Após um ano da extinção do Tribunal de Contas dos Municípios, o presidente do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE), Edilberto Carlos Pontes Lima, em artigo exclusivo para o Blog, destaca o que considera  uma das maiores reformas institucionais no sistema de controle externo do País desde a promulgação da Constituição de 1988.

Leia o artigo “TCE na fiscalização municipal: um breve balanço”.

Edilberto Carlos Pontes Lima – Presidente do TCE Ceará e autor do livro Curso de Finanças Públicas: uma abordagem contemporânea.

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Fazer reformas traz inevitáveis custos de transição. Daí a grande dificuldade. Isso vale para um país, para um estado, para uma cidade, para uma instituição, para uma família e para cada pessoa. Não é fácil mudar. Dos grandes debates nacionais, a reforma tributária, por exemplo, pouco andou nos últimos 30 anos. Embora haja propostas que melhorem substancialmente o sistema, o custo de transição, os riscos de perda de arrecadação durante algum tempo e a incerteza sobre ganhadores e perdedores com a nova ordem são motivos que levam a que pouco se avance.

Maquiavel tratou do tema em “O Príncipe”, obra na qual alertou que implementar reformas é sempre difícil, argumentando que os beneficiários da ordem antiga lutarão bravamente para mantê-la e os que se beneficiarão da nova ordem irão defendê-la tibiamente porque não têm certeza dos seus benefícios. Isso ajuda a explicar os êxitos apenas parciais das reformas que o País tentou implementar nas últimas décadas, como a previdenciária, a administrativa, a trabalhista, entre outras presentes na agenda de modernização brasileira.

No Ceará, a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios foi uma das maiores reformas institucionais no sistema de controle externo do País desde a promulgação da Constituição de 1988.   Embora tenha sido traumática e realizada sem maior planejamento, a decisão da Assembleia Legislativa, referendada pelo Supremo Tribunal Federal, acabou por representar um fortalecimento do sistema de controle externo do Ceará. É que surgiu um Tribunal de Contas mais forte, com intensa sinergia entre a fiscalização estadual e municipal e com capacidade de atuação e diálogo bem mais abrangentes.

É óbvio que fazer a transição  não é trivial também nesse caso. Há muitas desafios que são enfrentados: culturas organizacionais distintas, sistemas de informática incompatíveis, leis orgânicas e regimentos internos diferentes, planos de carreira dos servidores com muitas assimetrias, entre diversas outras questões.

Com muito trabalho e entusiasmo por todos que formam o Tribunal de Contas, incluindo os servidores egressos do extinto TCM que foram incorporados aos quadros do TCE, as providências estão sendo encaminhadas. Alguns dias após a decisão da Assembleia Legislativa, ainda em 2017, equipes de fiscalização já estavam nos municípios cearenses. Julgamentos foram retomados imediatamente. Em 2018, 54 municípios foram escolhidos, segundo critérios definidos em matriz de risco, para serem  fiscalizados presencialmente, abrangendo órgãos do Executivo e a respectiva Câmara de Vereadores. Fiscalizações especiais também têm sido realizadas em diversos municípios. Mais de 3,5 mil decisões sobre assuntos municipais foram tomadas pelas câmaras e pelo plenário do TCE até outubro deste ano, entre julgamento de contas, registros de atos de pessoal, recursos contra decisões do próprio Tribunal, apreciações de denúncias, representações e auditorias.

Isso tudo sem prejuízo da atuação tradicional do TCE na esfera estadual, em que o número de processos julgados pelo pleno mantém-se no patamar de 2017 e muito superior a 2016. Aliás, nesse campo, o TCE passa por profunda modernização, com as contas de gestão exercício 2017 prestadas em 2018 integralmente pelo sistema Ágora, o que vai proporcionar julgamentos mais céleres e com maior profundidade.

Muitas iniciativas de aproximação com outros órgãos da administração pública têm sido empreendidas, na busca de um tribunal aberto e disposto ao diálogo. São exemplos as parcerias com o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual,  a Controladoria Geral da União,  a Associação de Prefeitos (Aprece), a de vereadores (UVC), além de um diálogo permanente com a Assembleia Legislativa, o Poder Judiciário e o Poder Executivo estadual, que têm prestado apoio institucional importantíssimo para o bom funcionamento do Tribunal.

Como parte desse esforço, a nossa Escola de Contas, o Instituto Plácido Castelo, também tem se engajado fortemente. Lançou este ano o TCEduc, que, a partir das maiores cidades do Estado, já abrangeu todos os municípios cearenses, beneficiando gestores e pessoas interessadas, de uma forma geral, em temas relevantes para a administração pública.

Debates, palestras e cursos têm sido realizados pelo TCE na busca do aprimoramento, troca de ideias e criação de um ambiente efervescente de discussões sobre temas candentes para a administração pública e o controle. Destacamos os que trataram do combate à corrupção, do controle sobre os regimes próprios de previdência, do gerenciamento de resíduos sólidos, das parcerias público-privadas, os precatórios do Fundef (este objeto de audiência pública), entre  outros.

De 17 a 19 de outubro, organizamos, em parceria com o Instituto Rui Barbosa, o IV Congresso Internacional de Controle e Políticas Públicas, no Centro de Eventos do Ceará, que contou com a presença de mais de 2 mil pessoas, incluindo gestores estaduais e municipais, para debater temas como educação, infraestrutura, saúde e governança fiscal. A expertise das Escolas de Contas para o Fortalecimento dos Tribunais foi o tema do IX Educontas, realizado paralelamente.

No mesmo período, lançamos o Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM), indicador que alcança sete dimensões: educação, saúde, gestão fiscal, planejamento, meio ambiente, defesa civil e governança em tecnologia da informação. Pela primeira vez, todos os 184 municípios cearenses foram avaliados, constituindo uma contribuição relevante para o aperfeiçoamento das administrações públicas municipais.

O TCE está desenvolvendo seu Sistema de Governança Institucional, em busca de soluções práticas, ideias inovadoras, métodos, projetos e um novo modelo de estrutura organizacional alinhados aos mais elevados padrões da área. Nosso intuito é que a governança do Tribunal auxilie na implementação e monitoramento permanente das nossas ações, elevando a instituição a um novo patamar de excelência, que possibilite fortalecer, cada vez mais, nossa missão de bem guardar os recursos públicos em benefício do Estado e da sociedade.

Evidencia-se, portanto, que o TCE do Ceará atua plenamente. Há ainda desafios relevantes a serem enfrentados, como a aprovação da nova Lei Orgânica, projeto já enviado para a Assembleia Legislativa em março deste ano e fundamental para o bom funcionamento do Tribunal de Contas; o novo regimento interno, a partir da nova Lei Orgânica; a unificação do plano de carreira dos servidores, a ser em breve enviado à Assembleia Legislativa; a alocação do quadro funcional em um mesmo espaço, de forma a otimizar os trabalhos, entre outras questões maiores ou menores.

Transição sempre envolve custos e dificuldades de toda ordem. Com cooperação, trabalho duro e vontade de ter um controle externo mais forte, relevante e que resulte em bons frutos para a sociedade cearense, estamos caminhando bem.