O ministro da Justiça, Sergio Moro tem questionado seu projeto Anticrime. Foto: Agência Brasil.

O pacote de medidas “anticrime”, principal bandeira do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, é inconstitucional. São ideias inadequadas e ineficazes sob o ponto de vista do enfrentamento ao controle de criminalidade nacional. Algumas são cruéis em relação aos presos, e outras desconsideram direitos, como de individualização de julgamento, acompanhamento por advogados. A posição é da Defensoria Pública da União, que produziu um estudo sobre o tema.

Em nota técnica de 50 páginas, a DPU afirma estar considerando os objetivos institucionais de primar pela dignidade humana e redução das desigualdades sociais, promover o Estado Democrático de Direito, lutar pela prevalência dos direitos humanos e pelo respeito ao devido processo legal, notadamente quanto à ampla defesa e o contraditório.

O texto foi organizado nos tópicos: plea bargain; legítima defesa; recrudescimento dos critérios para cumprimento das penas privativas de liberdade, cooperação internacional, interrogatório e outros atos processuais por videoconferência; medidas para assegurar a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância; sistema penitenciário federal: das alterações na Lei nº 11.671/2008.

“É preciso ser dito que os anseios de mudança nos rumos da polícia nacional brasileira não são excludentes do ideal de combater a impunidade pela prevenção de crimes, com a devida aplicação da lei penal, de modo a restabelecer a ordem jurídica . Este compromisso, entretanto, não pode conspurcar direitos e garantias fundamentais, bem assim, pautado por um processo constitucional de individualização da pena (art.5 XLVI, CF), não pode descurar de seu núcleo essencial e intransponível: propiciar condições de reintegrar os indivíduos privados de liberdade na sociedade livre”, diz a DPU.

Quanto ao plea bargain, por exemplo, instituto norte-americano de acordo de réus com a promotoria, a DPU afirma ser uma “necessidade inadiável”, mas sem que seja importado nos moldes dos Estados Unidos. Há, ainda, problemas a enfrentar antes de pensar nesta questão. O número insuficiente de defensores públicos do país para acompanhar os casos e prestar assistência jurídica seria um deles, para que haja a garantia do direito de defesa efetivo para todo investigado ou acusado.

Nos termos da proposta de Moro, a DPU acredita que há a violação do princípio do contraditório, a transferência do juízo para o Ministério Público, a aplicação de pena sem o devido processo legal. “Em conclusão, apesar de a DPU ser a favor dos mecanismos de justiça negociada, a redação original do PL vai de encontro à matriz acusatória da Constituição de 1988, sendo necessário adequá-lo à lógica do procedimento penal de audiências, centrado na técnica da oralidade e no contato imediato entre os atores processuais.”

Outra crítica do texto é quanto à discricionariedade de alguns trechos, como aquele que dispõe que o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso de um policial decorrer de “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. De acordo com a nota, o uso de expressões ambíguas ou indeterminadas contribui para o arbítrio e para a insegurança jurídica.

“Saltam aos olhos, mesmo em uma primeira leitura, a indeterminação das expressões empregadas e a ampla margem de decisão concedida aos juízes (da redução pela metade da pena até a completa impunidade). Ainda que outros ordenamentos jurídicos, como o alemão e o português, prevejam hipóteses semelhantes, fato é que tanto lá como aqui, medo, surpresa e violenta emoção são estados psíquicos que dificilmente podem ser comprovados ou infirmados durante a instrução processual. Há poucos sentimentos mais subjetivos que o medo. Além disso, como aferir se a emoção vivenciada pelo agente no momento em que praticava a conduta excessiva era violenta e escusável?”, questiona a DPU.

O órgão argumenta que o projeto não pode ser isolado dos contextos político, históricos e sociais em que foi produzido. Nesse sentido, seria importante considerar que o Brasil tem, por um lado, segundo a DPU, uma história de violência policial elevada e de uma cultura de letalidade que estrutura o uso estatal da força. “O que se observa, em verdade, é que a prática tolerante e inaceitável dos chamados “autos de resistência” persistiu mesmo após a mudança eufemística da nomenclatura”, diz. As mudanças fariam aumentar casos de violência doméstica e abusos.

Sobre os planos de endurecimento penal, a DPU afirma ser inconstitucional aplicar o regime inicial fechado em casos de reincidência ou a de estabelecer período mínimo maior de cumprimento de pena para a progressão de regime.

Com informações do site Conjur