado.