A promulgação de uma nova emenda constitucional nesta quarta-feira (26) significa um pequeno marco para a Nova República brasileira. A regra que torna obrigatória a execução de parte das rubricas orçamentárias feitas por bancadas parlamentares estaduais (PEC 34/2019), se tornou a emenda de número 100 da Constituição Federal de 1988. Pelos números registrados, 39 emendas foram de iniciativa de senadores, 36 foram propostas por deputados, e 25 delas apresentadas pelos presidentes da República.

A adição de emendas à Constituição não começou de imediato: foram mais de três anos até a promulgação da primeira delas, em março de 1992. Coube a um ex-presidente do Senado, Nelson Carneiro (RJ), a honra de ser o autor da primeira modificação no texto constitucional. A Emenda 1 estabeleceu limites para a remuneração de deputados estaduais e vereadores.

O ano de 1992 viu duas emendas entrarem em vigor. Mais duas vieram em 1993. Foi em 1995, porém, que o ritmo se acelerou. Naquele ano, cinco emendas foram promulgadas, todas de autoria do Poder Executivo (56789). O pacote fazia parte do programa de desestatizações promovido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, e incluía, por exemplo, a permissão para a concessão dos serviços de telecomunicações e da exploração e refino de petróleo.

Desde então, o único ano sem a promulgação de nenhuma nova emenda constitucional foi 2018. Isso aconteceu porque esteve em curso, de fevereiro a dezembro, uma intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. A Constituição não pode ser emendada durante a vigência de intervenções federais.

O consultor legislativo João Trindade, especializado em direito constitucional, explica que o volume de modificações da Constituição brasileira não está fora de linha com o de outras constituições produzidas ao longo do século 20. A tendência da era contemporânea, segundo ele, é a de constituições mais detalhistas e abrangentes.

“Um efeito colateral de a nossa Constituição falar sobre tudo é que ela precisa ser alterada com mais frequência”, resume.

Um traço do caso brasileiro, aponta Trindade, é a tendência de se alterar o mesmo assunto várias vezes. O sistema previdenciário, por exemplo, já foi objeto de três emendas (2041 e 47) e o Congresso atualmente debate uma possível quarta emenda. Nem mesmo a emenda inaugural foi poupada: a Emenda 1 foi largamente revogada apenas seis anos depois da sua promulgação, pela Emenda 19, com novas regras para a remuneração de parlamentares.

O consultor pondera, no entanto, que a chegada das emendas ao terceiro dígito não passa de uma curiosidade simbólica.

“O número de emendas é menos importante do que o impacto delas. Muitas alteram questões de natureza muito pontual. Algumas contam como uma só, mas promovem mudanças gigantescas. O importante é ver como a Constituição mudou em termos qualitativos”.

Na avaliação de Trindade, a grande guinada nos rumos da Constituição foi no núcleo econômico. Ele explica que a Carta foi pensada para reger uma economia fortemente estatizada, mas essa perspectiva rapidamente se desfez, na esteira da rápida derrocada dos regimes socialistas ao redor do mundo já no final dos anos 1980.

Para permitir então que o país se alinhasse à nova configuração geopolítica do mundo, a Constituição brasileira começou a deixar para trás algumas das suas diretrizes estatistas. A começar pelas cinco emendas de 1995, que deram a largada para privatizações de empresas estatais e a abertura de setores de produção e de serviços para a iniciativa privada.

Plenário do Senado Federal durante sessão solene do Congresso Nacional destinada à promulgação da Emenda Constitucional nº 100 de 2019, que “Altera os arts. 165 e 166 da Constituição Federal. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Revisão

Na prática, a Constituição já foi emendada mais de 100 vezes. Isso porque, em 1994, o Congresso Nacional promoveu a revisão constitucional, um evento que estava previsto no próprio texto da Constituição desde o seu início. A revisão produziu seis emendas que não entram na numeração oficial das emendas constitucionais porque foram aprovadas em um procedimento diferenciado.

A intenção da revisão era que, depois de cinco anos de promulgada a Carta, os parlamentares voltassem a se reunir num simulacro da Assembleia Nacional Constituinte. Nesse momento, quaisquer alterações consideradas pertinentes poderiam ser feitas na Constituição pelo quórum original da Assembleia: maioria absoluta dos membros do Congresso, em sessão unicameral (deputados e senadores juntos, sem diferenciação). Para comparação, as demais emendas constitucionais precisam da aprovação de três quintos dos deputados e dos senadores em votações específicas da Câmara e do Senado.

O presidente da Assembleia Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, já havia destacado que a existência da revisão constitucional sinalizava, de partida, que o documento não era tido por seus signatários como bem-acabado. No discurso que fez ao promulgar a Constituição, Ulysses explicou que, ao nascer já pedindo uma reforma, a Constituição admitia que não era perfeita e convidava à divergência.

Para além dessa certeza, no entanto, o consultor João Trindade avalia que é difícil deduzir, hoje, o que os constituintes esperavam quando instituíram a revisão. Promovida em um ano eleitoral, por um Congresso acuado por uma recente CPI sobre malversações no Orçamento, e pouco depois do impeachment de um presidente, a revisão da Constituição foi um evento discreto. Ela produziu como mudança mais significativa a redução do mandato presidencial de 5 para 4 anos — intenção original da Constituinte para esse tema.

Agência Senado